Capítulo 43 - Proteger a quem se ama.
Depois de Jane, não havia outra pessoa que podia sorrir mais ao ver o sereia de volta ao convés do que Will. O loiro fazia perguntas e apertava os novos músculos do sereia e até cheirava seus cabelos dizendo que ele tinha um cheiro maravilhoso e muito másculo. Lantis também estava contente em vê-lo e respondia suas perguntas contando tudo o que podia e tudo o que tinha visto no mar.
— Orcas? Elas são assassinas! Não acredito que você nadou ao lado delas.
— Não, elas não são assim. São criaturas muito amáveis, você pode fazer carinho nelas como se faz com um cachorro. – Os dois descascavam batatas sentados em baldes de ponta cabeça. Evidente que Simon havia designado Will para a tarefa mais cedo.
—Eu já vi o que elas fazem com as focas, eu não acredito que elas não querem nos comer.
— Elas são inteligentes, Will, humanos não são saborosos para elas, todos vocês podem ficar tranquilos.
Lantis havia encontrado com um bando de Orcas a caminho de Kandramar, mas ele não contou este detalhe para Will. Kandramar ficava do outro lado do Oceano Uno, em outro continente e poucas pessoas haviam ido até lá. Diziam que a maioria dos moradores eram desertores, piratas renegados ou todo esse tipo de gente ruim que ninguém queria em lugar nenhum. Lantis havia ficado somente próximo ao mar e não encontrou tais pessoas ruins, ele havia falado com poucos seres humanos durante os dias que esteve fora do Alma Negra e conversando agora com Will ele realmente sentia falta de estar no navio.
— E por que seu corpo esta assim tão diferente? Quer dizer, - Will falava e a faquinha mixuruca girava em sua mão. — Você continua o mesmo, mas esta todo encorpado, todo bonitão. O que aconteceu?
O sereia pensou um instante, ele sabia que estava diferente, durante esse tempo no mar ele viu seu corpo mudar pouco a pouco, não era uma preocupação passar pelas mudanças, mas ele não se sentia completamente seguro, até que finalmente encontrou Jane e ela gostou do que viu.
— O mar aconteceu, Will. – Lantis sorriu e Will fixou os olhos ali com dificuldade em desviar. — Eu sou um sereia, eu pertenço ao mar e quando eu estou nele eu volto a ser quem eu era. As outras sereias que passaram por mãos humanas e voltaram ao mar, com todas elas aconteceu o mesmo. Nós estamos voltando a ser nós mesmo.
— Espera, eu sou burro, espera. – Will tocou o queixo de Lantis e virou se rosto de um lado para o outro. — Então você é naturalmente assim?
— Uhum.
— Todo bonitão assim?
— Sou.
— Com essa pele lisinha e esses olhos azuis ai?
— Isso.
— Ah, to fudido. – Will largou o rosto dele e o sereia riu.
Lantis não perguntou mais nada, podia ouvir os batimentos de Will enquanto ele pensava em alguém e sabia que não era nele.
— Não se preocupe, - Lantis passou o braço ao redor do pescoço dele, como Will já havia feitos tantas vezes antes. — Tenho certeza que esta pessoa só tem olhos para você, assim como eu só tenho olhos para Jane.
Will suspirou um pouco alto e sorriu de volta, depois seu sorriso murchou e ele segurou a faquinha com força nas mãos.
— Temos problemas.
Virando para olhar em direção a porta, Lantis viu Simon com a cara mais amarrada de todos os mares.
Acontece que Simon não soube do sereia assim que ele apareceu no navio pela manhã. Quando saiu da cabine com Jane foi surpreendido por muito olhares, o movimento àquela hora no navio era grande e vários pares de olhos encaravam o sereia. Ele estava maior, mais forte e sua aparência bonita era bastante imponente como uma onda que se forma no mar e se sabe que vai ser grande, muito grande.
— Filho da mãe! – O primeiro a vir com os braços abertos foi Rupert. — Você voltou, sua sardinha mal caráter!
Rupert abraçou o sereia e surpreendeu-se com a altura dele, agora ele era menor do que Lantis.
— O que andou fazendo por aí? – Rupert segurou os braços dele e sorria, o sereia ficou um pouco espantado, mas logo se deixou levar pelo bom humor do companheiro pirata. Jane sorria e viu o sereia ser levado por Rupert até o pequeno grupo de piratas que os olhava de longe. Lantis podia ser um pouco tímido, as vezes meio sem jeito para lidar com tanta atenção, mas agora mais do que antes, ele se soltava e logo havia mãos tocando seus braços e homens o chamando para uma luta amigável.
