Está chovendo. Ele não sabe se isso é um bom sinal. Ele não liga para os sinais do universo mesmo que gaste horas e horas lendo as teorias sobre o funcionamento dele. É tarde e está chovendo. Ele encontra uma vaga bem em frente à pizzaria.

Da calçada, ele consegue enxergá-la lá dentro. Ele se certifica de trancar o carro e entra no estabelecimento antes que se exponha demais à chuva e fique com dor de garganta.

A garota nem repara nele entrando. Perdida em outro mundo, no qual ela não se sente mal ou precisa encarar todos aqueles inimigos. Onde ela não precisa ver seu reflexo no espelho e se odiar por ainda se odiar tanto.

- Lisa. - Ele a chama e se senta na cadeira em frente.

Ela volta para a realidade. E o brilho em seus olhos se vai.

- Você está bem?

- Não, e você sabe disso - ela se encolhe, mas ele não sabe dizer se é de frio, vergonha ou fragilidade.

- O que aconteceu agora?

- E se eu não devesse fazer parte do mundo? Sabe, todo mundo parece ter seu lugar, sabe como se comportar, o que falar e sentir. E eu sou tão singular no meio das multidões. Mas me pareço com eles.

- Do que você está falando?

- Estou pensando em acabar com tudo. Com a dor, a solidão, as brigas intermináveis com todos ao redor. - Ela aperta os dedos contra a palma da mão. - Eu penso nisso todo dia.

- Lisa, eu te conheço há três anos. Na verdade, quatro. Mas eu convivi com você por três anos naquela sala de aula. - O sabor agridoce das memórias toca a língua dele. - Se existe uma pessoa que luta por aquilo que acredita até o fim, essa pessoa é você.

- As pessoas estão erradas sobre mim.

Ele segura as mãos dela.

- Não, Lisa. Elas não estão. Não importa se você usava uma máscara naquele tempo, eu conseguia ver a pessoa de verdade através dela. Talentosa, inteligente, determinada, preocupada com os outros. Não ouse pensar que ninguém se importa com você.

- Ah, não. Não me venha com esse discurso de que meus pais se importam comigo mesmo sendo eles o motivo da minha ruína.

- Às vezes eles não percebem que causam isso. Eles pensam que estão fazendo o certo e vão morrer pensando que o fizeram. Lute por você, não por eles.

- E se eu não quiser lutar por mim?

Ele olha ao redor, deixando-se acreditar que esse é apenas um dia ruim para ela. Mas ele sabe que não é. Que tudo vai desabar antes que ele mude a cabeça dela. Mude um coração que se corrompeu.

- Melhor irmos embora - diz, por fim.

- Eu quero ficar aqui.

- Lisa, melhor irmos. Eu preciso te contar uma coisa.

- Conte-me aqui, então. 

- Não, eu preciso te mostrar um lugar.

- Kean, você não pretende me matar, ou pretende?

- Deixa de besteira. - Ele tira as chaves do carro do bolso.

- Se você insiste. - A garota se coloca de pé com dificuldade e ele a observa. Fraca demais.

- Eu prometo que valerá a pena.

- Não faça promessas que você não pode cumprir.