Elizabeth Silva
Seu coração estava acelerado, seu peito pegando fogo e sua cabeça nessa altura do campeonato já não estava mais funcionando como deveria, nunca se imaginou em tal situação. Jake estava sentado no corredor do hospital, desesperado, aos prantos, quem o via não poderia de longe imaginar o que ele fazia sozinho ali, se segurando para não gritar ou invadir a UTI.
Os passos das pessoas, os olhares curiosos, todos o estavam irritando. Queria que fosse mentira, que ele abrisse os olhos e fosse tudo coisa de sua cabeça, que fosse pesadelo, que não fosse real. Não podia, não devia. Passou a mão em sua nuca, respirou fundo e as lágrimas ainda estavam grossas, escorrendo por seus olhos. Queria apagar o que aconteceu de suas lembranças.
Em suas mãos ele estava amassando um pedaço de papel, não queria ler aquilo de novo, mas sabia que leria, não uma, nem duas, mas incontáveis vezes, leria pois aquela poderia ser a última lembrança que teria de Elizabeth. Do fundo do corredor da ala de emergência, viu de branco, o médico.
Sua feição não demonstrava boas e nem más notícias, queria mesmo era receber de que ela estivesse viva e bem. O homem se aproximou.
— O senhor está junto da menina que foi para a UTI, certo?
— Sim — sua voz era em tom baixo e trêmulo.
— Sinto em lhe dizer isso, mas ela está muito mal... não temos muitas esperanças... — ele tentou ser cuidadoso com as palavras.
Jake sentiu um soco no estômago, quis vomitar, quis gritar e chorar inúmeras vezes. Implorou para poder vê-la, o médico não quis impedir, a qualquer instante, Eliza poderia morrer. O doutor o acompanhou, fez com que ele trocasse de roupa. O rapaz então se adentrou aquele quarto branco.
Em cima da cama estava a menina, pálida, com os longos cabelos castanhos por cima de seu peito, ela parecia estar dormindo, senão fosse pelo aparelho que a auxiliava em respirar, pelos soros e o bip do que media seus sinais vitais, fracos sinais, mas o suficiente para que Jake não se desesperasse ainda mais e pelo curativo em sua testa que escondia a entrada da bala.
Ele ficou em pé ao lado da menina, seus olhos estavam vermelhos e inchados, assim como os dela. Emitiu um ruído tentando segurar as lágrimas, em vão, não poderia conte-las.
— Por que fez isso comigo, Eliza? — entre soluços a indagava, como se o pudesse ouvir. — eu não acredito que isso está acontecendo... ainda me lembro de quando te conheci, você chorou no meio do parque depois de seu sorvete ter caído, agora foi tão além disso, teve coragem de pegar a arma do seu pai — ele sorriu em meio as lágrimas ao se lembrar do parque. — eu não posso acreditar que você quis morrer, que você quis me deixar.
Ele segurou a mão da jovem de dezoito anos, apertou suas mãos com falsas esperanças de resposta.
— Te pedi seu número, após ter lhe comprado outro sorvete, você me respondeu, quase duas horas depois, pensei que não queria falar comigo — em meio às lágrimas, ele balbuciava algumas palavras roucas. — Você me mandou alguns emojis, bem, muitos emojis, eu achava que você era meio bobinha, você era... então marcamos de sair algumas vezes, talvez três, e em todas elas você me falava coisas que não se fala para um estranho, então tive certeza que você era a pessoa mais inocente do mundo. Eu não sei como não percebi que você estava sofrendo... eu era sua muralha, lembra que me disse isso? Quando ficamos olhando o pôr do sol do telhado da sua casa, seus pais estavam brigando, em meio aqueles gritos, eu e você ficamos olhando para o céu, imaginando que era apenas uma tempestade e que logo viria a calmaria... então você repousou sua cabeça sobre meus ombros e chorou, eu senti suas lágrimas quentes escorrendo.
Uma lágrima escorreu até a ponta do nariz do rapaz e caiu em cima da mão de Elizabeth.