Ainda havia aqueles que não seriam tão amistosos com o sereia, mas Lantis os ignorava e eles tão pouco ligavam para ele. Dessa forma as horas passaram e o burburinho e a fofoca sobre o que Lantis tinha feito no mar começou a ser espalhada pelo navio. Obviamente nem tudo era verdade, mas eles não queriam saber o que era e o que não era.
— Uma lula gigante? Você está se sacanagem!
— Não! É verdade! – Um dos piratas dizia. — Eu ouvi ele contanto para Rupert agora a pouco, parece que eram três, não, cinco lulas gigantes e ele acabou com elas com uma das mãos amarrada para trás.
— E eu ainda ouvi, - Dizia outro. — Que depois dessas ele ainda lidou com dois tubarões brancos que caçavam na costa. Uma loucura!
Com tanto assunto no navio, era claro que logo todos a bordo saberiam da volta do sereia e foi através de uma fofoca ouvida que Simon soube que ele estava com Will descascando batatas.
— Então é verdade, - Ele disse olhando para o sereia que também tinha uma faca na mão e uma batata em outra. — Você voltou mesmo.
Pela cara ficou claro que Simon não gostou nada do que via.
— Sim, eu estou de volta. Sempre foi minha intenção retornar, eu só estava...
— Foda-se essa sua história de merda. – Ela aproximou-se do sereia que levantou-se do banquinho e encarou Simon. — Você sabe o que aconteceu aqui enquanto você não estava? Você tem ideia do que poderia ter acontecido com ela?
— Jane sabia que eu ia voltar. Ela esperou por mim.
Simon torceu a cara numa carranca horrorosa e medonha.
— Sabia que ia voltar... Não, esse pensamento era só um dos que passaram na mente dela, havia outros muito mais problemáticos do que somente esperar por você.
— Nós já conversamos, isso é um assunto somente para nós dois.
Simon e Lantis ainda eram diferentes em altura e estrutura corporal, mas como já estava bem claro para todos, isso também havia mudado.
— Eu não tenho medo de você.
— Pois deveria. – Simon bufou sobre seu rosto, a faca na mão de Lantis foi solta e ambos não tinham nada além dos punhos. O sangue de Simon fervia e Lantis podia ouvir o borbulhar em seu coração, era com a erupção de um vulcão prestes a devastar tudo o que tinha pela frente.
— Eu não tenho medo, mas não quero brigar com você. Ninguém ficaria mais ferido do que Jane.
— Não a use para me conter, não vai funcionar. – No final da frase Simon agarrou o pescoço de Lantis com uma das mãos, era fácil envolve-lo em seu aperto e ele poderia facilmente quebrar aquele pescoço fino.
— Simon! – Will gritou tentando segurar o braço dele. — Larga ele Simon!
— Se você não existisse... Jane ficaria muito melhor se você não estivesse aqui.
— Ah é? – Lantis falava com dificuldade. — Você acha mesmo que sabe o que é melhor para ela? Você acha mesmo que ela prefere uma vida sem mim?
Simon rosnou como um cachorro selvagem e apertou um pouco mais a mão.
— Você só traz problemas, você e essa cauda estupida, você e todas essas sereias são um mal para Jane, ela poderia ter uma vida muito mais feliz ao lado de sua família se nunca tivesse existido vocês.
— Isso é bobagem. – Lantis foi erguido alguma coisa no ar, mas as pontas de seus dedos ainda tocavam o chão. — Você está falando bobagens. Por acaso não conhece Jane? Ela jamais seria feliz numa loja em uma vila pacata do Império Sul.
Lantis foi arremessado contra a parede, suas costas bateram na madeira e houve um grande estalo.
— Você não sabe o que está dizendo! Acha que conhece a Jane melhor do que eu? Acha que a ama mais do que eu? Pois você está muito enganado!
— Ela jamais o teria em sua cama! – Lantis gritou de volta.
— O-o que? – Simon tinha uma expressão confusa no rosto, uma mistura de nojo e descrença. — Você, seu verme imundo, nojeira do mar, acha mesmo que é assim que eu a vejo? Você pensa que eu... você acha que eu quero... – Ele não conseguia nem dizer as palavras.
