Capítulo 18
A Sra. Addams era uma cozinheira excepcional. Assim que ela serviu o jantar, desejou boa-noite a todos e preparou-se para se retirar.
— Hoje a senhora se superou! — Comentou Dante, fazendo a Sra. Addams, sempre tão séria, sorrir.
— Você tem muita sorte de poder contar com alguém como ela. — Comentou Charlotte, assim que a porta da rua se fechou. — Conheço muita gente que daria metade de seu salário para poder dispor de uma pessoa tão confiável e eficiente.
— Ela nos mima demais, não é mesmo, Anne? — Disse Dante.
— O que será que tem de sobremesa? — Perguntou Anne.
— Primeiro você tem de terminar seu prato. É a regra desta casa! — Disse Dante, bem-humorado. — Nos fins de semana a Sra. Addams sempre faz uma sobremesa especial.
— E é sempre as preferidas do meu tio. A Sra. Addams também diz que o meu tio é pior que uma formiga doceira! Revelou a menina terminando a sua refeição.
— Então podemos esperar alguma sobremesa gelada, como sorvete. Disse Charlotte.
— Eu não gosto só de sorvete... Tem os bolos doces com cobertura dupla e...
— Eu não disse Charlotte!
Todos riram juntos, e o clima era de grande relaxamento e Anne aos poucos foi ficando muito à vontade, a ponto de pedir a Dante mais detalhes sobre o acampamento onde passaria três semanas, juntamente com Aline, durante o verão.
— Quem sugeriu foi a mãe de Aline. Diana, a mãe dela, não queria que a menina fosse sozinha. Sinto-me um pouco preocupado por Anne ficar longe de casa durante tanto tempo. Mas Diana também será monitora nesse grupo, então, acho que será tudo tranquilo.
— Mas, tio Dante! Eu já disse a Aline que iria e quero muito viajar!
— O que você acha, Charlotte?
A pergunta pegou-a de surpresa e Anne esperou sua resposta com ansiedade.
— Acho que é uma decisão que vocês dois têm que tomar.
— É uma maneira muito sutil de não dar uma opinião. e muito menos tomar partido de nenhum de nós dois. — Reclamou Dante.
— Isto não cabe a mim. Não pertenço à família.
— Não, mas é uma amiga e suas palavras contam muito para nós. Não é verdade, Anne?
— Pra mim Charlotte faz parte de nossa família sim! Afirmou a garota comendo o seu sorvete sem tirar os olhos dos dois.
— Bem, não vejo por que Anne não devesse ir para o acampamento, já que ela tem tanta vontade. Por outro lado, Anne, acho que você deveria levar em consideração os sentimentos de seu tio e tentar entendê-lo.
— Nunca ouvi uma opinião que opinasse tão pouco! — Declarou Dante, bem-humorado.
— Não sei dizer qual de vocês dois está com a razão. Vou tentar colocar a questão de outra maneira. Acho que Anne deve ir para o acampamento, na medida em que isso for aceitável para vocês dois. É melhor assim?
— NÃO! — disseram Dante e Anne ao mesmo tempo.
— Mas então por que me perguntaram?
— Não sei!... — Confessou Dante, sorrindo.
A buzina de um carro os interrompeu. Anne saltou da cadeira, mas lembrou-se de repente das boas maneiras.
— Com licença, sim? Aline chegou.
— Pode ir. Hoje quem lava a louça sou eu, mas amanhã é sua vez, mocinha. — Observou Dante.
— Tudo bem! Até logo, Charlotte! Ah, não deixa o meu tio acabar com todo o sorvete, por favor.
— Ei, eu não faço isso. Disse Dante se servindo de mais uma taça. Fazendo Anne revirar os olhos e sair.
De repente Charlotte se viu completamente a sós com Dante.
— Anne vai dormir na casa de Aline. — Ele explicou.
A garota, após pegar suas coisas no quarto, passou pela sala de jantar praticamente correndo.
— A Sra. Addams fez a sua segunda sobremesa favorita, tio Dante. — Comentou ela, passando pela sala. — É sorvete de chocolate com nozes! Esta escondido no congelador.
— Eu não tenho condições de comer mais! — Comentou Charlotte. — Acho que está na hora de ir embora.
