Capítulo 24 - Assim eram as reuniões.
No Império Central a noite estava muito animada. Haviam dançarinos, cuspidores de fogo, malabaristas e muita comida boa com iguarias de todos os Impérios. A mesa composta pelos Imperadores ficava no centro de tudo e todos alegravam-se com a festividade recebendo presentes das casas Importantes e cumprimentando um ou outro chefe que passava por eles. O lugar em que estavam tinha visão privilegiada e eles podiam conferir tudo o que se passava na festa. Especialmente Priyanka, observava os muitos nobres desfilando com suas sereias cobertas de ouro e joias e ela imaginava o dia em que elas poderiam caminhar por conta própria. Uma das sereias, ainda criança, lembrava demais sua Priya e a saudade apertava, ver a menina sendo levada para todos os lados por uma corrente fina de ouro fazia-a pensar em como seria a vida de Priya se ela não a tivesse consigo, será que ela também vestiria tecidos transparentes e andaria de cabeça baixa por aí? Priyanka não gostava de pensar nessa ideia. Embora aquela pequena sereia tivesse muito em comum com Priya, elas não pertenciam ao mesmo mundo.
— Muito em comum... – Priyanka sussurrou para si. Ver aquela sereia sorrir quando mandavam, comer quando mandavam e ajoelhar como mandavam, todas aquelas ações eram definitivamente iguais ao modo como sua filha agia, mas não deveria ser, uma vez que aquela sereia ali havia sido levada até as Ilha das Bruxas e Priya jamais havia tocado com os pés aquele lugar miserável.
A sereiazinha sorria, mas tinha os olhos vazios como se fosse apenas uma casca vazia, sem alma ou qualquer outra coisa em que quisessem acreditar.
Ali, naquela festa cheia de pessoas poderosas, era fácil perceber a posição das sereias, sendo puxadas por coleiras em finas correntes de ouro, com adornos pesados sobre suas cabeças, cabelos longos trançados com tecidos caríssimos, bocas caladas, olhos vazios e sempre os pés descansos.
Em contrapartida com Priyanka, Aurora sorria satisfeita, seu vestido verde chamava atenção com um decote mostrando todo colo e um grande colar de ouro e rubi.
— Isso sim parece com uma festa. – Em sua taça não faltava vinho.
Seu sorriso era lindo e sua voz cativante, Priyanka estava satisfeita por estar ao lado dela e não ao lado de Florence ou Hathor.
— Sempre comemoramos o aniversário da falecida esposa do Imperador. Ele faz questão de manter a alegria dela presente entre nós.
Priyanka não ficava atras em beleza, seu sari dourado com faixas vermelhas chamava atenção pela delicadeza dos detalhes, suas pulseiras de ouro eram tantas e a trança espinha de peixe com adornos dourados combinava com a ocasião especial. Era mais parecida com uma princesa dos contos que uma imperatriz.
— Alias, - Continuou Priyanka. - Agradeço pela voz potente durante a reunião hoje mais cedo.
Aurora riu alto.
— Não há de quê. - Ela bebericava do vinho e passeava a língua nos lábios fitando alguém mais à frente. — Esses imperadores tão finos e elegantes não sabem ter educação quando uma mulher está falando. Estranho, não é? Tanta educação e pompa não servem para porra nenhuma quando têm suas opiniões contrariadas. São como burros velhos e empacados.
Priyanka que levava bebida a boca quase engasgou-se. Cobriu a boca com um guardanapo de tecido branco e conteve a vontade que teve de rir e concordar.
— Se fosse em Sunacai, eles teriam a língua cortada por falar com tanta arrogância com uma mulher.
Priyanka olhou um pouco assustada para Aurora, não saberia dizer se ela dizia aquilo literalmente ou apenas como força de expressão. Mas sendo um ou outro, Aurora seria capaz de cortar línguas, Priyanka não duvidava e também seria capaz de fazer qualquer homem ter vontade de se calar, a aura que a Imperatriz Aurora exalava era de poder e confiança.
A Primeira Conselheira Priscila, Capitão Bragança e Capitão Mitchel estavam juntos a outros nobres numa mesa próxima e observavam as duas conversando animadamente.
— Parece que a imperatriz do Leste fez mais uma aliada. - Foi Capitão Bragança quem interrompeu o silêncio.
— Parece que sim. - Priscilla sabia que ele se referia a ela como outra aliada e não ligava a mínima. — A Imperatriz tem bons argumentos, vale a sensatez de cada um para aderi-los ou não.
— O que achou do discurso da Imperatriz, Primeira Conselheira? - Capitão Mitchell, que estava ao lado de Bragança olhava para ela com desinteresse, mas Priscilla sabia que se ele havia perguntado, era porque tinha algo a dizer a respeito.
