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Capítulo 11 - Promessas que foram feitas II


Olá a todo mundo! Esse capítulo ficou maior do que eu esperava! Mas acho que foi importante para o desenvolvimento. Bem, espero que gostem!

Beijinhos!


Os portos que recebiam os piratas e seus botins eram cheios de intermediários e cúmplices responsáveis pela manutenção das embarcações e compra de suprimentos como velas, cordames, munições, armas e provisões. Eram os camaradas que certamente ganhavam alguma moeda de prata pela discrição e forneciam o básico para os ladrões do mar. Os alimentos vinham através das populações à beira-mar: carnes, ovos de tartaruga, aguardente, etc., nem sempre vinha tudo com grande qualidade, dependia da amizade que o capitão tivesse por ali. Aliás, amizade que fosse beneficiar os dois lados do negócio, claro.

No Império Sul, portos deste tipo era o que mais se tinha. Ávidos pelo o que os piratas pudessem oferecer como pagamento, os camaradas estavam sempre prontos a obsequiar um capitão com conceito.

O navio Alma Negra atracou em um desses portos, era um local já conhecido por eles há muitos anos e logo a capitã deu as instruções de negociação para os tripulantes encarregados.

A excursão em direção a cidade passou pela ponte do navio com entusiasmo, a Vila estava como Jane se lembrava: muito movimentada, com vendedores das mais diversas coisas, homens e mulheres usando tecidos coloridos demais e cheios de sorrisos. O Império Sul todo tinha uma fama: Receptividade, alegria e um ótimo comércio em qualquer estação do ano. E ali na Vila do Porto, agora no verão, todos se cumprimentavam, não perdiam uma oportunidade de venda e sempre sabiam de tudo que acontecia.

Os tripulantes teriam três dias para ficarem ali, alguns se dividiram pela Vila a procura de diversão nos bordéis e tavernas, enquanto outros ficaram no navio para ajeitar os mantimentos que chegariam e descansar, eles iriam revezar os afazeres e todos poderiam gastar as moedas ao bel prazer. Jane estava com um pequeno grupo, no qual o sereia fazia parte, não por sua vontade, mas porque foi convencido por Rupert, a quem começava a criar apreço, que estar ao lado da capitã naquelas bandas era a melhor opção, Will e Victhor iriam as lojas e armazéns e logo se juntariam a eles.

Por onde passava Jane era cumprimentada, perguntavam como ela estava e diziam ter saudades do tempo de criança, ela sorria de volta para todos e respondia outros num dialeto que apenas os dali conheciam. O sereia estava "escondido" por debaixo de roupas largas e golas altas, ele suava e isso o incomodava, sempre resmungando a Rupert sobre tirar a camisa, ele usava até mesmo sapatos, coisa que mais detestava. Jane não queria que ele chamasse mais atenção do que já chamara por conta de sua beleza, as moças da Vila do Porto lhe ofereciam bebidas grátis e flores por todos os lados que passavam. Nos olhos, ele usava um óculos antigo de Victhor, cujas lentes eram feitas de um vidro mais escuro e disfarçava os tons de azuis em suas íris, talvez seja válido ressaltar que Victhor colecionava óculos e tinha uns tipos bem variados que adorava usar no dia a dia. Nas ruas havia movimento por toda parte, moleques corriam com espadas de madeira, meninas iam atras rindo ou chorando, vendedores ambulantes faziam filas lado a lado e exibiam suas mercadorias gritando uns mais alto que outros, haviam os ladrões que corriam e derrubavam tudo e raramente se via algum oficial vestido de branco por ali. Aquele não era um porto tão importante para o Imperador e a vista grossa para as ilegalidades era o que mais acontecia, principalmente entre os donos de bordéis que deixavam meninas passarem dias e dias com soldados em troca do não recebimento de impostos.

O sereia olhava para tudo aquilo como se fosse a primeira vez que visitava o Império Sul e de certa forma, era.

— Gostou de alguma coisa? - Rupert andava ao seu lado e havia reparado no olhar curioso do sereia sobre tudo o que via. — Você pode comprar qualquer coisa com sua parte do dinheiro.

O sereia ficou olhando para ele durante um instante, eram muitas novidades em uma mesma fala e ele precisava refletir sobre aquilo.

— Se você não trouxe nada, eu posso te emprestar.

— Não é isso, é só que ... é a primeira vez que eu posso comprar algo que eu mesmo posso escolher.

Rupert entendia um pouco sobre como era a vida das sereias sob as coleiras de seus donos, sabia que nenhuma delas poderia comprar um alfinete sem que seu dono lhe ordenasse que o fizesse.

— Escolha o que quiser, eu vou avisar a capitã que alcançamos eles depois.

