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Capítulo 09: Somos Opostos

No dia seguinte, eu estava na cozinha finalizando minha sopa quando meu celular apitou em cima do balcão. Limpei minhas mãos em um pano de prato e peguei meu aparelho.

"Tem uma festa pra sábado. Quer ir comigo?"

A ideia não me pareceu errada de primeiro momento, mas então, me dei conta que eu só conhecia ela de forma amigável naquela cidade, isso me desanimou.

"E se jogarem sangue de porco em mim?"

Brinquei, fazendo ela responder quase um minuto depois:

"Se você tiver usando um vestido vermelho vai entrar no tema"

Sorri, e deixei meu celular no balcão. Estava morrendo de fome e como sopa era algo fácil, resolvi arriscar.

Segurando uma colher de pau, mexi o líquido na panela fazendo minha barriga roncar.

- Então é isso que você faz o dia inteiro aqui? - uma voz fina perguntou da entrada da cozinha. - Achei que passasse todo o tempo trancada em seu quarto.

Olhei na direção do voz vendo a Fanny. Ela usava um vestido roxo e seus longos cabelos dançavam em suas costas.

- Eu até passo, mas hoje resolvi sair da zona de conforto. - respondi, sem saber como conversar com ela.

Era a primeira vez que ela se dirigia a minha pessoa, e eu não sabia suas intenções.

- Está gostando de morar aqui? - sorriu como se sua pergunta fosse idiota. - Claro que está, olha essa casa. Sempre me fascinou.

Olhando atrás dela, vi quando Bruno apareceu deixando o clima pesado. Ele passou direto pela Fanny e foi até a geladeira.

Continuei mexendo minha comida não querendo ser a primeira a falar.

- Você não avisou que vinha. - ele quebrou o silêncio e vi uma garrafa de água gelada em suas mãos.

- Hoje é dia de maratona de filmes. Achei que gostaria de relembrar os velhos tempo. - Fanny, exclamou esperançosa.

- Eu tenho que estudar. - disse, simplesmente.

Percebi quando ela pareceu ficar com raiva, mas continuou com seu sorriso. Quase vi sua verdadeira face.

Bruno se aproximou do fogão e sem pedir permissão, pegou uma colher e experimentou minha sopa.

- Pelo amor de Deus. - murmurou, e pegou novamente a garrafa de água de forma quase desesperada.

- Não está tão ruim. - falei, incomodada.

- Por que não esperou a Lucia para fazer o almoço? - questionou, sem se afastar.

- Porque eu estou morrendo de fome.

- Então decidiu não sentir fome nunca mais na vida? Essa coisa pode matar alguém.

Larguei a colher de pau no balcão já ficando irritada.

- Não sei porque está tão preocupado. Eu não fiz pra você.

Voltando para perto da geladeira, guardou a garrafa de água e pegou batata e cenoura. Colocou tudo no balcão e apontou para a faca ao meu lado.

- Você corta enquanto eu cuido da carne. - disse, mais parecendo uma ordem.

- Eu já estou fazendo minha própria sopa.

- Se prefere morrer de intoxicação alimentar o problema é seu. - me deu as costas e foi pegar a carne no congelador.

Escondida, experimentei minha sopa sentindo um gosto horrível e muito forte. Exagerei no sal pelo visto. Fazendo cara feia, lavei as verduras e comecei a cortar elas em silêncio.

- Se vocês quiserem eu posso ajudar. - Fanny, se ofereceu.

Quase esqueci que ela estava ali.

- Para ajudar você teria que esquentar a água, mas o fogão já vai cuidar disso. - Bruno exclamou não tentando nenhuma simpatia.

Continuei cortando as verduras enquanto sentia o incômodo da loira aumentar. Ela suspirou e saiu da cozinha de forma apressada.

- O que está fazendo? - ele perguntou ignorando a recente ausência da Fanny.

- Estou cortando como você pediu.

- E você acha que é um cavalo que vai comer essa sopa?

- Está picadinho. Por que você é tão insuportável?

- Desculpa se eu não quero morrer engasgado com um pedaço de batata entalado na minha garganta.

Apontei a faca para ele de forma ameaçadora.

- Se você não calar a boca, juro que vou te esfaquear.

Ele deu de ombros e voltou a mexer na carne me deixando em paz.

Felizmente, o resto da sopa foi feito de forma quase pacífica. Ele ficou de um lado, e eu do outro. Com a comida feita, sentamos na mesa em silêncio.

- Você é rude com ela. - falei, quase meia hora depois.

A sopa estava uma delícia e eu não ia elogiar. Não quando o mesmo jogou a minha fora sem nenhuma cerimônia.

Ele nem sequer tentou se desculpar.

- Você acha? - falou, como se não ligasse.

- Ela te machucou? - me arrisquei a perguntar.

Ele parou de comer e me olhou como se tivesse avaliando minha pergunta.

- Foi o objetivo, mas ela só me decepcionou na verdade.

Fiquei surpresa por ele estar respondendo de forma educada.

- Se você continuar agindo assim com ela, vai parecer que se importa ainda.

Ele sorriu.

- A questão é que ela continua vindo atrás. Sempre tenta me emboscar e se eu tenho que ser rude para ela finalmente desistir. - deu de ombros. - Não tenho problema com isso.

Assenti sem entender realmente seu lado. Além do que eu nem sei o que aconteceu entre os dois.

- E você? Já foi machucada? - questionou, me pegando de surpresa.

Era nossa primeira conversa normal em semanas. Na realidade, era nossa primeira conversa de verdade.

Sem gritos ou ameaças.

- Uma vez.

E foi o suficiente.

Aprendi que palavras não significam nada e esse acontecimento me fechou totalmente para qualquer relação. Não era justo porque sei que nem todo garoto era igual, mas era uma forma de me defender.

Ele não perguntou mais nada como se soubesse que era um assunto delicado. Isso me deixou confortável para continuar comendo ao seu lado.

Bebi um pouco de água e percebi quando ele continuou me olhando com o cenho franzido.

Parecia intrigado com algo.

- O que foi? - quis saber.

- Seus olhos... - começou. - São tão negros. Olhar para eles é como encarar um pouco da imensidão do universo.

Deixei meu copo na mesa e desviei meus olhos dos seus. Mas ainda conseguia sentir sua atenção totalmente em mim.

- Eu puxei os olhos da minha vó. Meu pai contou que é algo raro.

- Sim, é esquisito. - falou, por fim. - Excesso de melanina e tal.

Sorri incrédula porque por um segundo, realmente achei que ele tivesse me elogiando.

- E você tem falta de melanina.

Ele levantou e levou seu prato até a pia. Ligou a torneira e começou a limpar sua bagunça.

- Pois é, Helena, acho que somos opostos então.

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