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Capítulo 28 - Família

O porto da Vila estava sempre cheio com todos os tipos de pessoas, sotaques, histórias e oportunidades, no Império Sul o comércio levava e trazia boatos de todos os lugares.

A loja de tecido da mãe de Jane estava sempre cheia de clientes ricas e finas que iam atrás das peças mais caras para seus vestidos de luxo. Os alfaiates do Sul tinham a fama larga e sempre indicavam a loja de Carmem as suas ilustres freguesas. Certamente que a dona ficava sabendo de vários casos e fofocas de todos os Impérios, Carmem não era mexeriqueira, mas não negava ser boa ouvinte. Numa tarde de domingo um garoto trouxe para ela o recado de sua dama, conhecendo o menino desde que era bem novo Carmem deu a ele um pedaço de pão e um copo de leite enquanto ele esperava o corte do tecido, sentado na calçada ele conversava com outros dois da mesma idade, eles diziam sobre como o porto estava perigoso por estes dias com todos procurando por um navio pirata e sua capitã abominável. Quando ouviu sobre a "capitã" Carmem que vinha com o embrulho nas mãos questionou aos meninos sobre o navio que os piratas caçavam. A notícia de que Benjair e Markus procuravam pelo Alma Negra se espalhou rápido pelo lugar. A mãe de Jane ficou sabendo de tudo uma semana depois que Benjair já estava de volta ao mar junto de Markus em seu navio, "O Abutre". Carmem prontamente escreveu uma carta a um tio no Império Oeste e recebera resposta oito dias depois. Se fosse necessário, ele estaria à disposição para ajudá-la no que fosse preciso. No mais, já estava tudo meio caminho andado, bastaria pegar uma bolsa e partir.

Naqueles dias enquanto os piratas rondavam a Vila tudo parecia mais caótico. Bêbados e vagabundos andavam livremente pelas ruas e as prostitutas iam e vinham a luz clara do dia, o comércio foi assaltado inúmeras vezes e os piratas a mando de Benjair agiam como lordes cumprindo a ordem de seu rei. Por sorte essa onda arruaceira não tardou a passar, receberam uma informação sobre o navio Alma Negra e os piratas partiram como predadores em busca da presa. Um alivio para todos os cidadãos comuns da Vila do Porto.

Na loja de Carmem o movimento nunca cessava, mesmo aos finais de semana estava sempre cheia, muitas mulheres nobres com suas sereias machos e fêmeas desfilavam pela vila e queriam esbanjar dinheiro em presentes e itens de decoração em moda.

As sereias em sua maioria usavam tecidos finos com transparências, vestidos esvoaçantes em cortes femininos e masculinos com mangas longas que arrastavam no chão e cintura bem marcada, as fêmeas usavam decotes compridos indo até o umbigo. Capas de sedas, colares pesados com joias cravadas, tiaras em fêmeas e machos, muitas sereias tinham apenas o sexo encoberto desfilando adornadas por joias, peitos à mostra com correntes de ouro modulando seus corpos. Nunca usavam calças ou sapatos e quanto mais longos e bem escovados eram seus cabelos mais mostravam o quanto o mestre era rico e bem sucedido.

A loja de tecidos de Carmem era referência de bom gosto para a nobreza que tinha muito com o que gastar, o movimento era grande e tinha sempre gente e sereia entrando e saindo o tempo todo.

— Senhora, senhora! – Um dos meninos entrou correndo na loja, seus olhos estavam marejados e seu queixo tinha uma marca vermelha.

— Nicolai, o que foi? – A senhora tinha um vestido em mãos, mas esquecendo-se completamente da cliente que estava no provador foi até o menino que vinha com os braços estendidos.

— Os brancos... eles... eles... Eles a pegaram!

Jane!

No instante em que Carmem pensou ter sido Jane presa pelos homens da Marinha, Clara apareceu em sua porta já aberta. Os cabelos antes presos numa trança em forma de coroa, estavam desgrenhados e seu vestido coberto de lama. Sangue nos joelhos, nas palmas das mãos, um dos olhos estava inchado e sua boca estava cortada e também sangrava.

— Me desculpe, senhora, eu...

— Calada! – O homem puxou o cabelo dela para trás.

O uniforme branco quase imaculado, não fosse pelos respingos de sangue, o cabelo penteado para trás, fios brancos misturados aos loiros e um sorriso maldoso nos lábios.