— De modo algum! — Protestou Dante, levantando-se.
— Não me incomodo de lavar a louça, contanto que tenha alguém com quem conversar. Além disso, você precisa provar a sobremesa. Na segunda-feira a Sra. Addams vai querer saber o que achamos. Ela gosta de ver seus esforços reconhecidos.
— Bem, não podemos de modo algum decepcioná-la! Além disso, prometi para Anne não deixar você acabar com todo o sorvete, não é mesmo?
— Sem dúvida. Levei três meses para convencê-la a fazer sorvete para mim todo final de semana. No começo eu tinha uma empregada determinada que trabalhava apenas metade do dia e na outra resmungava sobre minhas péssimas manias. A Sra. Addams por me conhecer desde criança tentou mudar meus hábitos diversas vezes, mas não deu certo.
Charlotte começou a tirar a mesa.
— O que você está fazendo? — Perguntou Dante.
— Vou levar a louça para a cozinha.
— Protesto! Você é minha convidada!
— Mas eu não disse que iria lavar a louça. Isso cabe a você...
Foram para a cozinha e Dante serviu café a Charlotte, após o que deu conta de sua tarefa com a maior eficiência. Conversaram muito à vontade e Charlotte contou que tinha ido a uma loja de antiguidades, onde encontrou uma velha amiga.
— Você não quer tomar um licor? — Ofereceu Dante.
— Mais tarde, quem sabe...
— Bem, quero lhe mostrar por que comprei esta casa.
Dante levou Charlotte para a ampla varanda, envidraçada, onde havia uma bela mobília de ferro forjado. Indicou a Charlotte que se sentasse e fez o mesmo. Ainda não havia escurecido de todo e ouvia-se a risada alegre das crianças que brincavam na rua de frente a casa, o latido dos cães e o pio dos pássaros. Quando as estrelas começaram a brilhar no céu, os sons foram diminuindo, e só se percebia o leve ruído de um regato a distância e o barulho das folhas agitadas pela brisa suave.
— Que agradável! — Comentou Charlotte.
Uma lâmpada no canto da casa iluminava parte do quintal e do jardim. Dante voltou-se e olhou para Charlotte. Ela estava com os olhos fechados e apoiava os braços no espaldar da cadeira. A luz da Lua acentuava o formato de seu rosto e a curva de seus lábios, tornando-a ainda mais bela. Dante excitou-se, ao pensar que poderia beijá-la, captar toda a doçura e toda a paixão contida em Charlotte, como acontecera das outras vezes. Naquele momento ela parecia tão distante, tão fora de alcance...
Sem pensar, num gesto puramente instintivo, ele inclinou-se para a frente e pegou no pulso de Charlotte. Ela abriu os olhos e sorriu ligeiramente.
— Julguei que você dormia...
— Quase... Agora percebo por que você gosta tanto deste lugar. É tão tranquilo e muito bonito!
— A última coisa que eu haveria de querer era que você caísse no sono! — Dante acariciava-lhe o braço, deixando-a toda arrepiada. — Está com frio?
— Não!
— Acho melhor praticarmos algum exercício, antes que você durma de vez.
— Não, obrigada. Faço ginástica duas vezes por semana, para aliviar minhas tensões e acho que basta!
— Mas eu conheço um modo muito mais eficiente de aliviar tensões...
— O que, por exemplo? — Perguntou Charlotte, sem perceber que o estava provocando.
— Você quer mesmo saber? — Disse Dante, inclinando-se ainda mais para ela.
— Não! — Charlotte declarou com firmeza, mas seu coração disparou.
— Já que você tem tanta experiência com a decoração de interiores, creio que lhe pedirei uma opinião sobre a casa de bonecas que estou fazendo para Anne.
— E como está indo?
— Muito bem, mas anda precisando de um toque feminino.
A marcenaria de Dante ficava no porão. As prateleiras e caixas continham todos os instrumentos imagináveis. A casa de bonecas estava quase pronta e era uma pequena obra de arte. Tinha dois andares e os detalhes que a caracterizavam chegavam quase à perfeição. Não era um brinquedo, mas uma miniatura preciosa, que qualquer colecionador admiraria. Então percebeu que Anne talvez fosse mais madura do que imaginava, a menina também não brincava com tais itens, mas os colecionava.
