┊ 𝟬𝟭. a nova amigona da vizinhança.
━━━━━━━ CAPÍTULO UM
a nova amigona da vizinhança
SER O AMIGÃO DA VIZINHANÇA nunca fora fácil, mas havia se tornado particularmente mais difícil durante o último ano para Peter Parker; perder a namorada para o Duende Verde em uma de suas incontáveis aventuras como Homem-Aranha havia definitivamente afetado seu estado emocional e sua forma de ver o mundo. Por algum tempo, foi cegado pela tristeza e a raiva, sentia que o mundo era injusto e não adiantaria de nada tentar o mudar, e assim, passou alguns poucos meses afastado de suas atividades heróicas. Mas sempre que considerava deixar o Aranha para trás, se lembrava de seu tio Ben, das palavras que ele o havia dito alguns anos antes e estariam sempre gravadas em sua memória: com grandes poderes, vem grandes responsabilidades.
O amor de sua vida havia morrido. Não significava que mais pessoas deveriam morrer, não se ele pudesse impedir.
Quando se tem um meio de fazer algo que pode ajudar alguém, mas escolhe não o fazer, se torna o culpado caso algo ruim aconteça. E Peter tinha tantas formas de ajudar; e tinha vontade, com certeza. Assim, voltou a atuar nas ruas de Nova Iorque, impedindo crimes e, como sempre, enfurecendo a polícia - que antes sentia sua ausência.
Agora, após ser agraciado com uma bolsa de estudos na Universidade Empire State, Parker lutava para conciliar sua vida acadêmica, seu trabalho como repórter fotográfico no Clarim Diário - que estava frequentemente criticando as benfeitorias do Homem-Aranha -, e, é claro, suas atividades secretas para o bem da cidade de Nova Iorque. Ele não gostava de admitir, mas estava sobrecarregado; não duvidava que, dali a algum tempo, aparecesse nas aulas com sua máscara vermelha e saísse para combater o crime com a mochila nas costas.
Por algumas vezes, havia cometido deslizes e quase sido descoberto por sua tia May, mas apenas quase. Felizmente, sua vida dupla ainda era secreta e ele não causaria um ataque cardíaco na tia tão cedo.
Talvez, sofresse um antes.
━ O que você tem pra mim hoje, Nova Iorque? ━ ele perguntou a si mesmo, cruzando os braços em frente ao corpo enquanto admirava a cidade do topo de um dos numerosos prédios, sentindo o vento soprar seus cabelos escuros. Em sua mão esquerda, a máscara descansava. ━ Espero que nenhum conhecido vítima de experimentos científicos, dessa vez...
Não faltavam crimes em Nova Iorque, aquilo era um fato. Às vezes, era difícil para Peter escolher qual combater, tantas eram as opções disponíveis. Naquele momento, acabando de sair de mais um dia de aula na Universidade Empire State - onde cursava Bioquímica -, Parker se viu observando o maos do que populoso bairro de Manhattan, uma câmera fotográfica pendurada em seu pescoço enquanto buscava por um alvo para combater.
━ É, poderia ser mais divertido ━ murmurou e soltou um suspiro, já lançando uma teia no arranha-céu da frente. A alguns metros de distância, um assalto ao banco o chamou a atenção. ━ Todo dia isso, sério... É cansativo!
Balançando o corpo esguio por entre os prédios, acenando para os pedestres e testando a paciência dos motoristas, o Homem-Aranha rapidamente alcançou o local desejado, atraindo os olhares de curiosos e os gritos animados da multidão. Enquanto cinco homens armados e mascarados ocupavam o recinto e faziam reféns, os sentidos aguçados de Parker indicavam a aproximação de policiais. O som das sirenes o fez revirar os olhos e suspirar; a polícia costumava atrapalhar seu trabalho.
Com uma calma extraordinaria, o amigão da vizinhança caminhou até a porta envidraçada do banco, onde se via um homem armado do lado de dentro impedindo sua abertura. Deu três batidas educadas, chamando a atenção do assaltante, e assim que o mesmo se virou, Peter deu um chute na porta, abrindo-a e atingindo o responsável por guardá-la. Sem perder tempo, o prendeu ao chão com uma teia, e logo deu uma pirueta para desviar das balas lançadas por um de seus cúmplices em sua direção; estava mais do que acostumado com aquilo.