— Não cansou de apanhar?

Carmem colocou o menino Nicolai atras de si sem desviar os olhos de Clara.

— Solte minha funcionária, senhor, não temos nada para o senhor aqui.

Ele repuxou novamente os cabelos da moça que gritou de dor.

— Não foi bem isso que essa belezinha aqui me disse.

Clara olhou para Carmem com culpa nos olhos, ela sussurrava um 'me desculpe' mas certamente não era necessário. Algumas clientes que estavam na loja amontoaram-se próximo ao balcão junto a outra funcionária de nome Berenice. Todas estavam assustadas, com exceção de duas sereias que acompanham suas damas.

— Então, a senhora é tia da tal capitã do Alma Negra, certo?

Carmem olhou para Clara mais uma vez, ainda que ela estivesse passando por uma situação ruim, ela foi capaz de omitir algumas coisas.

— Responda de uma vez! – Ele jogou Clara para frente depois que vociferou para Carmem.

A garota correu para os braços da mulher e só fazia chorar e pedir desculpas.

— Não importa o que eu sou dessa Jane, eu não sei nada que possa ajudar o senhor sobre ela.

— Bem, - Ele e mais dois homens entraram ainda mais na loja. — Isso é o que vamos ver.

Os homens que vinham atras começaram a destruir a loja, jogaram tudo o que podiam no chão, pisotearam e mijaram por toda parte.

— Imagino, - Ele dizia enquanto andavam pelos tecidos no chão. — Que seja desta espelunca que tire seu sustento. Quero ver se a tal pirata vai te ajudar agora.

Algumas das clientes cochichavam entre si dizendo que não sabiam que Carmem tinha envolvimento com uma pirata, o que deu ainda mais coragem ao oficial.

— Eu, capitão Romeu, sou encarregado dessa missão. Podem falar de mim quando surgir a oportunidade, senhoras. – Ele disse sorrindo. — Fui informado pelos meus superiores que a capitã Jane do Alma Negra tem vínculos por estes lados e essa moça disse de boa vontade – Ele apontava Clara. — Que aqui mora a tia de Jane. Então, tia, não me esconda nada, onde está a maldita capitã?

— Já disse que não vai conseguir o que quer aqui. – Carmem manteve a postura firme, Clara e Nicolai estavam atras dela como filhotinhos e tremiam. O tapa foi ecoado pelo ar.

— Mais uma vez. – A palma da mão de Romeu estava tão vermelha quanto o rosto da mãe de Jane. — Responda, ou da próxima eu não serei tão bonzinho: Onde está a capitã?

— Já disse que ... – Antes dela responder o soco no estomago a vez voltar as palavras. Seus cabelos foram pegos assim como os de Clara e seus olhos encararam o rosto raivoso de Romeu.

— Eu não vou...

— E não vai mesmo. – Uma vez feminina bastante suave veio do provador.

Carmem lembrou-se da cliente que havia deixado nua e esquecida lá.

— Senhora!

Romeu olhou para a moça com apenas roupas de baixo e não a reconheceu.

— Evidente que um simples capitão como o senhor não deve saber quem eu sou. – Disse ela. — Por quanto tempo pretende ficar me olhando? Vamos, - Ela bateu palma. — Exijo que um desses palermas de seus homens pegue algo decente e limpo para que eu possa vestir. Já que vocês tiveram a audácia de destruir a maioria das coisas.

E como capitão Romeu continuou com a boca fechada a moça saiu completamente do provador. Seus cabelos castanhos encaracolados caindo sobre os ombros, a pele coberta por uma maquiagem fina e lábios rosados. Mesmo para quem fosse leigo poderia afirmar que tudo o que estava nela era fino e de grande elegância.

— Essa é a Duquesa Isabel de Alcantara, capitão. – Um dos soldados a reconheceu já que seu regime era daquela parte do Império. — É de uma das famílias mais nobres e ricas do Império Sul.

Romeu puxou o ar e ficou vermelho, ter a nobreza a seu favor sempre foi algo que ele prezou e não gostaria que uma nobre de prestigiada família tivesse algo a dizer ao seu desfavor.

— Façam logo o que ela disse!

E depois de alguns minutos a moça estava de volta e vestida. As duas sereias que estavam a mingua foram para próximo dela.