— Se eu estou errado, - Lantis levantou-se sem dificuldade. — Então é o que?
Simon voou novamente em cima dele com socos em seu rosto, Lantis não revidou e o sangue longo pingou no chão.
— Cale a boca seu animal! – Simon segurou o rosto de Lantis com uma das mãos e preparava um soco com a outra, ele viu de perto os cortes irem se fechando rápido e somente ficava o sangue no lugar. — Jane é minha família, a pessoa mais importante para mim, eu jamais me deitaria com ela e ve-la sofrer, ver a tristeza em seus olhos é a pior dor que eu já senti em toda minha vida.
Havia o fogo, o rasgar da pele, a queimadura e Ana, lembranças dolorosas passaram por sua mente, mas ainda assim ele não retirou o que disse.
— Quando ela matou o capitão Daniel, - Ele disse sem saber porquê. — Quando aquilo aconteceu ela bebeu por dias seguidos, ela não comeu, seu olhar era vago e ela parecia ter perdido a alma. – Simon tinha o olhar quase desesperado, sua voz era fria e o suor escorria em sua testa. — Numa noite ela pareceu melhor, no outro dia de manhã seu corpo boiava no mar. Você sabe o que é o desespero, sereia? Sabe o que é sentir-se tão imoral, sujo, vazio e triste ao ponto de querer tirar a própria vida? Jane estava vazia, havia se esquecido de todo o resto e só pensava em sumir consumida pela culpa. Quando eu peguei o corpo dela na água... – Ele fechou os olhos com força, a sensação do corpo mole de Jane, do arroxeado em sua boca e da falta de respiração, o momento bastante vivido em sua memória. — Eu não vou vê-la daquele jeito de novo!
Lantis olhou para Simon de um modo diferente, havia muitas coisas pelas quais ele e Jane já haviam passado antes dele aparecer, entre os dois haviam histórias felizes e memórias tristes e coisas que ele jamais iria saber. Simon havia visto Jane em momento que Lantis jamais veria, ouvido ela dizer coisas que ele jamais escutaria e os dois tinham algo especial que era bastante diferente do que ele tinha com Jane e ao contrário do que ele havia suspeitado, Simon não queria estar em seu lugar na cama de Jane.
— Me desculpe. – Ele disse gentil e tocou a mão de Simon que segurava seu rosto e deixava marcas de dedos em sua bochecha. — Mas eu não vou embora, eu vou ficar aqui, ao lado de Jane e não vou deixar que ela entre na água sozinha. Eu prometo que estarei ao lado dela.
Simon sentiu alguma coisa, havia alguma coisa naquele toque que fez seu coração desacelerar, sua respiração ficou mais leve e seu peito parou de doer. Não era magia de sereia que Lantis usava contra ele, era só algo que ele mesmo sentia, um desejo de proteger e de cuidar.
—Ela é impulsiva.
— Ela é.
— Ela parece que sabe o que está fazendo, mas ela é confusa e fala coisas que sabe que não pode cumprir. Como quando me disse que levaria você até a Ilha das Bruxas.
— Eu sei.
— Ela pode se colocar entre você e uma bala e esquecer que o corpo dela também é feito de carne.
Lantis lembrou-se daquele dia na Ilha Liberdade, fazia bastante tempo.
— Eu vou tomar cuidado.
— Ela pode querer mergulhar mais fundo que o próprio pulmão aguenta só pra pegar uma pérola idiota.
— Ela não vai precisar mais. – Lantis sorriu.
Simon soltou o rosto dele e mal havia percebido que os pés de Lantis já tocavam bem o chão. Sua respiração estava mais calma e seu coração parecia mais leve. Ele deu um passo para trás e sentiu seu corpo bambear.
— Opa, opa! – Alguém o apoiou pelas costas, com grande dificuldade alias. Simon sentiu quatro mãos segurando-o firme, mas essa voz veio de Will, então...
— Parece que houve um acerto aqui. – O rapaz ajeitou o óculos no rosto.
— Victhor. – Simon não precisou virar-se para saber quem era.
— Não se preocupe, eu não vou contar a ela.
Will chegou próximo a Lantis e tocou devagar o rosto dele.
— Ta doendo?
— Vai passar.
Victhor fez um sinal para Lantis que retribuiu e tocou de leve o ombro de Simon fazendo virar-se.
— Vamos, tem um grupo lá em cima que precisa ver a sua cara feia pra voltar a trabalhar.