━ Tiros, sério?! Ninguém nunca tentou isso antes! ━ seu comentário sarcástico os fez engolir em seco, e Peter correu os olhos pelo local rapidamente, fazendo um contagem. Quatro assaltantes - de pé - e três reféns, sendo dois guardas do banco e uma garota azarada. ━ Eu fico chateado com a falta de esforço de vocês, de verdade...
Normalmente, ele já teria finalizado aquela missão; porém, aquela situação exigia que fosse mais cauteloso, devido à presença de reféns. Ele ouvia os botões do caixa-eletrônico, ouvia uma arma sendo destravada, e seu sentido-aranha o ajudava a desviar brilhantemente e sem dificuldades.
━ E-ei! Cabeça de teia! ━ um deles o chamou. Esse tinha um dos braços envolvendo o pescoço de uma garota, e um revólver apontado para sua cabeça, perdendo-se em meio aos cabelos loiros da vítima. ━ É melhor nos deixar em paz.
Electro. Lagarto. Harry Osborn como Duende Verde. Rino. O Homem-Aranha já havia lutado contra todos eles, e saído vitorioso em todas as vezes. Era quase ofensivo para ele que delinquentes ordinários como aqueles pensassem que pudessem o assustar. O derrotar. Mas ele fugia daqueles pensamentos; perdera seu tio Ben para um simples ladrão.
Então, respirou fundo, afastando-se dos devaneios. Não era um bom momento para se distrair, ele sabia. O homem mascarado o olhava sem piscar, e tinha os dentes fortemente prensados, fazendo sua mandíbula trincar. A mão armada tremia, e o aperto de seu antebraço ao redor do pescoço da garota se tornava cada vez mais forte, impedindo-a de se desvencilhar de seu toque. Mas ela não tentava lutar; havia algo em seus olhos escuros que o fazia pensar que a jovem mal se importava com o que acontecia ao seu redor, um brilho quase desinteressado de desdém.
Um arrepio percorreu o corpo de Parker, que fez o possível para ignorar o sentimento incomum.
━ Calma aí, amigão ━ pediu. ━ E é Homem-Aranha. Isso aí que você tá fazendo é bullying, sabia?!
Ele viu os olhos do homem se cerrando, e soube que rugas tomavam conta de sua testa, denunciando sua confusão. A garota à sua frente arqueou uma sobrancelha, no mínimo chocada e confusa com a situação caótica que presenciava e fazia parte contra sua vontade.
━ Ei, Aranha? ━ ela chamou, sua voz baixa e rouca devido ao aperto contra sua garganta. Apesar de ter uma arma contra sua cabeça, não deixava o medo que sentia transparecer na voz. ━ Tem uma arma apontada pra mim, cara. E eu tenho aula em tipo, uns dez minutos, e queria chegar a tempo. Se não for pedir muito, você poderia se apressar e...
O assaltante engoliu em seco.
━ Cala a boca, sua idiota! Quer morrer?
Peter pensou em o calar com uma teia, mas a jovem estudante não parecia disposta a dar o braço a torcer e se calar:
━ Você não vai atirar em mim ━ ela retrucou, como se fosse óbvio. ━ Eu estudo psicologia criminal. Se você tivesse mesmo qualquer pretensão de atirar em mim, já teria atirado. Vamos, eu aposto dez dólares que você não atira!
O tempo pareceu desacelerar para Peter. Tão logo a sentença atrevida da garota chegou ao seu fim, o gatilho foi pressionado, o cano gélido da arma contra uma de suas têmporas. Era seu sentido-aranha agindo, claro; antes de ser atingida por uma bala, Valerie foi atingida por uma teia, que a puxou para longe do homem que a segurava. Ele, por sua vez, agora estava prensado à parede, o corpo totalmente coberto de teias e impossibilitado de se mover.