— Ela tem duas sereias! – Uma das moças cochichou para outra.

— O quão rica essas pessoas podem ser?

— Shh! Ela está olhando para cá!

Duquesa Isabel respirou fundo e aproximou-se de Romeu que ainda mantinha Carmem sob suas rédeas.

— Solte-a.

— O que?

— Está surdo ou tem alguma disfunção mental? – A voz da moça era tão doce que não condizia com aquelas palavras. — Mandei soltá-la. Ela é minha protegida e o senhor não tem o direito de leva-la daqui sem uma ordem por escrito para isso.

Romeu ficou vermelho de raiva. Queria dizer algumas coisas, mas o receio de ser levado perante ao juiz por desacato a uma duquesa foi maior. Ainda mais com tantas testemunhas.

— Ela é cumplice de uma pirata!

— Já disse que essa senhora é minha protegida e a não ser que o senhor queira resolver esses assunto com meu marido, o Duque, é melhor o senhor soltá-la agora.

Lidar com uma mulher da nobreza não era fácil, com seu marido ainda seria pior.

— Imagino o que meu amado marido irá dizer depois de saber que a esposa dele foi vista nessas condições.

— Senhor, - Aquele mesmo guarda tornou a cochichar. - Esta senhora tem duas sereias por uma boa razão. Não acredito que seja prudente desafia-la agora.

Romeu soltou devagar os cabelos de Carmem e a mulher foi para junto da duquesa.

— Saiam logo daqui.

Contra sua vontade, capitão Romeu e seus dois guardas foram embora. Ele parou ainda na soleira da porta e olhou para trás.

— Vai. – Duquesa Isabel abanou a mão quando o homem virou para olha-las. O constrangimento subindo em vermelho no rosto dele.

Com os homens deixando o lugar, Carmem pediu com a delicadeza que cabia ao momento para que os clientes deixassem a loja.

Clara foi levada para a parte de trás por Berenice, enquanto Isabel e Carmem conversavam.

— Eles não vão demorar a voltar. – Isabel ajeitava a própria roupa. — Vocês precisam sair daqui.

— Eu não sei o que dizer a senhora, nunca imaginei que algo assim pudesse acontecer.

— Pois deveria ter imaginado. A senhora sendo mãe de uma capitã pirata, devia prever que essas coisas aconteceriam.

— Então, a senhora sabe.

— Desde o início. Não frequento lugares sem antes pesquisar muito bem, também tenho meus contatos.

— E não se importa que minha filha seja uma pirata?

— Bem, não foram eles que nos atacaram hoje, foi?

— Minha filha é uma exceção. Não confie sempre em piratas.

A Duquesa Isabel tinha uma risada fofa e contida, normalmente sorria com um lenço sobre a boca, mas dessa vez usou a mão para cobrir os lábios. Dedos finos e longos, hábeis para tocar piano.

— Não acha que sou ingênua a esse ponto, não é? Não se preocupe comigo, não confio em qualquer pessoa. Mas por enquanto não é sobre isso que precisamos falar. Tem para onde ir? Como farão a partir de agora?

Carmem a olhava com boa vontade. Sempre foi uma cliente querida e agora nesse momento parecia ter em Isabel bem mais do que isso.

— Obrigada, mas já tenho como me arranjar.

— Certo, mas não me diga nada. Não irei mentir para meu marido quando ele souber o que houve e não quero dizer a ele onde vocês ficarão. Quando estiver bem, me mande uma carta.

A Duquesa e suas sereias saíram da loja e Carmem trancou a porta. Seu rosto e seu estomago doíam e ela sentia uma vontade imensa de chorar e vomitar.

— Ah, Clara! – Berenice dizia enquanto molhava um pano na água e passava sobre o corte na boca dela. — O que fizeram com você, minha amiga?

Carmem ficou um pouco sozinha no meio da loja, tantos tecidos no chão, o cheiro de urina impregnado. Passou a mão sobre os cabelos tentando ajeita-los da melhor forma fosse possível e foi para a parte detrás da loja onde as outras duas já estavam.

— Berenice, pode ir para casa. Não venha para a loja durante uns quinze dias. – Depois de uma pausa ela continuou. — Não diga mais nada a ninguém, quando puder ajeite as coisas por aqui.

A garota de pele alva teve o rosto tomado pelo vermelho.

— Mas senhora, eu preciso desse trabalho.