Simon concordou e ia saindo devagar, no entanto antes de sair parou no batente da porta para olhar para Lantis mais uma vez.
— Prometa.
— Eu prometo.
— Não. – Ele respirou fundo deixando o ar sair devagar. — Não como uma sereia, me prometa como um pirata.
— Eu prometo. – Lantis disse com segurança.
Simon deu as costas para ele sem dizer nenhuma palavra e seguiu Victhor até o convés.
Vichtor olhou para Simon com descrença, lembrou-se da conversa que tiveram.
— Eu nunca vou aceitar este sereia no navio.
Fazia quanto tempo que tiveram essa conversa? Victhor não lembrava quando ao certo.
— Simon, mas a Jane já decidiu que ele será um pirata no Alma Negra.
— No dia que eu o reconhecer como um pirata neste navio, você pode me considerar louco. Ele nunca será um de nós, eu nunca o verei como um pirata.
Victhor sorriu vendo Simon ameaçar usar o machado contra uns caras com cordas enroladas na mãos. A tarde seguia quente e a noite fresca viria bem a calhar.
Três dias depois da volta de Lantis era como se ele não houvesse deixado o navio, o sereia voltou aos antigos afazeres e agora vez ou outra ia até o deposito de cargas verificar como estavam as crianças do circo. Infelizmente em sua ausência uma delas havia falecido de uma febre terrível e por sorte as outras estavam bem. Foi um momento triste que passou e a vida precisava seguir. Apesar de estarem no deposito as crianças estavam muito bem, ali era um lugar grande para que elas corressem e brincassem e sempre que queriam subiam ao convés para brincar. Jane sempre ia verificar se elas estavam bem e fazia muito mais trocas com navios pequenos que passavam por eles afim de conseguir coisas boas para dar as crianças. Dentre os limites de estar num navio pirata, as crianças permaneciam alegres. O pai do menino Brenner era um trabalhador nato e Lantis nunca o viu de corpo mole, Malabaris – apelido que deram por ele vir do circo, era um homem bastante honesto que cuidava do filho com muito carinho. Assim, no quarto dia finalmente chegaram à Ilha do Bem Vindo. Uma ilha pequena onde Jane fazia comércio desde muito tempo e todos ali já a conheciam, as crianças e Malabaris ficaram na Ilha a espera do navio que passaria dali dois dias e as levariam até a Ilha Esmeralda. O Alma Negra, apesar de seguir para o mesmo destino, não poderia usar a mesma rota, haviam os navios perseguidores em nome de Markus e Benjair e a Marinha Imperial ainda estava na cola e eles precisariam dar a volta e pegar um caminho diferente. Malabaris insistiu em ficar no navio, mas Jane o convenceu que a Ilha Esmeralda seria o melhor para ele e Brenner. Lá havia uma pessoa que os acolheria, Ana, e tudo o que precisassem poderiam ter melhor do que em alto mar. Pensando no bem estar do filho, Malabaris concordou e o navio Alma Negra saiu da Ilha do Bem Vindo algumas horas depois de ter atracado em seu porto. Aquela ilha era confiável, mas muitos atracavam ali e olhares furtivos caiam sobre o casco do Alma Negra. Homens Livres, maliciosos cochichavam quando viram a carranca da sereia já reconhecida por ser do Alma Negra e Jane temia que eles poderiam estar a serviço de Markus. Além disso, havia Lantis. Antes ele poderia passar muito bem por um ser humano bonito, as agora era impossível que ele não fosse reconhecido como uma sereia e as bocas abertas e olhares curiosos caiam sobre seu corpo chamativo.
— Contenha essa sensualidade um pouco! – Will disse a Lantis enquanto carregavam um saco de batatas para o deposito, o saco havia sido comprado na Ilha do Bem Vindo e mais uma vez era Will quem as descacaria.
— Do que está falando?
— Não teve uma só pessoa em toda Ilha que não olhava para você com a baba escorrendo de suas bocas. As moças mal podiam se conter! Achei que fossem arrancar as saias ali mesmo!
— Eu não reparei.
— Claro que não. – Will soou irônico. Era claro que Lantis sabia. — Você anda por ai sendo todo lindo e atraindo olhares, eu não vou mais andar do seu lado, ninguém mais repara em mim!
— Eu não estou fazendo nada demais.
— Ah certo "Me desculpe pela minha existência ser uma delicia que as pessoas mal podem resistir" É isso que quer dizer?