— Todos sabem do posicionamento de Priyanka há muito tempo. Fazem pelo menos dez anos que ela vem incessantemente levando o assunto sobre os direitos e a subjugação das sereias a cúpula. Não entendo por que tanto alarde agora que ela resolveu ser mais impositiva.
Priscilla não gostou do som de deboche que Mitchel fez ao sorrir, suas pupilas em forma de fenda sempre entregavam sua personalidade.
— Queria saber se ela não tivesse aquela... filha, se ela pensaria da mesma forma...
— Talvez não pensasse. - Priscilla o interrompeu. - E qual a diferença? Deixar que as pessoas nos mudem e nos transformem é o que faz de nós melhores.
— Palavras de efeito muito bonitas quando estudamos em filosofia, mas a realidade em que vivemos não é essa.
— Isso é porque o senhor não sabe o que é empatia, já que passa a vida inteira no mar açoitando e matando piratas por gosto.
— O que? - Ele fez uma pausa analisando o rosto felino que o encarava como uma presa. - Está com pena dos piratas agora? Será que na próxima reunião da cúpula você e sua amiga irão se opor à justiça da Marinha?
E para o desgosto do capitão, Priscilla apenas sorriu como se aquela fosse uma boa ideia.
A noite seguia animada, claro que falavam sobre as reuniões, sobre os contratos fechados, afinal não deixavam de ser os líderes de seu povo, mas aproveitavam e se divertiam.
Com a festa ainda no auge das comemorações, o Capitão Mitchel resolvera que era hora de se retirar, despediu-se da mesa, dos Imperadores e Imperatrizes e caminhava para seu quarto. Havia bebido pouco, apenas o suficiente para seguir a etiqueta e seu corpo pesava pelo cansaço. No caminho passou por uma das bestas de Aurora que o encarava como se ele fosse um pedaço de carne suculenta, dobrou o corredor e a outra besta estava a porta de seu quarto.
Ele encarou o animal como se a fera pudesse respondê-lo e dizer o que estava fazendo ali. Sem tirar os olhos daquela cara enorme, tocou a maçaneta e virou-a abrindo a porta devagar, sem ranger. Ele entrou e sentiu um cheiro doce apimentado, as cortinas balançavam, mas Mitchell tinha certeza que havia trancado as portas da varanda quando saiu.
— Você demorou. - Os olhos de Aurora eram tão mortais quanto de suas bestas, o Capitão poderia sentir-se intimidado caso já não houvesse lidado com feras antes.
— O que faz aqui? - Ele aproximava-se devagar, havia pouca luz no quarto e a noite a encobria. — Não creio que tenha errado de quarto.
Ela sorriu e aproximou-se dele um pouco mais. As duas bestas entraram no quarto e deitaram próximas a porta. Não que ele estivesse pensando em sair, mas seria inviável qualquer pessoa tentar entrar.
— Tem algo que eu gostaria de lhe perguntar, Capitão. - A taça balançava o liquido vermelho dentro do copo à medida que ela se aproximava dele. — Todas aquelas histórias a seu respeito, são mesmo verdade?
O capitão enrijeceu, não por ela ter parado tão próximo a ele, mas ao mesmo tempo por este motivo.
— Há alguns exageros, mas na maioria das vezes as histórias são verdades sim. – Ele ficou em estado de alerta. — Por acaso conhecia alguém que passou por minhas mãos? Está aqui para se vingar?
Aurora sorriu tão maliciosamente que fez o capitão franzir as sobrancelhas. Ela pôs a taça sobre um móvel e debruçou as mãos nos ombros dele, passou uma delas por sua nuca e o encarou bem de perto.
— Acha que estou aqui por este motivo?
— Não seria a primeira vez.
— Entendo. – Ela beijou o rosto dele devagar. — Mas eu não faria dessa forma.
Mitchell resolveu que aquele não seria o melhor momento para perguntar de quais outras formas ela estaria falando. Suas mãos tocaram a cintura de Aurora e de alguma forma conseguiu trazer o corpo dela mais junto ao seu. Ela ainda o encarava e ele aproximou seus lábios do dela sem fechar os olhos. Aurora passou sua língua nos lábios dele antes dele a beijar. Ela deixou que as alças dos vestido fossem tiradas por ele e caíssem sobre o chão. Seu corpo tinha formas perfeitas e grandes cicatrizes, abaixo dos seios que seguiam até abaixo do umbigo, Mitchel não desviou o olhar delas.
— O que foi? Está assustado?
Ele as tocou com as pontas dos dedos e Aurora contraiu o abdômen.
— Isso não me assusta. - Mitchel sorriu, como fazia tempo que não sorria. — É o contrário disso. – Ele tocou o chão com os joelhos e beijou o caminho daquelas marcas em sua pele.