— Não se preocupe, há um envelope para você no balcão. – Carmem sabia que a moça sustentava a casa com o pai doente e um irmão pequeno. A mãe trabalhava em outro Império e era ela quem cuidava das despesas. — Assim que eu voltar, você poderá trabalhar aqui de novo.

— Eu volto a loja assim que puder e ajeito as coisas aqui. Se ficar assim muito tempo vamos perder a mercadoria. - Berenice abraçou as duas e lamentou não poder ajuda-las. Sorte sua Carmen ser uma mulher prevenida.

Voltando-se para Clara, a mãe de Jane segurou o rosto dela com amabilidade e encostou o pano molhado sobre seu machucado.

— O que aconteceu, querida?

A voz maternal acalmou os soluços da jovem e ela respirou fundo.

— Chegaram dois ou três navios brancos no porto. Eu estava na feira e ouvi quando começaram os burburinhos e em pouco tempo eles já estavam lá, reviravam as barracas e batiam em qualquer um que os questionasse. As únicas palavras deles eram "Alma Negra". – A garota precisou de um tempo para refazer-se. — A senhora sabe, e-eu jamais falaria sobre Jane, jamais senhora! Depois de tudo que fizeram por mim!

Carmem sabia.

— Ninguém queria dizer nada, Jane é muito querida, ela sempre nos ajudou. Quantas vezes ela impediu que meninas fossem estupradas ou que os meninos fossem levados como escravos? Ela foi boa para a gente. Ela não é como os outros piratas, senhora, e eu não queria, mas eles, eles... – E as palavras deram lugar a lágrimas.

Clara estava junto de Carmem desde que tinha doze anos quando perdeu sua mãe, pai e duas irmãs para a peste que assolou a costa no Império Norte, ela veio num navio de transporte junto a várias outras crianças para o Império Sul em busca de uma nova vida. Ela era uma garota doce e ingênua demais para a perversidade da vida, nenhum de seus parentes queriam ficar com ela e a pobrezinha vagava nas ruas pedindo comida. Jane era dois anos mais velha e a viu na feira comendo restos que caiam no chão, sendo chutada pelos feirantes e empurrada por outras crianças.

— O que vocês pensam que estão fazendo? – Jane tinha as mãos na cintura enquanto encarava um grupo de seis crianças com Clara no meio.

— Só estamos brincando, - Uma das meninas respondeu. – Ela é nosso cachorro e tem de fazer tudo que a gente mandar.

As outras crianças riram.

Jane a observava. Com certeza a menina não estava gostando da "brincadeira". Ela pegou em sua mão.

— Menina, cadê sua mãe?

E Clara começou a chorar aos gritos num desabafo desesperado. As duas apanharam das outras crianças que não queriam perder a diversão já que Jane a estava levando embora, Jane não largou sua mão até que chegaram em casa e Carmen concordou em ficar com a menina. Moraram juntas durante muitos anos até que Clara enamorou-se de um rapaz e casou-se com ele. Teve pouca sorte, ele foi morto em alto mar num navio de pesca e ela passou a cuidar da casa sozinha. Sentia-se feliz, contudo, pois continuava a trabalhar e frequentar a casa de Carmen e Jane. Na época em que seu marido falecera, George já havia saído de casa.

— Vamos para minha casa e lá pensamos no que podemos fazer. – Disse Clara já mais calma e com o nariz vermelho. — Mas por agora, o melhor é sairmos daqui.

Carmem sentiu-se agradecida. E num estalo, Carmem se lembrou dele.

— Oh, meu Deus, George!

Talvez não fosse tarde demais, Carmen mandou que um dos moleques chamasse George, o menino correu o máximo que pode e ao voltar sozinho deu as notícias a mãe de Jane.

— Pegaram ele!

Carmen não chorou. Tomou Clara pela mão e saíram da loja o mais rápido que puderam. Logo iriam juntar-se a George se ficassem ali e seria ainda mais doloroso para Jane.

Nas ruas de Vila do Porto o movimento estava acalorado. Os soldados da marinha estavam por toda parte, andando estre as pessoas como sombras e encurralando outras em becos escuros procurando informações. Eles não eram nada discretos. O Comandante Romeu, estava enfurecido. Sabia que a capitã do maldito navio pirata tinha família naquela vila e vociferava para entrega-la logo, antes que ele enforcasse cada um naquele lugar. O pedido para encarcerar Carmem não demoraria a chegar, mas ele não iria esperar mais. Suas ordens para os soldados eram: arranquem as informações necessárias custe o que custar. Capitão Romeu, como fazia questão de ser chamado, não era ninguém importante na marinha e achou que esta missão podia fazer subir o prestigio.