— Então você também não pode resistir a ele? – A voz conhecida veio detrás. — Tomem, eu trouxe mais esse.
Victhor deixou um saco no chão enquanto Will olhava para ele com a boca um tanto aberta. Victhor ajudava a colocar as coisas em ordem e o dia estava quente. Sempre coberto com mangas longas, hoje ele vestia apenas uma camiseta e uma bermuda. Seus cabelos haviam sido lavados e aquele troço que ele usava para deixar as mexas no lugar não havia sido usado. Seu cabelo preto caia sobre os olhos e solto caia um pouco abaixo dos ombros, o suor que escorria em sua pele, por algum motivo, deixou Will acompanhando a gota que descia em seu pescoço exposto.
—Não, eu não... eu... – Will não sabia o que responder.
— Tudo bem, não me interessa na verdade. – Victhor disse já saindo do lugar.
O sereia acompanhou o olhar de Will acompanhando Victhor desaparecer no corredor, o loiro ficou ali algum tempo divagando meio bobo, meio concentrado demais, confuso.
— Acho que ele não precisa ser uma sereia para causar esse efeito em você.
— Não, não precisa. – Ele disse sincero ajeitando o cabelo atras da orelha, os ombros tensos caíram e ele tentou relaxar uma certa parte do corpo que havia sido agitada. — Mas eu ainda não entendo o porquê.
Lantis não disse nada e continuaram a ajeitar os sacos de batatas.
Nas cordas alguns piratas desfaziam os nós e o homem da gávea olhava no monóculo, o mar estava calmo e não havia nada além de um grupo de baleias espirrando água e fazendo bagunça. Ele olhava relaxado e até um pouco entediado, até que uma mancha escura surgiu no horizonte e chamou sua atenção mais ao longe. Primeiro ele não quis acreditar no que viu, olhou mais duas vezes. Sentiu seu sangue gelar e engoliu a seco.
Então no alto do mastro o pirata desceu gritando assustado.
— O Fúria do Diabo! – Ele berrava. – É o Fúria do Diabo! Estamos fodidos!
Victhor e Simon surgiram desesperados na amurada do navio, a gritaria do homem chegou ao ouvido de todos, inclusive daqueles que tinham as bocas ocupadas em beijos cheios de intensidade na cabine da capitã. Jane e Lantis ajeitaram minimamente a roupa – que ainda não estava completamente despida, ela juntou-se a Simon, pegou o monóculo de cano longo e deparou-se com a figura de Markus na proa do navio. O sorriso no rosto dele fez o estomago de Jane revirar.
— Prepararem os canhões! Homens a postos! – Ela gritou. Houve muita movimentação no navio a partir de então. — Eles não estão sozinhos. – Ela passou o monóculo para Simon.
— Puta merda! – Ele avistou outros quatro navios vindo logo atrás do Fúria do Diabo.
Jane, Simon e Victhor corriam pelo navio, em ações coordenadas e ordens distribuídas os piratas preparavam para o embate. Era evidente que o Fúria do Diabo estava ali por um motivo e se eles não estivessem armados até os dentes quando o navio de Markus chegasse com certeza seriam levados para o fundo do mar.
Os homens e as poucas mulheres passavam por Jane em suas tarefas, os mais novos eram orientados sem nenhuma paciência e o terror era visto em seus olhos. A Capitã poderia dar a eles alguma coragem, mas ela tinha outra tarefa mais importante agora. Jane corria pelo assoalho de madeira a procura de alguém. Onde ele está?
Espadas eram passadas de mão em mão, mosquetes recebiam munição e os piratas iam tomando as posições dentro do navio.
— Vamos tentar dar a volta? – Pyra gritava do leme.
— Tente! – Simon gritou, sua voz ressoando com um trovão, o sotaque mais forte do que o habitual. — Eles são muitos, vamos tentar resistir o máximo que der.
— Simon! Cadê a Jane? – Victhor estava preocupado com a sanidade dos piratas, era evidente o medo e o terror que Markus causava a todos ali, alguns estavam vomitando e ficando pálidos.
Jane havia procurado em todos lugares possíveis, correndo de um lado para o outro, deixou Theodora falando sozinha quando passou por ela, a morena com os olhos arregalados ouviu um "me desculpe" sofrido vindo da boca da capitã, ela entendeu na hora o que a estava incomodando.