━ Você quase machucou alguém ━ falou ele, reestabelecendo seu equilíbrio após o corpo da garota se chocar contra o seu, apoiando uma das mãos em suas costas. ━ Ainda bem que o Homem-Aranha conseguiu impedir...
Finalmente, ele olhou para baixo, encontrando as orbes castanhas escuras e brilhantes da loira arregaladas em sua direção.
Em toda sua vida, Valerie Bradshaw já havia estado em muitos lugares. Nunca pensara, porém, que iria algum dia estar colada ao corpo do Homem-Aranha após ser puxada por uma de suas teias e ter a vida salva pelo mesmo. Pela primeira vez desde que entrara no banco, seus olhos expressaram alguma emoção: o medo. Foi aquele o primeiro momento em que percebeu que havia sido quase morta.
━ Parabéns, psicóloga criminal ━ falou ele, enquanto lançava suas teias nos outros comparsas, agora desinteressado nas cerimônias que costumava ter. De alguma forma, a refém parecia ainda mais atrevida e desbocada do que ele sempre era, ao menos quando estava na pele do aranha. ━ Você perdeu dez dólares. Há quanto tempo estuda isso, hein?!
Valerie se afastou de seu corpo forte e esguio, revirando os olhos, e tentou soltar a teia de sua blusa, ignorando o calor que tomava conta de suas bochechas.
━ Uma semana.
Conversavam como se não estivessem no meio de um crime, calma e naturalmente, como velhos amigos discutindo assuntos banais.
━ Uma semana, uau! E você não ganhou um prêmio Nobel ainda? ━ indagou, com a voz falsamente surpresa e afetada. Ele então tirou a câmera fotográfica do pescoço, e a entregou para a garota, que o olhou confusa. ━ Pode tirar uma foto minha?
Valerie murmurou algumas sílabas ininteligíveis em resposta, perdida, mas segurou a câmera em frente ao rosto e posicionou o dedo indicador sobre um de seus botões, capturando o exato momento em que o Homem-Aranha se agarrou ao teto e lançou mais uma teia, dessa vez prendendo a mão do último criminoso restante ao caixa-eletrônico. Então, ele desceu - dando um giro no ar completamente desnecessário -, e pegou a câmera das mãos da garota, que o encarava com o cenho franzido.
━ Você é estranho, cara. De verdade ━ murmurou a garota. ━ Muito estranho.
Ele soltou uma risada nasalada.
━ E você é uma fotógrafa até que decente ━ ele agradeceu, passando as fotos, e caminhou até a porta, vendo algumas viaturas do lado de fora do banco. ━ Tente não se atrasar pra aula.
Então, saiu do banco e estendeu um de seus braços para o alto, mirando o lançador-de-teia para um arranha-céu qualquer e desaparecendo da vista dos presentes, sobrevoando suas cabeças e deixando três civis estupefatos sendo interrogados por uma população agitada e oficiais irritados.
No fim, Valerie se atrasou para as aulas. E mesmo quando finalmente conseguiu chegar ao campus, atravessá-lo e alcançar o prédio de suas aulas, era como se nem estivesse lá. Olhava para a lousa, assistia os professores, mas tinha a mente invadida por pensamentos e ideias mirabolantes, hipóteses que não tinha como testar e teorias que não poderia provar.
Sentia um formigamento nas pontas dos dedos, uma corrente elétrica a atravessando. A eletricidade dominava seu corpo, como um delírio fulminante, um sonho insensato, e por muito tempo, Valerie havia tentado a desligar. Havia tentado se esquecer de que ela estava ali, tentado a abdicar. Mas não mais.
Agora, queria a assumir com orgulho. Como o Homem-Aranha, sentia-se no dever de usar de seus dons para o bem, afinal, o crime em Nova Iorque não parecia nem próximo de seu fim, e a cidade poderia utilizar um vigilante a mais. Mas Valerie Bradshaw não fazia ideia de por onde começar, do que fazer para dar início a sua vida de lutas contra o crime.
Talvez, só talvez, o Homem-Aranha pudesse precisar de uma parceira.
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