— Senhor, – Um dos oficiais trazia pelos cabelos uma moça com decote avantajado. — Essa meretriz sabe de alguma coisa.

Ele mostrou um sorriso escancarado.

— Muito bem, mocinha, trate de abrir essa boca. – Romeu aproximou-se dela e pondo as mãos na cintura encarava-a. — Fale tudinho o que sabe, hoje o dia não está bom, então não me tente. – Ele desceu os olhos até a próximo a intimidade da moça. — Se não falar por bem, vai falar por mal.

Ficou sabendo que Carmem não era tia de Jane e sim mãe e isso fez suas narinas cuspirem fogo. Se ele soubesse disso antes, não importa quem, ele teria levado a mulher.

— Parece que ela tem bastante afinidades por aqui, vamos ver quanto esse pessoal aguenta antes de falar o que precisamos saber.

Os homens encontraram a casa de Clara, já que a moça havia dito a eles realmente tudo o que sabia, no entanto a casa estava vazia. Ao se reorganizarem para ir atras de Carmem, capitão Romeu teve a notícia de que outro navio branco atracara no porto com a mesma missão que ele. Achou prudente não compartilhar das informações com o amigo de causa, afinal, a glória da captura só poderia ser de um capitão.

As pessoas da Vila não se assustaram quando suas casas foram revistadas e bagunçadas pelos marinheiros, era típico de alguns serem tão desordeiros quanto os próprios piratas.

— Senhor, – Um dos seus trouxera informações. — Há pegadas frescas de cavalos pela trilha rumo a floresta.

Enquanto os moradores próximos viam os marinheiros adentrarem em meio as grandes árvores, em uma das casas bem longe dali um menino de cabelo curto e fenda nos olhos entrava pela porta, um pouco arisco, ele mostrou o rosto esbofeteado para a mãe num sorriso felino. Ele tinha maldição dos olhos de gato.

— Quem fez isso? – A mãe dizia segurando com delicadeza o rosto pequeno dele. As unhas curtas do menino seguram-lhe o pulso com força moderada. Ela estava acostumada com a agressividade dele.

— Uns garotos na Vila. – Ele dizia entre os dentes, os olhos amarelos exibiam sua raiva. Por ter a Maldição do Gato muitas vezes ele sofria traquinagens na rua. Quase sempre chegava com roxos pelo corpo.

A mãe abraçou-lhe com cuidado, ele levou a boca até os pulsos dela levemente marcados por pequenos dentinhos, passou a língua ali e depois deu alguns beijinhos na bochecha dela. A casa estava revirada, os homens de Romeu haviam passado por ali também.

— Você já pode sair. – Ela disse em voz alta para as paredes da casa, um sorriso no rosto.

A casa era simples, feita de madeira, sem muitos móveis e nenhum luxo como a maioria das dali. Ao canto da sala, havia um baú, de madeira maciça e muito pesado. Na parede, um grande tapete puído e detrás dele, um buraco de pouca fundura que serviu para abrigar Clara. As duas mulheres mais o menino juntaram forças e arrastaram o baú, revelando um buraco de onde puxaram Carmen. O menino pulou nos braços da senhora e afagou o nariz em seus cabelos.

— Muito Obrigada Rosália. – Carmen passava a mão nos cabelos do garotinho. — E você também Lucas.

— Os esconderijos para as provisões de Jane serviram bem para a senhora. – Rosália sorriu.

— Eu também ajudei a despistar aqueles velhos! – Lucas disse agarrado a Carmem. — Eu falei pra eles um monte de caminho errado. Trouxas!

— Não vamos demorar, senhora, precisar ir. – Clara tinha alguns curativos feitos e ia pegando as sacolas com o que haviam juntado.

— Mando noticias assim que puder. – E abraçou Rosália.

— Eu vou proteger a Vila. – Lucas sorria, mas tinha lágrimas nas pontas dos olhos.

— Como sempre. – Ela abraçou o menino e logo encontrou com Clara na porta.

— Espero vê-los em breve. – E fechou a porta atras de si.