Enquanto Rupert saia deu um tapinha no ombro do sereia que voltou a olhar as bugigangas que os ambulantes vendiam por lá. Eram cacarecos misturados, joias falsificadas misturadas àquelas que tinham valor, produtos artesanais e tantas coisas que o sereia poderia observar aquilo por algumas horas.

— Fique à vontade, rapaz! Escolha o que quiser! - Um senhor de barba comprida disse ao sereia com um sorriso. O disfarce de humano estava muito bom.

Ele, por sua vez, sorriu minimamente de volta e voltou a olhar a mesa com os objetos expostos com pentes para cabelo, laços de fita, anéis, colares e pulseiras.

— Essas peças são únicas, foram feitas por artesãos do tempo antigo, de antes da Inundação de Azah.

O sereia não estava muito interessado na história do homem, mas o ouviu contar suas meias verdades e então um objeto em especial chamou sua atenção. Era um par de brincos de argolas douradas sem nenhum detalhe que não passariam na metade de seu dedo mindinho caso ele tentasse, eram bastante parecidas com aquelas que estavam escondidas em seu tornozelo.

— Brincos raríssimos! - Disse o vendedor.

O sereia não soube muito bem entender o que sentiu quando os comprou, mas ter essas argolas em seu corpo era como firmar um compromisso com ele mesmo.

Pouco antes de chegar ao final da rua, havia uma loja com vários tecidos expostos na parte de fora, o grupo entrou e o sereia ficou impressionado com tantas variedades e texturas de cores diferentes. Os outros iam caminhando mais à frente e ele acabou ficando para trás, perdido em meio a tantos véus e tapetes.

— Gostou de algum, querido? - Uma senhora o abordou e antes que ele pudesse responder ela continuou. — Esses são ótimos, não são? Veja aqui que textura maravilhosa! - Ela alisava o tecido. — Posso te assegurar que não há no Império qualquer pessoa que não fique ótima num tecido desses. Procura algo para sua esposa?

Era fato que um jovem naquela idade e com aquela beleza toda devia ser casado ou ter muitas amantes por aí, as moças na loja suspiravam quando olhavam para ele.

— Não senhora. – Ele respondeu, sem muita emoção.

— Para o senhor mesmo então? Tem um ótimo porte, com certeza esse lhe cairia bem. - E ela ia levando-o pelas prateleiras, mostrando vários tecidos diferentes e dizendo com os quais - todos - ele ficaria muito bem. Por fim, o sereia estava com uma pequena pilha de tecidos nos braços e não sabia se a quantidade de dinheiro que tinha podia pagar por tudo.

— O Senhor já tem alguma costureira de confiança? Posso indicar uma ótima por aqui, que lhe fará um excelente preço e camisas maravilhosas, basta dizer meu nome e...

— Ele não precisa de camisas. - Jane apareceu por detrás deles, surpreendendo o sereia.

— Jane! - A mulher demonstrando imensa felicidade se pôs a abraça - lá. — Quanto tempo!

Jane retribuía o abraço apertado dela, sentia seu cheiro e afagava seus cabelos. Simon ouviu a comoção vindo detrás das prateleiras e apareceu sendo seguido pelo restante do grupo e todos receberam abraços e beijos carinhosos.

— Ele está com vocês? – A senhora secava as lágrimas dos olhos com a parte detrás da mão, ela referia-se ao sereia.

— Sim. - Disse Jane. - Ele é mais um no navio.

— Ora, querido! Por que não me disse antes? - Ela sorria largamente e ia largando nas prateleiras os tecidos que ele segurava.

— Tenho certeza que a senhora não deu chances a ele. - Jane sorria enquanto falava com ela. Parecia outra pessoa, o sereia pensava, até seu semblante era outro.

— Ora, imagina! - Ela ria alto. - Bem, sou Carmen, muito prazer. - Ela estendeu-lhe a mão.

Algo inesperado.

Sereias tem...nome? – Jane pensava. Afinal, ela nunca questionou isso, nenhuma sereia jamais foi apresentada com um nome. De certo que nomes eram algo muito importantes a todo indivíduo, é a primeira identificação que se tem consigo mesmo, que difere você de tantas outras pessoas, é seu primeiro pertence, ao qual te apresentam à sociedade como sendo único e parte de algo. Mesmo aqueles que tem nomes iguais, claro, sabem que apesar disso há em seu nome algo que é seu, que lhes pertence e as sereias não tinham nada que era delas. Era tudo dos outros, elas próprias não se pertenciam.

O sereia, tem um nome?

— No seu idioma, - Ele disse. — Eu me chamo Lantis. - E retribuiu o cumprimento.

