Capítulo 16 - Acordo entre piratas
Navegando pelo mar aberto era possível encontrar algumas das chamadas Ilhas Flutuantes. Em sua maioria, eram ilhas comerciais, pontos de trocas entre marinheiros, navios particulares e, claro, piratas. Ali os vínculos eram entre aqueles que recebiam as informações para os saques e os que vendiam as mercadorias saqueadas. Os chefes das Ilhas Flutuantes também faziam negócios lícitos, não era tão raro um navio cargueiro parar ali e deixar algumas mercadorias para serem vendidas aos navegantes, sendo assim, apesar de não ter nenhum título nobre, os chefes eram pessoas importantes para a economia girar. Nas Ilhas Flutuantes as regras deviam ser seguidas e os comerciantes dali buscavam respeitar para não serem jogados ao mar.
As ilhas eram feitas de madeira, barris e ferro fundido, com ganchos para que os navios pudessem atracar e descarregar a carga e pontes para uma travessia segura. Com torres de vigia nas pontas, e com o pessoal bem armado numa espécie de Forte sob o mar, todo tipo de pessoa era bem vinda desde que pudessem pagar a entrada.
Ali era frequentemente a parada dos Homens Livres, que vinham por alguma informação para seus serviços e faziam do lugar um antro perigoso. Nunca se sabia se um deles estava ali para descansar, comprar, trocar ou cumprir algum trabalho. Da última vez que se teve notícia, um desses contratado por Madame Falcão, assassinou um dos comerciantes por não honrar com suas dívidas. A mulher não tolerava que a devessem, era sabido.
As mercadorias das Ilhas Flutuantes eram das mais diversas, haviam explosivos - para quem pudesse pagar o preço, rapieiras roubadas, pistolas, pólvora, pedaços de bestas marinhas para alguns com gostos exóticos, partes de sereias como cabelos e unhas para misturas de longevidade e remédios, e para encobrir tudo isso que não podia ser legalmente vendido, também possuíam alguns grãos, sementes, rum, muitos peixes e algumas ferramentas para consertar navios. Claro que todos, inclusive a Marinha Imperial, sabiam daquele comércio impróprio, mas a troca de informações e favores faziam o mercado ilegal ainda prosperar e ter alguma segurança.
Agora, mais habitualmente, os navios brancos vinham parando nas Ilhas Flutuantes e faziam perguntas estranhas sobre donos de sereias e sobre a Ilha das Bruxas. O curioso, eram sobre os traços específicos que eles procuravam e que ninguém havia visto. Os comerciantes ficavam agitados pois a marinha oferecia um preço alto caso alguém tivesse informações do paradeiro dessa sereia de cabelos negros jamais vista e, apesar da insistência para com as outras sereias que podiam conseguir, os marinheiros sempre perguntavam sobre a mesma sereia. A troca de informações entre as ilhas sempre iam e vinham com essas mesmas perguntas. Alguns navios já haviam saído em campanha para encontrar a tal sereia, mas apesar dos capitães serem habilidosos, nenhuma sereia de cabelos negros fora avistada.
Benjair e Markus estavam na amurada de uma das Ilhas Flutuantes próximo ao Império Sul, eles observavam alguns navios atracarem e outros pedirem permissão e pagando a entrada. Os dois estavam satisfeitos, o chamado que fizeram tivera resultado e um bando de piratas se reuniam ali. Benjair prometera uma campanha lucrativa depois do que ocorrera na Ilha Liberdade - o vexame de terem roubado o sereia bem debaixo do nariz dele, a promessa para recuperar a reputação do homem, valia muitas moedas de ouro. Markus havia antes praguejado contra Benjair, dizendo não ser seu problema, que não iria perder tempo e que ele se virasse e arrumasse o dinheiro que o sereia valia e pagasse sua parte. Mas Benjair conseguiu convencê-lo ao mencionar a captura da mulher que tinha roubado o sereia e Markus estava interessado no que dizia respeito a ela. Quando, finalmente os piratas estavam reunidos, um dos comerciantes abriu uma porta atrás de sua loja e eles se encontraram lá, tomaram litros de cerveja contando suas façanhas pelo mar, todos eram incentivados por Markus a falarem e a beberem cada vez mais, fazendo com que todos o vissem como amigo e bem humorado. Mas claro que era apenas aparência e todos ali conheciam bem a fama de Markus e jogavam seu jogo aproveitando para se embriagar.