E quando capitão Romeu voltou da mata no outro dia pela manhã, todo picado por mosquitos e suando feito um porco, Clara e Carmen já estavam em um navio rumo ao Império Oeste.

Três dias depois já a tarde em porto da Vila, os homens terminavam de carregar o navio, sacos nas costas e pés cansados. Alguém vinha em na direção do capitão Romeu enquanto ele passava o lenço branco na testa limpando o suor. A prancha que ligava o porto ao seu navio chacoalhava com o passar dos marinheiros.

— Parece que alguém não teve um bom dia. – Dizia o capitão do outro navio branco.

— Capitão Henrique. – Romeu o cumprimentou com um aperto de mãos. As bolotas inchadas das picadas de mosquito coçavam em seu rosto e pescoço.

— Capitão Romeu. – Ele sorri. — Quando me disseram que o senhor estaria por aqui fiquei mais tranquilo. Sabia que logo solucionaria o caso. Mas acho que fui precipitado.

Romeu enlanguesceu os lábios num sorriso.

— Meu caro amigo, – Tocou-lhe o ombro observando a própria mão em carne viva pela coceira. — Não posso dizer que esteja errado. Contudo, tive mais vitórias do que derrotas.

— Ora, é mesmo? E posso saber o motivo?

Então Romeu fez questão de leva-lo até seu navio e mostrar o velho homem de olhos arregalados e mordaça na boca numa das celas.

— Este aqui, é o pai da capitã do Alma Negra.

George em sua cela grunhia em direção a eles, queria dizer para deixarem sua filha em paz, que parassem de perseguir a garota mais doce e mais bondosa que ele já vira em sua vida, mas o maldito pano fétido amordaçando sua boca impedia suas palavras.

— E o que pensa em fazer com ele? – Henrique questionou tapando as narinas com um lenço que tirou do bolso.

— Vou leva-lo até o Leste, como fora ordem da Imperatriz Priyanka, a marinha Imperial com sede lá vai mantê-lo em sua prisão até que a tal capitã filha dele resolva aparecer e acertar as contas.

E como George avançou contra as grades exalando um odor desagradável, os dois subiram as escadas em direção ao convés. Os homens de Romeu estavam com quase tudo organizado, enquanto o navio de Henrique demoraria ainda algum tempo para zarpar.

— Bom, deixarei que termine suas atividades em paz. – E apertando novamente a mão do capitão, Henrique partiu a encontrar seu contramestre que o observava do chão.

Romeu coçava seu pescoço enquanto via seu bom oponente sorrir em direção ao rapaz lá embaixo. Deixou de lado a curiosidade, afinal, ele tinha o pai de Jane. O que mais Henrique poderia ter de valor?

Já era quase crepúsculo quando a casa de Rosália foi invadida novamente. No entanto, a mulher e a criança estranharam a cordialidade com que foram tratados. Seus moveis não foram revirados, os marinheiros apesar de serem sérios em sua tarefa tinham modos educados e nem ela nem a criança levaram bofetadas, pelo contrário, o rapaz responsável era tão gentil que a mulher poderia oferecer-lhe uma xícara de chá e convida-lo para conversarem sobre o clima daquela tarde.

O rapaz não pareceu pouco à vontade como se fizesse sempre o trabalho de inspecionar casas, pediu a senhora um copo com água e logo o garoto levou até ele, se fosse um marinheiro mais malvado certeza que o menino cuspiria na água, mas como este lhes tratava com o mínimo de dignidade ele resolvera retribuir mantendo a água dele limpa. O rapaz de uniforme branco afagou os cabelos do menino e agradeceu, ele bebericava o liquido olhando em volta os detalhes da casa e elogiava os desenhos pregados na parede, em sua maioria era o pequeno com a mãe e vários gatos. Um dos desenhos estava quase escondido por trás de outros, no entanto chamou-lhe bastante atenção, era um navio com uma mulher de espada na mão e uma carranca de sereia com três cabeças.

— Senhora, – Dizia o contramestre. — Vim a mando de meu capitão, como deve saber. – Estavam sentados nas cadeiras de madeira na sala da casa dela. O contramestre fez um sinal e os outros marinheiros saíram da casa, deixando-os a sós. O copo foi posto sobre a mesa, ele agradeceu e logo disse. – Mas devo dizer que meu motivo aqui é maior do que minha missão como Marinheiro Imperial.