— Lantis? - Carmen sorriu com direito a uma sobrancelha arqueada. - Que nome exótico e charmoso! Sua Terra Natal deve ser muito especial, meu rapaz! – A mulher tinha um sorriso maternal e muito acolhedor. - Mas venham, vamos ao fundo da loja que eu lhes sirvo um pouco de chá. - E saiu de braços dados com Simon, comentando o quanto ele estava mais forte desde a última vez.

Jane ficou no mesmo lugar, como não pensou nisso antes? Que ele podia ter um nome, que ele devia ter um nome. Lantis a encarou antes de sair e ela enrubesceu, talvez ela não fosse tão diferente dos outros quanto pensou e talvez o visse como "algo" e não como "alguém". Afinal, "coisas" não tem nome e ela sequer havia pensado que ele tivesse um.

Detrás da loja havia uma grande cozinha, Carmen explicava a eles como havia sido a reforma daquela parte, quanto dinheiro havia empregado ali e quantos tecidos mais poderia armazenar. Outras duas moças cumprimentaram a todos e a pedido de Carmen ficaram por conta da loja, Jane foi a última a chegar e sentou-se de frente a Lantis, o único lugar disponível.

— Querida, posso adoçar o seu chá? - Carmen usava um batom vermelho que realçava seus lábios finos.

— Pode sim, por favor. - Jane gostava das coisas bem doces.

— Então, Lantis - Como ele era o único novato por ali, Carmen achou sensato que deveria saber um pouco sobre sua vida. — De que Império você é?

Ele pensou por um segundo antes de responder.

— Eu não sei, senhora. - Ele falava com apatia - Eu e minha mãe estávamos sempre viajando de um lugar para outro, então não sei de qual deles eu vim.

— Ora, sua mãe era comerciante? - Ela parou para olhá-lo com entusiasmo.

— Não senhora.

— Vocês se veem com frequência? - Ela deu uma olhadinha para Jane.

— Não senhora. - As palavras apenas saiam de sua boca, sem nenhuma emoção em sua voz.

— Sei. - Carmen conhecia muitas mulheres viajantes, nem todas se orgulhavam disso, e entendeu que esse era um assunto delicado e resolveu não perguntar mais. Mudou o assunto para os tipos de chá que tinha e perguntou qual ele mais gostava e ficou feliz em saber que poderia fazê-lo experimentar vários, já que ele não tinha um favorito.

— Jane vá buscar um pouco de capim limão pra mim. Você sabe onde fica.

Jane, que estava calada desde antes de Lantis começar a falar sobre sua mãe, foi pega de surpresa pelo assunto, quando Carmem disse seu nome ela levantou-se da mesa num rompante e logo estava ao lado de fora da casa. Seus pensamentos estavam confusos, entre querer saber mais sobre as histórias de Lantis e imaginar que Lantis tinha uma história. O que mais ele teria pra contar? Jane queria saber de tudo.

A horta na parte de trás era digna de um herbário e tinha tantos variados tipos que alguém poderia levar um dia e mais outro para catalogar tudo. Jane estava com um punhado de ervas nas mãos quando ia voltando e deu de cara com Lantis esperando-a na porta. Ela deveria ter sentido seu corpo congelar com o olhar que recebia dele, mas ao contrário ela sentiu coragem, era a oportunidade perfeita para encher-lhe de perguntas e saber de cada passo de sua vida, de vê-lo, agora mais do que antes, como um indivíduo cheio de memórias e de história que ela se deliciaria em saber. Ao passo que ia aproximando-se dele, sua mente ia fervilhando com perguntas, mas a verdade é que Jane não sabia por onde começar, por qual parte de sua vida ela queria saber mais e se ele gostaria de contar sobre isso a ela. A ansiedade por aquela conversa foi dominada pelo medo da reação dele e por fim, quando chegou perto o suficiente, a capitã do Alma Negra apenas engoliu todas as palavras e passou por ele como se não fosse ninguém e voltaram os dois para a cozinha, sem dizer nenhuma palavra.

Chegaram no meio da conversa, quando Carmen convidava todos a ficarem em sua casa, ela fez questão de ouvir o sim de cada um, Lantis estranhou a pergunta não ser direcionada também a Jane.

— A Capitã já tem planos para a noite?

Rupert precisou conter o riso.

— Não sabia que tinha interesse em saber dessas coisas.

— Não tenho. - Lantis manteve o olhar sóbrio.

Rupert queria dizer o quanto ele mentia mal, mas achou melhor não perturba-lo demais.

— Jane não precisa de convite, garoto.

E como Lantis ainda tinha a expressão confusa ele esclareceu.

— Carmen é mãe de Jane.