Certa hora, já ansioso pela conversa, Benjair reuniu o grupo. Dentre os homens ele reconheceu pelo menos cinco capitães de navios piratas famosos, um numeroso grupo de homens perversos estaria ao seu lado.
— Nós chamamos todos aqui, - Ele apontava para si e para Markus que continuava bebendo. — Porque temos algo especial para vocês. Como vocês devem ter ouvido falar, nós fomos roubados na Ilha. - Markus fez uma interferência e afirmou que apenas Benjair houvera sido, já que ele havia entregue a mercadoria e todos sabiam muito bem que dele não se roubava nada. E fazendo um sinal com o copo, permitiu a Benjair - com cara feia, que continuasse. — Que seja... - Ele pigarreou e continuou sua fala com ênfase e drama exagerados. - Um roubo na Ilha não deve ser tolerado! Nós temos regras, somos piratas e temos nosso orgulho, não podemos permitir esse tipo de coisa aconteça debaixo do nosso teto! Da mesma forma que se rouba de um, se rouba de todos. E o roubo, como todos sabem, deve ser punido e a regra é a morte. Onde fica o respeito? Somos praticamente uma irmandade! Não! Isso não pode ficar assim, meus amigos! Temos que fazer algo, daqui a pouco vão dizer por ai que estamos frouxos! - Todos concordavam, levando seus copos e gritando afirmações. — E é por isso que chamamos vocês aqui. Para nos ajudar a pegar a biscate que cometeu esse insulto a nós piratas! Vamos enforca-la em plena Ilha e mostrar a todos que ainda somos temíveis e que com a nossa gente não se brinca!
Benjair, satisfeito com a animação dos homens ao seu redor, tomou uma caneca de cerveja.
— Cada um de nós conhecia alguém que morreu naquele dia, - Benjair abaixou o tom de voz como se realmente se importasse. — Ainda me lembro dos gritos e dos corpos pegando fogo. – Todos fizeram silêncio, apenas Markus continuou bebendo de seu copo. — Por isso, cavalheiros, devemos unir nossas forças para recuperar o que é nosso! O respeito e a dignidade devem andar ao lado de um homem!
Assim, como parecia que os homens esperavam mais alguma coisa, Benjair completou.
— E claro que seremos recompensados pelo trabalho duro! – Ele riu exibindo os dentes. — Podemos falar de valores mais tarde, agora já que todos estão de acordo, vamos beber! - E juntou-se a eles na bebedeira. Riam, debochavam, gargalhavam e por fim, o assunto principal ia sendo deixado de lado. Markus que tinha mais o que fazer, começou a ficar irritadiço e levantando uma caneca cheia de cerveja amarga gritou há quem estivesse disposto a escutar:
— A recompensa, senhores. - Seu sorriso era largo. - Será paga em belas moedas de ouro. Direto na mão daquele que trouxer o sereia e a mulher primeiro até nós. Não se esqueçam!
Urras, salves e brindes foram seguidas das palavras dele, gargalhadas altas e falação. Benjair era um homem de negócios, mas era difícil de pagar e sua fama de enrolação era algo que o precedia, mas já que Markus estava na jogada todos concordavam que o pagamento seria feito.
— Pode ficar tranquilo Sr. Markus. - Um dos piratas com um tapa olhos gritou lá do fundo. — Vamos trazer o sereia e a cabeça da vadia até o senhor!
Markus com o semblante pouco mais sério fez questão de mencionar que ficaria encarregado da mulher, deveriam trazê-la viva.
— Ah, a gente entende bem. - O mesmo pirata do tapa olhos continuou. - Também queremos nos divertir com ela viva, com um corpo frio não tem muita graça.
Os outros piratas acompanharam com a risada alta enquanto ele fazia movimentos obscenos com a língua e os quadris.
— Vamos brincar com ela um pouquinho! – Outro homem segurou as bolas e as exibia aos outros.
— Vão ser dias inesquecíveis pra ela e o sereia, a tripulação vai adorar as companhias bordo!
Todos riram, mas Markus não o fez, sua expressão havia azedado. Ele deu uma golada na bebida e estilhaçou o copo na parede.