— Elizabeth Silva. Silva, você odiava esse seu sobrenome tão comum, isso era engraçado, porque o meu Ferreira também não é tão diferente disso. Quando a gente fez Enem ano passado e você estava desesperada, levou umas três garrafinhas e nem lembro de quanta comida, você chorou quando viu que sua nota não foi tão boa, naquele mesmo dia, te levei para ver um filme tão chato na minha casa, mas quando vi que você sorriu ao assistir ele, eu sorri junto, porque sabia que você estava melhor...
Ele engasgou.
— Você sempre sorriu tanto, sempre foi tão intensa, sempre foi tão doce, eu ignorei aquelas marcas feias de cortes no seu pulso, ignorei todas elas, eu não deveria... se lembra de quando você me disse que queria conhecer o mar de Fortaleza? Que lá era quente, que lá o sol era mais amarelo e o mar mais azul? Talvez lá você fosse se sentir melhor.
Enxugou algumas lágrimas, respirou fundo.
— E quando eu te dei bebida pela primeira vez? Eu perguntei inúmeras vezes se você queria mesmo aquilo, você quis, você bebeu e eu achei engraçado, você engasgou e disse nunca mais querer aquilo na vida — ele sorriu involuntariamente ao ter aquela lembrança na cabeça. — Liza, você sempre disse que eu era sua fortaleza e que eu era seu protetor, mas no fundo, nós dois sabemos que era ao contrário, te vendo tão debilitada, eu só consigo pensar que não seria nada sem minha melhor amiga... você...
Os sinais vitais de Elizabeth ainda estavam no mesmo ritmo, o que fez com que Jake continuasse a falar.
— Tenho tantas lembranças ao seu lado, da vez em que você se apaixonou pelo Pedro Vilar e eu fiquei morrendo de ciúmes, porque você só falava nele, ou da vez em que a Kátia deu o fora em mim e eu pude ver seu sorriso de longe, no fundo a gente sabia que gostava um do outro, eu soube, quando você olhou para mim naquele dia em que te comprei uma blusa da Lana Del Rey e seus olhos brilharam, tu estava de gloss, tão linda... fiquei morrendo de vontade de te beijar, mas com tanto medo de tu não querer...
Esfregou as mãos nos olhos.
— Quando você me ligou de madrugada, dizendo desesperada, que queria morrer, eu também me desesperei e fui direito para sua casa, você foi correndo me encontrar e rodamos a cidade no meu carro, você só sabia chorar, nesse dia eu também quis te beijar, ah... como eu quis, quis te abraçar, te apertar — apertou a mão de Elizabeth. — depois disso, uma semana depois, te levei para uma festa e lá eu não te deixei sozinha nenhum minuto sequer, você acabou bebendo um pouco e quis me beijar, eu também quis... mas não deixei, você estava bêbada, eu não poderia te deixar me beijar assim... então te peguei no colo e te coloquei no carro, te levei para minha casa e você dormiu no meu quarto, enquanto eu dormi na sala porque sabia que seus pais iriam te bater se você fosse pra casa.
Ele respirou e mais lágrimas começaram a rolar por seu rosto.
— Você disse para mim que estava cansada de tudo, que eu era seu único amigo, que seus pais te odiavam, que as garotas da escola te odiavam, que o mundo te odiava e eu quis novamente te beijar, porque não queria te ver mal, queria ter te pedido em casamento, eu sei que queria ter ouvido isso, mas eu não disse, eu não fiz, só fiquei calado, enquanto te via chorando desesperada querendo morrer, eu só fiquei lá, quieto, sonso, burro...
Passou a mão pelo rosto da menina.
— Liza, eu sempre te amei, não sei ao certo quando eu comecei a te amar, não sei ao certo como, mas é intenso, eu quero me casar com você, quero ter filhos com você, Clara e Luís, lembra? Você quer filhos com esses nomes... eu quero te acompanhar e realizar seu sonho de ser jornalista ou modelo, quero ir com você para Fortaleza ver a praia, quero ir com você para onde for, quero ser inteiramente seu, eternamente seu, sempre... porque eu amo você, Liza... eu amo muito você e meu amor deve ser o suficiente para que você sobreviva a este fato, não é? — ele se aproximou e lhe desferiu um beijo na testa, porque os aparelhos impediam que fosse nos lábios. — Quer casar comigo, Liza?
De repente o bip passou a ser um zumbido infinito, os sinais vitais dela sumiram e o mundo de Jake passou a ficar em branco, perdeu o chão, pareceu rodar tudo em câmera lenta, não conseguia se mover, não tentou. Os enfermeiros e o médico correram para tentar salva-lá.