Lantis não escondeu a surpresa, mas olhando bem as duas eram muito parecidas, apesar de Carmen ser mais vívida e ter a risada mais alta.

Durante o chá Jane ficou atenta ao sereia, ele tinha modos refinados a mesa, até Carmen o elogiava pelo modo como servia a todos, Simon fazia questão de pegar o próprio chá, mas a maioria achou muito interessante o modo como o sereia tinha classe para portar-se e se deixaram levar pelo requinte, era bem diferente de ser um pirata. Jane estava cada vez mais curiosa sobre ele, que outras coisas ela sabia fazer? Onde aprendeu tudo aquilo? O que houve com sua mãe?

Embora todos tenham conversado bastante a mesa, Lantis foi o que falou menos, respondendo quando era questionado e comendo apenas quando alguém dizia para fazer. Carmem estava sempre colocando bolinhos a sua frente e fazendo com que ele experimentasse de tudo.

— Não precisa comer se não quiser. - Jane disse. — Ela não vai parar de dar eles pra você até que não reste mais nenhum na mesa.

Lantis tinha açúcar e creme nos lábios superiores, limpou com um guardanapo de tecido branco com detalhes de gaivotas.

— Eu irei comer.

— Não precisa.

— Mas eu gostaria de comê-los.

— Você vai passar mal.

— Não me importo.

— Por que?

— Porque é a primeira vez.

Os dois falavam baixinho, as outras pessoas na mesa conversavam alto sobre outras coisas e não prestaram atenção neles.

— A primeira vez sobre o que? - Jane pensou nos bolinhos recheados, era costume do Império Sul servi-los daquela forma, o creme de baunilha amarelinho com pedaços bem finos de frutas cítricas envolvido numa massa fofa e saborosa.

Mas não era sobre isso que Lantis falava, ele queria dizer que era a primeira vez que sentava a mesa com outras pessoas, que dividia com elas uma refeição, que era chamado a conversa, que era servido com boa vontade, que podia comer tantas coisas gostosas, que risos e palavras eram dirigidos a ele com afetividade e não com desprezo, escárnio, ordem, ele estava ali como convidado e não como entretenimento ou enfeite para mesa.

— É a primeira vez tudo.

Jane desejou entender aquelas palavras.

Não custou para que a atenção de ambos fosse requisitada pelos outros a mesa, como Jane havia dito Carmem colocava cada vez mais bolinhos para Lantis e ele os devorava com elegância. Quando o momento finalmente havia terminado, o sereia pensava no quanto era estranho fazer parte de um grupo pirata que toma chá na casa da capitã do navio. Ele gostou de tudo aquilo, seu peito estava aquecido e sua mente começava a pegar fogo.

No caminho de casa, Carmen não desgrudava os braços de Jane, fazia-lhe várias perguntas sobre as aventuras que eles viviam em alto mar, algumas ela mesma respondia com coisas tão absurdas que divertiam Jane e faziam-na sorrir com grande entusiasmo. Logo, na vez da filha perguntar, eram apenas coisas do cotidiano, sobre a casa, sobre a loja e sobre o pai.

— Continua igual. - Carmen respondeu com um sorriso sincero, porém um pouco triste. — Passa os dias na cabana da praia.

Lantis que prestava atenção a toda aquela conversa, esperou que Rupert o esclarecesse, como fizera antes, mas não houve nada, e voltou a reparar na expressão carinhosa de Jane sorrindo para a mãe durante todo o percurso até chegarem na casa. A construção era antiga e muito bem conservada, haviam flores por todos os lados, ervas de chá, ervas para banhos e ervas penduradas para secar. Jane sempre usava roupas discretas, mas a casa em que cresceu era bem ao contrário disso. Haviam tantas cores que Lantis precisou de alguns segundos para acostumar-se com aquela visão. Os outros já estavam acostumados e entraram na casa sendo recebidos pelas colaboradoras.

— Quanto tempo! - Uma delas segurou as mãos de Jane, era uma mulher bastante magra com seios caídos e pele queimada pelo sol. — Finalmente achou o caminho de casa.

Jane sorriu mais uma vez e Lantis já não sabia dizer quantos sorrisos ela havia dado aquele dia, era bonito de ver e ele pensou que gostaria de receber um daqueles.

Quando Victhor e Will chegaram, foram recebidos por Carmem com alegria e ela ressaltou a beleza de Will, dizendo que ele fazia lembrar seu marido quando jovem. A noite seguiu como tinha que ser, tranquila e quente, apesar de cansados da viagem, os tripulantes do Alma Negra foram dormir tarde aproveitando a boa companhia um dos outros. Will fumava um cigarrete na varanda quando foi surpreendido por Victhor.