Aurora jogou a cabeça um tanto para trás com a ousadia de Mitchell e um arfar saiu de seus lábios. O capitão foi incentivado a continuar, teve seus cabelos tocados pelas mãos de Aurora que os segurava com firmeza e da boca dela saiam sons gostosos de ouvir.
— Não pare... – Ela disse, mas não seria preciso, já que ele não tinha mesmo essa intenção.
Quando os lábios deles voltaram a se encontrar, Aurora arfava e suas pernas tinham um pouco menos de força. Ela segurou Mitchell pela roupa e o atirou sob a cama. Entre beijos e mãos pelo corpo, não demorou mais que um minuto para que todo o uniforme dele estivesse estirado pelo chão.
— Você está uma bagunça. – Aurora disse de cima dele. E estava mesmo. Ela apoiou os joelhos sob a cama, deixando os quadris na altura certa e Mitchell segurou-a pela cintura.
— A verdadeira festa vai começar agora. – Ela sorriu quando um som alto saiu da boca dele.
Quando a reunião da cúpula começou pela manhã, o Capitão da Marinha e a Imperatriz de Sunacai mandaram avisar que estavam indispostos e só apareceram para a parte da tarde.
— Espero que não esteja adoecido, Capitão Mitchell. - Era o Capitão Bragança ao seu lado.
Ele não respondeu, não devia satisfações à Bragança e tampouco eram próximos para manter alguma conversa amigável, o arder nas costas o lembrava bem o motivo da "indisposição" quando se encostou na cadeira. Olhou para Aurora e viu que ela sorria.
A Primeira Conselheira deu continuidade a reunião partindo a pauta de onde havia parado.
— Não posso pagar mais impostos do que já pago. – Disse Florence.
— A senhora exportou dezoito sereias em idade adolescente esse mês, o imposto à Ordem Central deve ser paga de acordo, foi um contrato assinado, Imperatriz.
— Dezoito? – Ela assustou-se. — Foram apenas dez.
— Dez em navio oficial, mas de acordo com as notas do Capitão Mitchell um navio com o selo do norte transportava sereias em direção as ilhas do Oceano Uno. Dessa forma, mesmo que não tenha sido legalmente registrado, a senhora deve pagar os impostos.
Florence não tinha como contestar algo vindo do capitão da Marinha Imperial, mas não podia deixar em aberto a opção de que estava fazendo algo por baixo dos panos daquela forma escrachada na frente de todos.
— Vou pedir para investigarem minhas reprodutoras, até lá peço que o Conselho e a Ordem aguardem a apuração dos fatos.
Ou ela sairia como incompetente por não saber sobre o que acontecia em seu Império ou sairia como mentirosa que não cumpre a lei. De qualquer um dos lados que estivesse, o imposto deveria ser pago.
— Continuando, o imposto recebido do Sul será usado para reparar nove navios da Marinha Imperial que foram bombardeados por piratas nos últimos meses.
— Absurdo! – Gritou Estevão. — Esse imposto deveria voltar ao meu próprio Império! Quantas vezes devo repetir que não há fundos para manter o exército de lá e nem mesmo o povo? Estão esperando que todos morram de fome para fazer algo a respeito?
— As orientações da Ordem Imperial foram claras, se não houver meios para deter os piratas no mar, não há como impedir que eles invadam os outros Impérios.
— Essa divisão está muito errada. Toda reunião é a mesma coisa, vemos nossos impostos indo de um lado para o outro e nada vem para nós.
— Repassarei a sua insatisfação para a Ordem, Imperador. – Ela olhou para um dos membros do conselho que era responsável pela ata e ele entendeu o recado.
Estevão cerrou os dentes, aquela resposta significava que a Ordem não faria nada para mudar a repartição dos Impostos e teria o nariz virado para ele mais uma vez. Provavelmente seus empréstimos seriam negados e sorte sua seria se eles não cortassem o recebimento de carne bovina fornecida pelo Sul, o pagamento desse carregamento era alto, já que recebiam os melhores cortes.
Durante toda a tarde contratos foram assinados, mais acordos foram fechados e recados foram enviados. Assim seriam suas semanas enquanto estivessem a disposição da Ordem e da Cúpula Imperial, discussões, reuniões e festas aguardavam os líderes dos Impérios. Zahra fazia questão de manter as agendas sempre lotadas e em qualquer tempo livre haveria visitas importantes de pessoas de alto cargo ou idas a museus ou exposições de cunho cultural sobre escavações ou qualquer coisa que fosse preencher o tempo. De modo algum os visitantes do Império Central sairiam de lá entediados, cansados e sobrecarregados sim, mas entediados jamais.
Quando o mês estivesse prestes a acabar estaria chegando a hora dos Imperadores e Imperatrizes voltarem as suas casas.
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