— Tragam o desfibrilador! — gritou o médico. Eles trouxeram, Jake ficou mórbido, olhando a cena, não conseguiu chorar, não conseguiu se andar, parecia estar em um pesadelo interminável, que acabará de começar. — Rapaz, saia daqui! — gritou o médico já fechando uma cortina que ali estava.
Suas pernas estavam formigando, assim como o restante de seu corpo, tudo doía, principalmente seu peito e cabeça, uma forte vertigem o fez cair de joelhos ao chão, tudo passou a ficar escuro, seus olhos encheram de água e aos poucos foi perdendo os sentidos.
— Naquele dia, ela havia acordado cedo, me mandado diversas mensagens pedindo para que eu fosse vê-la, ela não estava bem, disse para mim que chorou até pegar no sono, teve pesadelos que eu havia abandonado ela — disse à sua terapeuta. — então saímos juntos, eu abracei ela e tive o desejo de dizer que amava ela.
— Você disse? — o indagou.
— Eu disse que ia ficar tudo bem, abracei ela e beijei sua testa. Nosso dia foi perfeito, saímos, bebemos, tomamos sorvete e até mesmo comprei flores, ela sorriu... eu pensei que estava tudo bem, o sol contra seu rosto... foi tudo tão... eu me arrependo de não dizer que a amava.
— Pois diga que a amou há três anos atrás.
— Como? — olhou assustado para Suzana.
— Vá no seu túmulo, leia o bilhete que ela deixou, seja sincero — ela sorriu ajeitando seus óculos.
Ele olhou para o teto e suspirou — Talvez Suzana tenha razão, tudo que preciso é dizer que eu a amei há três anos atrás, então é provável que eu supere essa dor horrível. — ele passou a mão pelo rosto, respirou fundo e se levantou.
O dia estava nublado, algumas gotas caíam do céu cinza, o vento estava tocando o corpo do rapaz. A lápide de Elizabeth estava cheia de flores, com o diário da menina. A sua volta um quase unigênito de desejos não realizados, de "eu te amo" não ditos, de amores não unidos, de dores, de sonhos interrompidos. Jake estava no cemitério, observando todos aqueles que um dia foram o motivo de lágrimas ou sorrisos de alguém. Trouxe flores para pôr sobre a lápide de cimento de Elizabeth.
— Dói não te ver todos os dias. Dói não ouvir meu celular tocando e ser você. Dói não sentir seu cheiro. Dói ver seu perfil e não encontrar o conforto que me prometeram. Dói... eu amo você e sempre te amarei... creio que isso é um verdadeiro adeus... queria dizer mais, só que você nunca gostou muito de papo furado — sorriu. — foram três anos difíceis — deu uma longa pausa é respirou fundo, uma lágrima fina escorreu e uma leve gota caiu do céu e tocou sua cabeça. — mas você queria isso, você queria ir, queria aliviar sua dor e sofrimento... Me perdoe por não ter sido o suficiente, por não ter dado o melhor de mim, eu deveria saber que você era frágil, até lhe apelidei de Liza de papel, perdão por não ter sido o que você queria que eu fosse, por não dizer que te amava, por ignorar as vezes que me disse, por não ter me casado com você, por não ter... — seus olhos encheram de água ao ver a foto em que ela aparecia sentada num banco na praça, foto que ele quem tirou. — eu acho que sempre terei um buraquinho no meu coração, sempre irei lembrar de você, aos poucos ele cicatriza, entretanto sempre ali, sempre... — novamente respirou fundo. — três anos se passaram e eu conheci alguém como você me pediu... ela é bonita e gentil, vocês se dariam bem, eu acho... talvez não, você era tão ciumenta... — engoliu seco. — enfim, eu tenho que ir, prometi que à levaria para passear, ela é engraçada, sabe? Bem... Obrigado pela experiência Liza, jamais me esquecerei de você... E um dia poderei te abraçar, espero que isso leve pelo menos mais quarenta ou cinquenta anos, não quero deixar de viver logo. Te trouxe isso também — ele sorriu e entregou o caso vermelho que vestia quando se conheceram. — até logo minha soldadinho de papel.
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