Rosália mantinha a expressão fechada.

— Senhora, – Ele continuava, tinha a voz doce aveludada que transparecia sinceridade. Exalava um perfume gostoso e tinha os cabelos castanhos bem cortados e penteados. A barba bem feita e um sorriso branco.

— Sou amigo de Jane. – Ao ouvir o nome da bem feitora uma ruga se formou na testa de Rosália. — Já estive na casa de Carmen muitas vezes com Jane, Simon e Victhor. Sei que a senhora fornece suprimentos ao Alma Negra, eu mesmo já vim até sua casa para busca-los. – Ele levantou-se da cadeira devagar, caminhou até o velho tapete e o colocou de lado. — Aqui, - Apontou para o grande baú. — E aqui. Sei que o pai de Jane, George vivia em uma cabana na praia e sei o porquê dele ficar longe da família. Eu mesmo já tirei as mãos dele de cima de Carmem algumas vezes.

Rosália não sabia o que pensar. De fato, o rosto dele não parecia estranho, aqueles olhos verdes não demonstravam maldade. Talvez ele tivesse boas intenções realmente.

— O que você quer de nós?

Ele sorriu ao ver a carranca da mulher aliviar um pouco a tensão.

— Preciso saber onde ela está, onde está Carmem e Clara? Se disser a mim onde elas estão, farei o que for preciso para manter o Garça Branca longe. Eles não descansarão até encontrarem a Jane e farão qualquer coisa para atraí-la. – A ênfase em "qualquer coisa" fez o coração de Rosália acelerar. Lucas sentiu o aperto mais forte da mãe e como se lesse o clima, aquietou-se sentando no chão e deitando a cabeça em seu colo. — Eu prometo, – Ele tocou a mão direita no próprio peito. — que não deixarei que toquem em um só fio dos cabelos de Carmem.

Rosália ponderou sobre aquelas palavras. Observou o anoitecer aproximar-se e o vento úmido entrar pelas janelas. Engoliu a seco fitando o chão. Pensou nas possibilidades, pensou em Carmem fugindo de todos aqueles navios brancos, e de repente se um deles realmente pudesse ajudar? E se este rapaz a sua frente fosse alguém de confiança que pudesse livrar Carmem e Clara, até mesmo Jane de serem levadas à forca? Afinal, ele sabia tanto sobre o Alma Negra...

A lua já estava alta no céu quando o contramestre se encontrou com Capitão Henrique. O rapaz de olhar confiante adentrou o quarto do capitão na estalagem, encontrou-o deitado sobre a cama com um cachimbo na boca, a fumaça anuviava o cômodo. A lamparina por cima da cômoda iluminava fraco, a bacia com água fria e o jarro de água para beber foram usadas a pouco. O capitão observou enquanto ele sentava-se na cadeira ao lado da cama e tirava as botas. Deu espaço e o contramestre deitou ao seu lado. A cama era pequena como toda cama de solteiro, os dois corpos estavam muito próximos e os dois eram muito acostumados com tanta intimidade.

— Elas foram para o Oeste, – Disse. – Um tio de Carmem prometeu abrigo e segurança a ela. Já devem estar bem longe uma hora dessas, mas devemos alcança-los antes de aportarem.

Capitão Henrique tirou o cachimbo da boca, passou o braço por detrás da cabeça do outro deixando que ele fizesse seu braço de travesseiro e beijou sua testa.

— Mamãe ficaria orgulhosa do homem que se tornou, Eric.

Aninhado no peito do capitão, sentiu o amargor de um certo reencontro.

— Ele vai me odiar ainda mais depois disso.

— Ele já te odeia o suficiente.

— Você acha que um dia Victhor irá me perdoar, irmão?

A fumaça do cachimbo subiu alto e Capitão Henrique o pôs de lado na boca.

— Acho que ele seria um tolo se perdoasse. – Afagou os cabelos de Eric passando os fios finos por entre os dedos.

Eric pensou por um instante olhando o teto branco por cima de suas cabeças.

— É, você tem razão.

O cachimbo foi posto de lado no móvel de madeira próximo a cama enquanto Henrique chegava o corpo do irmão mais para perto. Os dois ficaram assim por horas até pegarem no sono.

Logo que amanheceu, o Garça Branca rumou para o Império Oeste.

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