
Capítulo 3 - Sombras
– Helena? Você pode nos ouvir querida? Vou preparar um acesso periférico e você vai sentir uma leve pressão, está bem?
Sinto uma mão tocar delicadamente meu braço. Sim, posso ouvir a voz feminina e sentir a picada da agulha, mas minha cabeça está muito confusa para reagir ou entender o que ela está falando.
Pelos sons e odores devo estar em um hospital, mas por quê? Eu me lembro de estar no carro com meus pais e do sorriso da minha mãe... Não, sem risos, silêncio e algo mais, o quê? Luzes que cegam e fogo... Sombras nas chamas. Não, não, não...
– Helena, se puder me ouvir aperte minha mão. – outra voz me chama.
A voz grossa masculina é familiar e se torna uma âncora para a realidade. Aperto sua mão com toda a força que possuo no momento, o que não é muito.
Finalmente me permito abrir os olhos e me assusto com a visão de duas pessoas totalmente cobertas por roupas hospitalares na minha frente, apenas seus olhos visíveis. Meu Deus, devo estar morrendo.
Meu corpo está pesado e me sinto fraca. Apenas na segunda tentativa consigo falar:
– O que aconteceu? Onde estou? Por que vocês estão vestidos assim?
A mulher coloca uma bolinha de algodão com sangue de volta em uma bandeja de metal e fala gentilmente comigo:
– Calma querida, eu sou a enfermeira Lara e você está em uma unidade de terapia intensiva. Usamos esta roupa para sua proteção. Este é o nosso psicólogo David Junior, ele irá responder suas perguntas. Qualquer coisa é só me chamar.
Ela me mostra um botão que supostamente deveria trazê-la de volta em um piscar de olhos e sai, deixando-me com o psicólogo. Ótimo, adoro ser avaliada por desconhecidos escondidos em roupas engraçadas.
– Helena, como a enfermeira Lara falou, meu nome é David Junior, talvez você se lembre de mim como DJ. Chris namorou minha prima. Estarei aqui a sua disposição para apoio emocional e suporte psicológico.
Apenas aceno com a cabeça. Agora sei por que sua voz soava familiar, DJ... "Obrigado, DJ". Eu sonhei isto?
– Me chame de Elle. Eu me lembro de você, DJ. A sua prima não é uma fã minha.
Eufemismo do ano, a garota me odiava e exigiu que Chris parasse de falar comigo ou terminaria o namoro. Ela não foi a primeira ou a última que tentou este truque e se decepcionou com o resultado.
DJ não comenta, mas acho que sorri por trás da máscara.
– O médico virá em breve visitá-la e você provavelmente será transferida para um apartamento individual. Tem alguma coisa que eu poderia fazer por você enquanto isto?
– Sim, eu gostaria de falar com meus pais.
Sua hesitação é mínima, mas perceptível. Estranho.
– Elle, eu gostaria que, no momento, você se concentrasse na sua recuperação. Você despertou agora e...
Não o escuto mais, vozes perdidas na minha mente chamam minha atenção. Falo em um sussurro:
– Todos mortos, sozinha no mundo, não há ninguém, só a mim.
DJ se aproxima de mim e pergunta:
– Me desculpe, Elle, mas não ouvi, poderia repetir?
Encaro-o nos olhos, meu corpo inteiro treme de emoção e repito mais alto, apesar da voz embargada pelas lágrimas:
– Todos mortos, sozinha no mundo, não há ninguém, só a mim!
Sua testa franze, mas ele permanece calmo. Sua voz é forte, porém tranquila como se emitisse uma serenidade para mim.
– Helena, você é a nossa maior preocupação no momento. Você passou por um grande trauma e precisamos ter certeza de que está estável.
Eu entendo o que ele quer dizer, mas como posso pensar em estar "estável" sem saber a verdade? Será que já sei qual é a verdade? Lembro-me do cheiro da fumaça e do calor do fogo, mas não vejo queimaduras em meus braços, talvez embaixo dos lençóis?
Tento mexer minhas pernas para verificar. A direita está bem, mas quando tento mover a esquerda sinto uma dor intensa no tornozelo. Ela está pesada, mas não da letargia.
– Não tente mover sua perna, está imobilizada. Helena, descanse por agora, o médico está vindo para avaliá-la.
A situação deve estar pior do que eu esperava se ele não quer me dizer a verdade:
– Eu acho que mereço saber onde estão meus pais.
Apesar da máscara, percebo sua expressão resignada:
– Sua família se envolveu em um acidente de carro, você se lembra de algo?
Tento recordar, mas uma sensação de sufocamento sobe em meu peito. Fecho meus olhos, não posso respirar, meus sentidos são assaltados pela sensação de pavor e impotência.
– Algumas coisas, não tenho certeza do que é real ou não. – minha voz falha.
Ele acena a cabeça concordando.
– No momento, você pode se sentir confusa. Grandes mudanças e muitos sentimentos intensos em um intervalo pequeno de tempo. Me preocupo em como você pode estar processando tudo isso.
"Todos mortos, sozinha no mundo, não há ninguém, só a mim".
– Não estou realmente processando nada. Eu não sei... – falo incerta.
Começo a ficar nervosa, seguro os lençóis, preciso de algum tipo de apoio. Flashes em minha memória.
Eles não podem estar mortos.
– Você gostaria de conversar agora? Sobre o que está sentindo ou o que lembra do acidente? – DJ fala.
Ele quer que eu me abra, mas falar sobre sentimentos nunca foi meu forte, mesmo com o Chris. O que preciso fazer para ele seja direto comigo?
Decido cooperar, fecho os olhos e volto para o pior momento da minha vida.
– Estava escuro e havia chovido há pouco tempo. Eu lembro de olhar pelo teto solar, sempre faço isso, mas não havia estrelas, apenas nuvens pesadas. Silêncio, o carro estava em silêncio, algo incomodava...
Começo a me agitar. Havia algo na minha memória que estava faltando e eu não conseguia lembrar o que era. Meus olhos estão abertos agora.
– Alguma coisa aconteceu e logo em seguida faróis vindos de lugar nenhum me cegaram e depois...
Lembro melhor agora! O carro virou, eu me encolhi e agarrei a borda do teto solar. Tive segundos para tomar esta decisão e foi puro instinto, não sei realmente como consegui passar.
Fiquei caída na lama, desorientada, o carro continuou capotando para longe de mim, o barulho, as chamas, as vozes...
– Espere! Meus pais não podem estar mortos! Eu vi sombras assim que começaram as chamas! Eles saíram antes do fogo!
Meu coração se agita, esperança surge. As máquinas ao meu redor emitem alertas sonoros e DJ observa preocupado os monitores.
– Acalme-se, Elle, fique tranquila, em outro momento retomaremos o assunto. Não se preocupe, agora deve descansar.
A enfermeira Lara retorna ao meu leito com outra bandeja prata na mão e faz um olhar de pena para mim enquanto injeta alguma droga, provavelmente um tranquilizante, em minha veia.
Eu sei o que vi, eu estava lá, ele não.
Já grogue, me viro para DJ:
– Vi duas sombras saindo do fogo...
Lembro-me disso, não estou inventando, estou?
– Não posso negar ou afirmar sua experiência, Elle, mas você havia batido sua cabeça e sofrido uma concussão, passou dezesseis horas em coma. Sua percepção pode estar alterada...
Ele não acredita em mim, não importa o que eu diga e aposto que não será o único.
– Eu preciso saber a verdade...
Antes que eu pudesse ouvir sua resposta a escuridão me invade.
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AVG
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