— Não toquem na mulher! - Todos olharam assustados. — Eu a quero viva, inteira e intocada! Deu pra entender? Ou alguém tem que morrer pra isso?
Ele ameaçou pegar a pistola na cintura, mas Benjair segurou sua mão e fez algumas piadas sobre Markus ser ciumento com suas propriedades. Markus não demorou nada a soltar da mão daquele homem e esfregou a própria mão com um lenço. O clima havia ficado pesado, olhos arregalados e ninguém mais colocava a caneca de cerveja na boca, o velho começou a rir alto e dizer que Markus estava muito determinado a usar a mulher como exemplo em suas fazendas, já que ele quem houvera levado ela até a ilha e todo o resto. O piratas riram com pouca graça, circundavam Markus com olhares cabreiros e Benjair insistia em suas risadas forçadas e tentativas de músicas piratas, o clima ficou ameno e logo voltaram a encher os canecos. Markus não se demorou lá, rumou até seu navio e se trancou em sua própria cabine. De lá caminhou até a amurada tomando um gole de seu próprio Whisky, o sol nascendo ardia em seu rosto, fitou as ondas do mar, em seus pensamentos, estava a mulher que outrora trabalhava em sua fazenda e agora, ele sabia, era a capitã do navio chamado Alma Negra. O sorriso em seu rosto era de puro ódio, ele apertou o copo e o vidro cortou seus dedos pingando sangue na madeira do navio.
— Maldita, maldita! Me enganou tanto tempo. Sua hora vai chegar, capitã. – O sangue escorria e ele não parecia se importar. Pegou o lenço e tapou o lugar. — Você não perde por esperar.
Com tudo acertado e a cabeça mais fria, Markus voltara a fazer parte da comitiva alegre, Benjair apertava a mão de alguns piratas mais próximos seus, enquanto outros fumavam cigarros do lado de fora do pequeno barraco que estavam. Os comerciantes da Ilha Flutuante aproveitavam o grande número de piratas que o velho havia chamado para venderem suas mercadorias, anunciavam promoções inventadas na hora e competiam aos gritos para ver quem fazia a melhor oferta. Markus detestava frutos do mar e o cheiro das barracas deixava seu estomago revirado. Os comerciantes que percebiam sua ânsia faziam questão de abanar as frituras na sua direção, era notável o quanto ele era "adorado" e outros riam nas suas costas. Se ele visse, certamente que os mataria, mas fora da vista, fora da mente. Benjair, ao contrário, aproveitava a visita para experimentar todo tipo de comida exótica e - como Markus dizia - nojenta que pudesse encontrar ali. Ele andava segurando espetos de lula seca cobertas com molhos de vísceras e carnes de tartaruga fritas em óleos estranhos, mastigando barbatanas de tubarão, e ainda queria experimentar as misturas de sopas de peixes e camarões com ostras que tinha por ali. Além de iguarias com genitais de sereias que diziam ser afrodisíacas.
— Depois daquela presepada que você fez, foi difícil convencer os rapazes a me passarem as informações. Você deve ser mais prudente. - Benjair falava e podia-se ver a comida revirando em sua boca. — Bom, o fato é que ela realmente é a capitã daquele tal navio.
Markus evitava olhar para Benjair, seu estomago já estava mal o bastante para ainda assistir ele mastigando toda aquela comida asquerosa.
— O nome dela na verdade é Jane Sanches. Ela não é tão conhecida por aí, mas você sabe, - Ele sorriu, convencido. — Eu sempre consigo tudo que quero, nenhuma informação me escapa. E além do mais... - Benjair parou em uma barraca para colocar mais molho em seu espetinho. – Ela não é tão grande coisa assim.
— Uma capitã pirata? Não sei se posso acreditar nessa bobagem.
— Pois acredite. – O molho escorria no canto de sua boca enquanto ele falava. — Os caras que passaram as informações estiveram um tempo no navio e a coisa não estava boa por lá. Eles afirmaram que ela era a capitã do Alma Negra e que aquele grandão estava doido procurando por ela.
Markus pensou um pouco, enquanto eles conversavam na mesa da taverna realmente parecia que já havia alguma intimidade entre eles.
— Maldita...
— Te enganou direitinho, logo você que não aceita que manchem a ponta do seu sapato. – Benjair não sabia se lambia os dedos ou os cantos da boca numa risada engasgada pelos molhos. — Mas o caso é que precisamos encontra-la e fazer com que ela nos devolva o sereia. Só espero que ela não o use demais e acabe estragando o corpo dele.