— Então, o que está achando de ser um pirata?

O louro riu alto e Victhor o acompanhou um pouco mais contido.

— Ainda estou esperando a parte que vocês saqueiam vilas e estripam crianças indefesas.

Victhor não negou e o sorriso diminuiu em seus lábios. Eles já fizeram isso.

— Então, - Will tragou um pouco soltando uma fumaça branca entre os lábios. — Por que me escolheram para o navio de vocês?

— O que quer dizer?

— Vocês não me conhecem. E eu dei a entender ser um tipo meio louco, não acha?

O sorriso voltou a estampar o rosto de Victhor, ele tirou os óculos e esfregou na manga da camisa engomada.

— A gente gosta dos "tipo loucos".

— Que estranho, - Will soltou uma bola de fumaça no ar e piscou demorado em direção ao céu. — Ah, entendi... Só os loucos podem ser inconsequentes.

— Quem diz que não tem nada a perder precisa lutar para manter a si. É uma luta diária e a mais difícil nos dias de hoje.

— Eu ainda quero ter pelo que lutar, pelo que viver. - Ele olhava para Victhor que o encarava de volta, um par de castanhos e um par de esverdeados observando em detalhes as linhas no rosto um do outro. — Quero encontrar alguma coisa pelo que valha a pena sofrer e sangrar.

— Todo mundo quer, Will. A gente está aqui por isso, cada um quer encontrar um motivo para viver. É que nos torna fortes e não faz a gente desistir fácil, nos torna difíceis de matar.

Will dividiu seu fumo com Victhor que engasgou ao engolir a fumaça e os dois não falaram mais sobre ser louco ou sobre o que cada um queria com a vida de pirata. O louro destinou suas palavras a mulheres e peitos e intimidades enquanto Victhor apenas ria e hora ou outra concordava com o assunto. Will não sabia o porquê falar sobre essas coisas com o amigo era mais do que divertido e deixava certas partes de seu corpo cheias de energia.

Dentro da casa Carmem organizou todos em quartos aconchegantes e por fim, acompanhou Jane até o seu antigo quarto.

— Às vezes eu entro lá, - Carmen pegou na mão dela enquanto caminhavam pelo corredor. — Fico vendo suas coisas, seus desenhos, ouço sua voz cantando e fico imaginando que tipos de aventuras você está vivendo. Me permito chorar de vez enquanto, mas rapidinho passa porque sei que logo você volta, como sempre faz.

Carmem não segurou as lágrimas.

— Eu sinto tanto a sua falta, eu entendo seus motivos agora, mas eu ainda sinto muito a sua falta.

— Não chore, mãe. - Jane a abraçou com força e as duas ficaram assim por alguns minutos, até que foram interrompidas por Lantis parado observando-as perdido no corredor.

— Sinto Muito. - Ele disse olhando fixo para Jane, daquele jeito que fazia a cabeça dela doer.

— Tudo bem, querido. - Carmen limpou as lágrimas, o acompanharia até o quarto onde também estava Rupert, passou a mão com delicadeza no rosto de Jane. - Boa Noite, meu amor.

— Boa Noite, mãe. - Jane e Carmen sorriram ao lembrarem de uma infância longínqua quando a mãe punha a filha em sua cama e essas eram as últimas palavras ditas até o amanhecer.

Os olhos de Lantis mudaram de cor, ao invés do azul do mar, pareciam dois lagos lamacentos, mas ninguém percebeu.

O dia seguinte amanheceu quente, logo de manhã havia bastante movimento na casa, eram coisas corriqueiras de uma família volumosa. As colaboradoras preparavam o desjejum, Jane e os piratas comeram juntos e Carmem saiu cedo para abrir a loja. Sem ter acontecido nada demais, Jane, Victhor e Simon terminaram de conferir o abastecimento do navio e juntaram mais três tripulantes ao Alma Negra, logo a tripulação estaria completa. Will deu umas voltas por bordeis e ferreiros, Pyra passara o dia no erveiro e farmacêutico da cidade, enquanto Theodora ficara com Carmen na loja e fazia sucesso entre todos os clientes.

Ao entardecer quando todos se encontraram Lantis não estava com o grupo de Rupert, com o qual teria saído de manhã.

— Como assim não o vê faz tempo? - Jane estava exaltada.

— Ele disse que estava voltando para cá senhora. - Rupert também estava aflito e preocupado.

Jane sabia que Rupert não faria por mal, retirou a culpa que havia colocado nas costas dele e resolveu organizar-se. Assim, três grupos saíram à procura de Lantis, enquanto Carmen esperaria em casa caso ele aparecesse. O céu já estava escurecendo e a preocupação de Jane só aumentava.