Os navios aproximavam-se velozmente com o vento estando a favor, a formação era uma meia lua entorno do Alma Negra que por sua vez tentava desviar para um dos lados mais frágeis, bem longe do Fúria do Diabo. O navio de Markus era muito bem preparado e seria o pior de enfrentar.
— Não adianta tentar fugir de mim, Lídia, eu finalmente encontrei você. – Markus estava a quem do que acontecia no próprio navio, seu foco era em Lídia, ou melhor, em Jane. Com o monóculo e com a distância sendo encurtada cada vez mais, ele focava toda sua atenção no que conseguia ver dos movimentos da mulher no navio. O sorriso em seu rosto era medonho e cruel.
No Alma Negra o caos era organizado por vozes firmes, Vichtor e Rupert haviam sido instruídos por Jane e repassavam as coordenadas e todos apesar de nervosos tomavam suas posições.
— Mas que merda! – Jane gritou olhando no último lugar em que ele poderia estar. Ela tornou a subir as escadas com tanta pressa que quase caiu tendo seu braço puxado por alguém um degrau acima.
— Onde você estava!? – A irritação na voz dela era mais do que evidente. Lantis a colocou de pé ao seu lado, não teve tempo de responder, ela o puxou pelo braço correndo em direção a sua cabine.
Passando pelos piratas ela abriu a porta e a fechou atrás de si, as cortinas juntadas com rapidez.
— Jane o que está fazendo? – Lantis tentava para-la, mas ela apenas atropelava-o enquanto andava de um lado para o outro na cabine. — Jane!
A capitã tirou o cordão com a chave do pescoço e o colocou dentro da roupa íntima de cima, a caixinha com as pérolas foi posta num assoalho solto debaixo da cama. Ela tocou a orelha onde havia a argola que Lantis deu a ela.
— Agora só falta você! – Por fim ela parou frente a Lantis. — Não posso deixar que eles peguem você de novo. Você precisa se esconder.
— Jane! Me escute! – Ele segurou firme os braços dela enquanto os olhos da capitã buscavam algum lugar seguro para ele dentro da cabine. — Jane!
Não adiantava, por mais palavras que ele dissesse ela não as ouvia.
— Fique aqui! Apenas fique aqui dentro e não saia, não importa o que vai ouvir, não saia. – Jane beirava o desespero, suas palavras saíram como se fossem uma súplica e não uma ordem.
Lantis ainda segurava os braços dela, ele afrouxou o aperto.
— Você espera mesmo que depois de tudo eu fique aqui dentro como um covarde?
Ela livrou-se das mãos dele, lá fora tiveram início os tiros dos canhões, gritos e pólvora sendo queimada.
— Você não está entendendo Lantis, se ele pegar você ele vai te matar! Markus vai matar você!
—Não, Jane! – Ele tocou-lhe a face, tentando transmitir-lhe alguma calma. Claro que foi impossível. — Ele vai matar você, no máximo ele vai tentar me vender naquela ilha de novo. Então por favor, deixe-me tentar protege-la como você está fazendo comigo agora.
Jane o olhou por um instante, aqueles olhos azuis inundando-a mais uma vez, preocupados e convidativos, ela o beijou desejando que o tempo parasse naquele instante e que nunca mais suas bocas se distanciassem, abraçou o sereia como se pudesse colocar Lantis dentro de si protegendo-o do inferno que estava ao lado de fora. Ela o afastou de seus braços com grande tristeza.
— Fique aqui, - Jane tentou suavizar a voz o máximo que podia. — Por favor, se ele levar você... – Uma pausa, o sons de espadas do lado de fora da cabine invadiram os ouvidos dela chamando-a para o caos. — Se ele levar você...
Lantis lembrou do que Simon disse, do que prometeu a ele e contra sua vontade fez que sim, ela soltou a mão que ainda segurava, os dedos desfazendo o enlace devagar, o sereia fechou os olhos para não ver a capitã fechando a porta atrás de si, seu corpo imóvel, engessado no mesmo lugar.
Jane desembainhou a espada, a sua frente um verdadeiro pandemônio e o cheiro de sangue invadiu suas narinas, braços decepados e olhos sendo perfurados, porém nada lhe deu mais medo do que o homem que vinha rindo em sua direção. Alheio a tudo o que o cercava, até mesmo com um certo prazer, ele caminhava com passos leves e frios.
— Markus. – A boca dela sentiu o amargo de cada letra daquele nome.
Nota: Não me odeiem ;__;
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