— Aquelas merdas se regeneram rápido, não deve se preocupar com isso.
Benjair olhou para Markus desconfiado de que eles falavam de coisas diferentes.
— E desde quando trepar demais precisa de regeneração? – Ele recebeu um olhar violento. — A não ser que esfole o p...
— Que asneira você está falando?
Benjair mordeu espetinho de lula e um pedaço pequeno caiu no chão bem próximo ao seu sapato.
— Porcaria! – Lamentou. — Você acha mesmo que eles não vão fazer nada? – Benjair quase riu alto demais. — Pensei que fosse mais esperto, meu camarada.
Era bem provável que Benjair estivesse certo, e esse pensamento fez um calor subir pela cabeça de Markus. Ele mesmo não conhecia ninguém que tivesse alguma sereia macho ou fêmea e não tivesse ido para cama com ela, na verdade era muito comum que os mestres escolhessem as sereias exatamente para terem prazer a hora que quisessem. O círculo social em que frequentava falava sobre isso em todos os encontros e apesar de não ter ele próprio uma sereia para satisfação pessoal, já havia experimentado a companhia do povo da água.
— Você sabe muito bem os prazeres que elas podem causar se o mestre souber conduzir bem. – Benjair tinha um sorriso. — Aquelas belezinhas!
Markus deixou Benjair falando sozinho com toda aquela nojeira em sua boca e saiu daquele lugar que fedia a peixe. Seu navio - Fúria do Diabo, já o aguardava e bastou um comando para que o capitão o botasse em alto mar. A tripulação sabia, pelo olhar dele, que alguém iria morrer e conhecendo tão bem como o conheciam, seria da pior e mais dolorida forma possível. O destino da vez, disse Markus ao capitão, era o Império Sul, no entanto não aportariam perto de casa, mas sim de um lado bem especifico do Império onde haviam inúmeros bordeis e uma certa mulher tinha muitos negócios obscuros.
— Chegamos em quantos dias? – Markus perguntou ao contramestre.
— No máximo dois, senhor. – O homem de meia idade era negro e tinha vários dentes de ouro.
— Quero chegar antes.
— Sim, senhor. – Ele curvou-se e deixou Markus sozinho em sua cabine com seu copo de whisky na mão.
A porta foi fechada e logo cacos de vidro espatifaram pelo chão.
— Maldita! – Ele vociferava. — Maldita! Eu vou acabar com a sua vida, vou arrebentá-la com o chicote, eu vou...
Markus chegou a agarrar o próprio couro cabeludo e puxá-lo para cima. Estava realmente irado.
— Está achando que pode viver debaixo do meu teto e depois sair dando para qualquer um desse jeito? Ah, mas não vai ser assim! Não vai! Não vaaaaaai!
Embora os homens do navio estivessem acostumados com esses acessos de raiva, ainda assim alguns tinham os olhos surpresos quando eles aconteciam.
— Vamos com isso, Leonel. – O contramestre dizia ao capitão. — Vamos toda força a frente, se ele continuar desse jeito pode matar qualquer um por qualquer coisa.
— Sim, senhor! – Leonel faria o que pudesse fazer e de fato eles chegaram ao destino antes do tempo estimado.
Quando o Fúria do Diabo atracou no Porto Vermelho uma carruagem de luxo abriu as portas para que ele entrasse, o cheiro adocicado e apimentado saiu de dentro da cabine e mãos enluvadas esticaram-se para serem beijadas.
— Há quanto tempo. – A voz feminina dizia.
— Perdoe minha ausência. – Markus pegou a mão e devagar foi retirando a luva para só então beijar o seu dorso.
— Entre.
O caminho até a Mansão das Rosas tinha algum percalço, não havia pavimento por todas as ruas, mas o sacolejar não interferiu em nada e os gemidos altos podiam ser ouvidos por qualquer um que passasse a um metro de distância da carruagem.
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Em alto mar, do alto do mastro do Alma Negra, o homem anunciava:
— Terra a vista, chegando em Vordonisi!
Ola a todos!!
O que estão achando da história?
Ah! Sabiam que Vordonisi existe de verdade? É uma ilha na Turquia ;)
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