Na no centro da Vila do Porto não havia muito movimento a noite, a maioria dos comerciantes fechavam suas lojas com medo dos assaltos constantes e poucas pessoas circulavam por lá além dos bêbados, desajustados e todo tipo de gente que não tinha mais o que fazer. Jane passava por eles e perguntava sobre um rapaz descrevendo Lantis, mas ninguém o havia visto. Desceu até a rua dos bordéis e tavernas noturnas, ali as pessoas eram vistas com sorrisos, cheirando a bebida e perfume e cambaleando escoradas em paredes e ombros amigos. Apenas em um bordel uma mulher disse que tentara persuadir um jovem com aquela aparência, mas que depois que ele negou seus serviços não o viu mais.

— Ele descia a rua em direção à praia. - Ela disse, seu hálito era puro álcool e cigarro.

Jane agradeceu a informação, ela estava com mais dois e pediu a eles que checassem no navio caso ele houvesse ido até lá, ela foi até a praia. Seu coração estava acelerado, um sereia em direção à praia... e se ele tivesse conseguido entrar na água? Todo esforço para conseguir um sereia desperdiçado por pura imprudência. E as pérolas? Ela tinha poucas... faltava tantas ainda. Droga! E todas aquelas conversas que ela gostaria de ter com ele. Haviam várias coisas que ela gostaria de perguntar... Seu coração iria sair pela boca! Havia uma possibilidade que estrangulava seu peito. E se ela nunca mais visse Lantis de novo? Merda!

Da praia Jane via o porto, os barcos sobre os movimentos das ondas, já estava muito escuro, havia poucas tochas acesas, não fosse a luz da lua ficaria muito mais difícil de ver. Ela vasculhou perto dos barcos, andava em direção as docas e não via nem sinal dele. O suor escorria por sua nuca e descia até suas costas, não sabia dizer quanto tempo esteve a procura do sereia e não encontrara nenhum sinal dele, por fim fez o caminho de volta, na esperança de que alguém pudesse tê-lo encontrado. Ela queria que alguém o tivesse encontrado. Desceu até a praia andando próxima as ondas, a água gelada alcançou seus passos e ela parou um instante para admirar o mar. Lembrou-se de quando era pequena e saia para a praia com seu pai que segurava sua pequena mão e os dois voltavam pra casa molhados e com um saco de conchinhas. Ela sorriu, queria tanto voltar aquele tempo, quando ainda era uma criança e ver seu pai em casa todas as noites contando histórias engraçadas, enquanto sua mãe desembaraçava seu cabelo e ria alto e seu pai não era só uma piada na boca de todos, um homem chamado de louco. Ao desviar o olhar das águas, uma figura estava em pé quase próximo a ela.

— Lantis... -Ele estava lá e virou-se para ela quando ouviu seu nome, parado em frente as ondas que tocavam seus pés olhando para ela com aquele par de olhos azuis. Jane queria chegar gritando, brigando, xingando-o de todos os nomes possíveis..., mas como? Não seria capaz, não agora enquanto seu coração estava feliz demais por tê-lo encontrado.

Jane aproximou-se e ficou ao seu lado, era tão difícil dizer as coisas a ele. Ela queria socá-lo por deixá-la preocupada, mas ao invés disso, ela estava ao seu lado, aliviada por vê-lo ali e não entre as águas do mar.

— Eu não consegui fugir. - Ele quebrou o silêncio. Sua voz era ríspida e dolorosa. — Eu tentei, mas não consegui. Quero que saiba disso.

— Por que não? - Ela olhava o mar a sua frente, ele fazia o mesmo.

— Eu... Nós, sereias que somos "escravos", não devemos entrar no mar sem que nossos "mestres" deem a ordem, sem que nos permitam. - Lantis estava irritado. Não ser capaz de controlar seu próprio corpo era algo que ele não suportava. — Eu não posso ir por vontade própria. Nem me lembro a última vez que estive no mar.

— Então... - Jane tinha receio de perguntar, mas não iria desistir de ter essa conversa com ele. — Você teria que encontrar com seu mestre e fazê-lo permitir? Se for isso, eu posso ajudar você.

Lantis a olhou com espanto e raiva. Ele não entendeu o que ela queria dizer com aquilo.

— Você está de brincadeira comigo, Jane? - Foi a primeira vez que ele disse o nome dela.

— Não! É verdade, se você estiver disposto a me dizer onde, eu prometo que se for preciso forçarei ele a liberar você. - Ela estava sendo sincera. Sempre que possível, ela era.

Lantis a encarava, a raiva era nítida em seus olhos, sua íris tomou tons avermelhados, Jane estava confusa. Era uma sensação tão ruim, que ele a olhasse daquela forma. De algum modo, ele exercia alguma força sobre ela, ela tinha certeza disso.

