1.
Aquele fim de semana era o que eu mais esperei durante o mês de junho. A primavera tinha acabado de dar adeus, apesar de que suas belas cores ainda estavam presentes em todos os lugares. Os noticiários diziam que aquele seria o dia mais quente do mês, e sinceramente, eu estava pouco me importando. Afinal, só de ter a chance de estar presente em dos melhores festivais de toda Inglaterra, já fazia todo o resto ser suportável.
Ivy e eu estávamos indo de carro até Glastonbury, que fica a pelo menos quarenta e três quilômetros de Bristol, onde moramos. Ivy é minha irmã gêmea, ela nasceu com alguns minutos antes, o que a torna a mais velha. Dizem que herdamos os olhos de nossa mãe, e que quando éramos crianças, nos diferenciar não era exatamente uma tarefa tão fácil.
De nosso pai, ganhamos os cabelos em tom de cobre, e diferente dela, eu tenho algumas sardas a mais em meu rosto. Algo que levou alguns anos até eu me acostumar com essa particularidade em mim. Hoje, acho que junto dos meus olhos verdes, minhas sardas são o meu maior charme.
O carro estava um pouco silencioso, passamos uma boa parte do trajeto conversando e cantando alto uma playlist que tínhamos criado juntos, só para aquecer para o Festival de Glastonbury. Eu estava muito animado, minha perna já começara a mexer-se por conta própria, fazendo com que eu tivesse o meu característico tique de balançar a perna enquanto estou parado.
— Archie, qual show você tá mais animado pra assistir? — Ivy perguntou sem tirar os olhos da estrada. Ela estava encostada no banco do condutor, e seu braço esquerdo estava apoiado na janela.
— Com toda certeza o do MGMT — respondi enquanto me ajeitava no banco. As quase duas horas sentado na mesma posição começava a se tornar um grande incômodo. Então coloquei meus dois pés sobre o porta-luvas.
— Você tem escutado bastante...
— E você, mana?
— Tá brincando, né? — Ivy questionou como se eu a tivesse insultado. — Claro que é da Lana Del Rey. — dissemos juntos, depois houve uma pausa breve até começarmos a rir de nossa mania.
— Você vai ficar bem sozinha? Estaremos em palcos diferentes...
— Hey, eu que deveria estar bancando a irmã responsável! — Ivy disse completamente chocada com a inversão de papéis.
Verdade é que sempre tivemos essa forte ligação. Ivy conseguia compreender coisas que passavam pela minha cabeça, só pela simples troca de olhares. Muitos gostam de chamar isso de "telepatia de gêmeos", o que eu acho uma tremenda bobagem, mas às vezes eu me pergunto se não teria alguma verdade por trás disto.
— Eu tô é surpresa que sua chefe concordou em você tirar o fim de semana de folga!
— Ah, qual é? A Susan não é tão difícil assim! — comentei ao encostar minha cabeça no banco, enquanto olhava para além da minha janela. Sentir o vento no meu rosto, meus cabelos ficando bagunçados com o sopro gentil dele, me fazia me sentir muito livre, acho que mais livre do que fui em meus vinte anos de vida.
— Você diz isso porque é o queridinho dela.
— Bem, não é fácil ser tão charmoso como eu, e você tem que admitir!
— No dia que eu admitir isso, pode me internar e jogar a chave fora — Ivy disse antes de darmos mais risada.
— Me acorda quando chegarmos, estou ficando cansado já.
⚡
Já tinha anoitecido, eu me encontrava em meio a uma grande multidão aguardando pelo show que eu mais queria assistir. A ansiedade estava me tomando por completo, a espera parecia durar muito mais do que deveria, pelo menos era o que eu sentia. As pessoas ao meu lado, conversavam, fumavam ou estavam bebendo cerveja. Minha irmã tinha acabado de me mandar uma mensagem dizendo que o show da Lana tinha acabado há poucos minutos, enquanto eu ainda aguardava pelo MGMT.
A espera teve seu fim quando a banda subiu ao palco e as pessoas começaram a gritar, assobiar e logo o primeiro rifle de guitarra ressoou por toda a extensão do palco, me atingindo como uma onda que quebra a beira mar. Andrew começou a cantar os primeiros versos de "Youth" e eu senti um arrepio percorrer todo o meu corpo. Finalmente estava acontecendo!
As luzes piscavam e brilhavam num tom de anil, que mais parecia que o grupo tinha saído de algum filme futurista, ou fossem simplesmente alienígenas em busca de um sucesso intergaláctico. Ok, talvez essa última descrição tenha parecido um tanto quanto louca, mas tudo naquela noite pareceu fora desse mundo, isso num bom sentido.
Quando chegaram na parte do refrão, senti uma imensa necessidade de fechar meus olhos e cantar com todo o meu fôlego. Eu não podia estar me vendo naquele momento, mas tinha certeza de que eu sorria enquanto cantava junto com eles, junto com milhares de pessoas que muito provavelmente deveriam estar sentindo a mesma coisa que eu. De olhos fechados eu podia sentir como se eu estivesse flutuando, tamanha era a alegria que eu experimentava naquele instante.
A primeira música terminou e logo eles emendaram uma outra, e o som dos sintetizadores, da guitarra e bateria pulsava por todo palco, passando por milhares de pessoas e chegava até mim. Eu gritei muito quando reconheci a canção que tocavam, era "Electric Feel", afinal eu conhecia ela muito bem, até porque foi graças a essa música que conheci o grupo.
De repente, senti gotas respingarem por todos os lados, e quando percebi ao checar meus braços, vi que era tinta. Eu ri ainda mais e quando olhei ao meu redor, percebi que todos dançavam e cantavam à sua maneira, ninguém ali estava dando a mínima se parecia estranho ou não, se errava ou não a letra. A felicidade, a diversão estavam em sua forma mais pura, mais bruta.
Por um instante, percebi que alguém também parecia estar observando as pessoas ao redor se divertirem. Nossos olhares se encontraram, e sorrimos um para o outro, mesmo que nem tivéssemos percebido isso. Os nossos olhares ficaram magnetizados um no outro, tudo pareceu mover-se em câmera lenta e nós éramos as únicas pessoas que tinham escapado do estranho feitiço do tempo.
O mundo pareceu ficar silencioso, mesmo que a banda estivesse tocando e as pessoas ao nosso redor estivessem gritando e cantando, todo esse barulho simplesmente parecia ter ficado distante, como uma memória de um passado longínquo. Quando dei por mim, minhas pernas começaram a se mover, eu caminhava na direção dele, e nem tínhamos quebrado o contato visual.
Meu coração batia desenfreado, ao passo em que eu atravessava aquele monte de gente, com toda gentileza que eu podia empregar. Aquele rapaz continuava me olhando, como se o show fosse a coisa mais insignificante naquele momento. Estávamos ficando cada vez mais próximos um do outro, pelo menos essa era a percepção que tive. Foi então que eu senti alguém esbarrar em mim, e todo o som que antes parecia distante surgiu de uma única vez, e fiquei até atordoado por breve segundos. Quando olhei na direção que achei que o garoto estava, eu não conseguia mais vê-lo.
Continuei a assistir o show me sentindo muito contente por estar ali, por estar na apresentação mais incrível que eu já tinha visto, e ao mesmo tempo, eu sentia um estranho vazio no peito sempre que eu olhava na suposta direção que o garoto estava, mas nada de sua presença.
A lembrança do show e daquele momento ficaram marcados no meu coração.
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