— Deixa-me esclarecer uma coisa pra você, Capitã. - Lantis aproximou-se de modo que Jane podia sentir sua respiração. - É por sua causa que eu não consigo entrar no mar. É por causa de você que eu estou parado aqui há mais de cinco horas sem conseguir deixar a água passar dos meus joelhos. Por sua causa que meus pés ficam cravados nessa maldita areia e eu não consigo...

— Não, você está errado! Não sou eu quem prende você aqui. - Ela? Claro que não!

— Não? Então quem foi que me tirou daquela maldita caixa e me colocou numa cela? - Ele falava entre os dentes. — Quem dá as ordens naquele navio?

— Eu não estou obrigando você a nada, Lantis. – Seu tom passou a ser áspero, ela não queria, mas ser acusada de algo injustamente não lhe agradava nem um pouco. — Você aceitou fazer parte do Alma Negra!

— É mesmo? Então, diga. - Ele a desafiava. — Diga que posso ir, que estou livre.

— Não. - Ela não pensou, as palavras saíram da sua boca. — Não posso.

O silêncio dele era dolorido.

— Preciso de você pra fazer uma coisa pra mim. Não posso deixar você ir. - Era por isso que ela devia mantê-lo ali, não por que... Não havia outro sentimento ali, era simplesmente porque ela precisava dele. Só isso! — Mas não sou sua dona, se você tivesse fugido eu teria caçado até te encontrar de novo, é claro, mas não sou sua dona. Jamais faria com você o que "eles" fazem.

O sereia riu como se fosse perder a sanidade, sua risada misturada ao som das ondas e Jane não sabia mais distinguir o som de um e de outro.

— Não, você não sabe o que está dizendo. É você que dá as ordens no navio, foi você quem me tirou da ilha, isso faz de você, minha dona. É assim que as coisas funcionam para nós.

— Sim eu sou a capitã, mas não sou sua dona. Não mando em seus pensamentos, não vou forçar você a nada que não queira. Você tem seu livre arbítrio assim como qualquer pessoa, mas você é um dos piratas do meu navio e preciso que faça uma coisa pra mim. Esse é o meu único "poder" sobre você. Cada um daqueles homens e mulheres tem um propósito para servir e você pode ter um para lutar por ele, você é livre para isso.

— E qual é o seu propósito, Jane?

— Você. - Ela disse com clareza, o olhar firme direcionado ao sereia como se quisesse - e queria, desvendar todos os seus segredos. — Você é meu propósito, Lantis.

Ele estava confuso, as palavras de Jane eram confusas e seus próprios sentimentos estavam confusos. Ele não sabia mais como iria viver e agir sem alguém para lhe dizer como dar cada passo, e aceitar isso estava rasgando algo dentro dele.

— Não é assim para nós! – Ele estava tão próximo a ela, tão próximo. Sua voz era embargada de rancor, seus dentes estavam trincados de raiva e mesmo assim seus olhos eram límpidos como as águas cristalinas de uma praia.

— Pode ser que seja assim para os outros, mas não é assim pra você. – Ela manteve seus olhos nos dele. - Eu preciso de você, mas eu não sou sua dona, Lantis. - Era estranho, mas a cada vez que ela dizia seu nome, Lantis sentia uma pontada na cabeça, uma dor aguda de dentro pra fora. Talvez porque ela fosse a primeira em muito tempo que o dizia sem machuca-lo logo depois. — Você está enganado a meu respeito, eu não quero nada de você além do que você quiser me dar.

Ele a encarava, olhava para ela com grande perturbação. O que ela queria dizer com aquilo? Não era a dona dele? Então, o que ele estava fazendo parado ali? Por que não entrava no mar e desaparecia pra sempre? ... Se ela não era sua dona, ela era apenas a sua capitã? Era isso?

— Estou enganado a seu respeito, você diz. – As ondas da praia iam e vinham em seus pés molhando as argolas douradas. – Então prove.

Jane respirou fundo, iria dizer coisas que talvez se arrependesse mais tarde.

— Lantis, - Ela chamou. - Você é livre, está no Alma Negra como qualquer um de nós está. Eu sinto muito por fazer você pensar que era prisioneiro lá e talvez, não, eu com certeza fiz você pensar que era. Eu não sabia como agir no começo, achei que você iria fugir na primeira oportunidade e...

— Eu iria. - Ele passou a mão sobre o rosto, o suor escorria para seu pescoço. — Eu certamente iria fugir de lá.

— Mas apesar disso, - Jane abrandou a voz, talvez fosse a hora certa para abrir o jogo com ele. — Se tivesse fugido, eu iria caça-lo, é verdade, porque eu jamais permitiria que alguém capturasse você e te forçasse a servir de novo. Eu te acharia para te fazer livre, assim como hoje você é livre.

— Eu fui colocado em uma cela. - Sua cabeça latejava, uma dor insuportável, a voz abaixando o timbre a cada palavra. — Você queria que eu pensasse o quê?

— Eu sei. Sinto muito por isso. - Jane estava com medo de que no final daquela conversa ela realmente o perdesse. — Mas você é livre Lantis. Se não sabia disso antes, então sabe agora, eu só te peço que aceite o que eu tenho a oferecer. Me ajude com algo importante e depois você pode seguir o caminho que quiser.

— Você vai me deixar ir?

— Se você quisesse ir agora, eu não impediria você.

— O que...

— Eu certamente ficaria bastante desapontada, mas depois disso tudo, eu não impediria você de ir embora. - Ele olhava para ela e algo chamou sua atenção no mar. Uma mulher... não, uma sereia que se parecia muito com ele o chamava em meio as ondas, lágrimas se misturavam as águas e ela dizia alguma coisa que ele não pode entender.

— O que você vai fazer? - Jane continuou. — Qual vai ser a sua escolha? Eu gostaria que ficasse, não posso deixar de dizer, mas quem decide isso é você.

Foi o bastante. Algo em sua cabeça não estava certo, ele sentiu a dor ficar mais forte e agarrou a própria cabeça curvando-se para frente caindo de joelhos no chão.

— Você não sabe o que está dizendo, ou se sabe deve estar louca!

Ela não disse nada, estava abaixada a altura dos olhos dele.

— Nós somos escravos, devemos ficar de olhos baixos e usar coleiras de ouro.

— Vocês foram escravizados, é diferente.

— Não, nós não temos nada, não temos para onde ir, não temos valor, não temos nada.

A sereia ainda estava lá, Lantis podia sentir que ela ainda esperava por ele no meio do mar.

— Você está errado. Vocês têm seu próprio valor, não há ninguém que pode tirar de vocês o que vocês são. O Império da Água pode não ter mais um palácio, mas vocês são um império. Não deixe que ninguém diga que não valem nada, vocês valem muito. Eu já ouvi sobre o Império da Água e a luta das sereias, vocês são incríveis e nós não temos o direito de negar a história de vocês e privá-los da sua força.

Força. Ele tinha força?

— Eu nunca ouvi tamanha bobagem.

Jane sorriu.

— Você sabe que é verdade. - Ela tocou o rosto dele e amparou uma lágrima que despontava em seus olhos azuis. — Você sente que é verdade e sabe que ainda há muito mais coisas para serem redescobertas. Venha comigo, Lantis, eu quero mostrar a vocês como é ter a oportunidade de alcançar de novo o seu lugar no mundo. - Seu sorriso ficou maior e um tanto audaz. — O mundo é nosso se a gente quiser que ele seja.

Lantis iria dizer alguma coisa, no entanto ele cambaleou para frente caindo no colo de Jane, enquanto sua mente ia devagar sendo tomada pela escuridão ele viu a sereia ir embora entre as ondas do mar, Mamãe, não me deixe. Uma última lágrima caiu de seus olhos até ele perder completamente os sentidos. Para a sorte de Jane, foi bem quando os outros chegaram e eles conseguiram ajudá-la a levar Lantis para casa.

Naquela noite Jane não conseguiu dormir, passou as primeiras horas revirando na cama e por fim desistiu, iria descer a arrumar algo para fazer. No corredor, passou pelo quarto onde Lantis estaria dormindo e se perguntou se ele estava bem, Rupert havia ficado por conta dele e Jane não o viu mais. Quando chegou a cozinha tomou dois copos d'água desejando que fossem algo alcoólico, ficou sentada por um tempo pensando no que aconteceu e no quanto era importante ter a conversa logo com o sereia. O quão difícil deveria ser a vida dele, cercado de humanos que o viam como um objeto, que exploravam sua beleza e seu corpo, tantas coisas deveriam fazer com ele... com as sereias. Jane já havia visto tanto disso, tantos nobres que mantinham suas sereias em aquários dourados, exibindo-as em suas salas, outros tantos que andavam por aí com sereias presas em correntes como se fosse um desfile bizarro, havia sempre algum louco, algum ambicioso, alguém estranho o bastante para maldades. E todos os outros esqueciam e aplaudiam sendo parte daquela vulgaridade, como se outrora as sereias não tivessem estado lado a lado com eles, como se antes de Azah enlouquecer, o Império da Água não fosse um dos mais ricos e maravilhosos de todos.

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