— Mas que incrível! — Exclamou Charlotte. — Não vejo em que você precisa de ajuda. — Ela se inclinou para observar melhor. — Você já tem a mobília?
Dante também se inclinou e seus ombros se tocaram.
— Comprei algumas peças, mas acho que Anne se divertiria muito, escolhendo-as. Ela está na fase de buscar objetos um pouco mais classicos e antigos. Ou não notou o seu gosto por literatura agora. Só espero que ela não me peça para fazer um castelo, ou um cemitério gótico. Veja tenho alguns tecidos para as cortinas, que a Sra. Addams fará, quando eu chegar a uma decisão sobre as cores. Para isso, Charlotte, quero recorrer ao seu bom gosto.
As amostras de tapete e papel de parede estavam em cima da mesa e Charlotte as examinou com atenção. Deixou de lado os papéis muito coloridos, de desenhos complicados. Passou em seguida para os tapetes: um azul floral para a sala de estar e a de jantar, um verde seguida a mesma linha para um dos quartos e amarelo quase dourado para o outro, e um lilás, que combinava com o papel de parede do quarto da dona da casa.
— Você me livrou de uma grande indecisão. — Disse Dante, sorrindo.
— Será que você conseguirá terminar a casa para o aniversário de Anne? Ela faz anos no dia 18 de Novembro, não?
— Espero que sim! Ainda disponho de alguns meses.
— Quem sabe poderíamos trabalhar um pouco? Pelo menos terminaremos um dos quartos.
— Você não se incomoda?
— Se me incomodasse não me ofereceria. Tenho a sensação de que estou decorando uma casa de verdade! Além do mais, isso me impedirá de pensar em outras coisas.
— De acordo, mas com uma condição.
— Qual? — Perguntou Charlotte, preocupada.
— Que eu faça algo por você.
— Mas você já fez. Ajudou-me a pintar minha casa.
— Refiro-me a algo que você apreciaria muito e que podemos fazer juntos. Vamos tirar um dia só para passear? Faço questão de planejar tudo. O que acha, Charlotte? Um dia inteiro, sem nenhum tipo de pressão. Relaxaremos e quem sabe nos conheceremos um pouco melhor...
Dante olhou-a com intensidade e seu sorriso desapareceu. De repente baixou entre os dois um silêncio que não exigia a menor explicação.
Charlotte esqueceu-se de tudo, a não ser de Dante e seu convite. A idéia de passar um dia inteiro ao lado dele era excitante e, ao mesmo tempo, assustadora. Teve a sensação de que percorria um caminho fascinante e repleto de incertezas.
— Pelo menos não quer pensar em minha proposta? — Perguntou ele.
Charlotte consentiu. Sabia que, aceitando, quebraria suas próprias regras, ao deixar de lado as precauções, mas sentia-se sem forças diante do pedido de Dante. Na verdade prometera apenas pensar no assunto e sempre poderia recusar, caso decidisse não aprofundar o relacionamento entre eles.
— Bem, por onde começamos? — Perguntou, animada.
Dante juntou várias latas, onde havia um pouco de tudo: cola para o papel de parede, tintas, adesivos para o tapete, além dos instrumentos de que precisavam.
— Podemos trabalhar ao mesmo tempo. — Ele sugeriu. — Você fica com os quartos e eu os pinto.
Se revestir de papel a parede de um quarto normal era difícil, trabalhar com uma casa em miniatura exigia uma habilidade toda especial.
— Foi mais fácil pintar seu quarto! — Comentou Dante segurando um pincel pequeno que parecia muito esquisito em sua mão tão grande.
— Ainda bem que você não teve de pintar meu quarto com um pincel deste tamanho! — Observou Charlotte, rindo.
— Eu teria demorado um mês, o que, aliás, teria sido muito interessante!
— Para mim, não. Bastaram os dias em que minha casa ficou em desordem.
— Mas que importância tem um pouco de desordem, quando a gente está entre amigos?
— Você não faria essa pergunta se soubesse como é desconfortável dormir no meu sofá. Julguei que nunca mais conseguiria arrumar minha casa.
— Ah, um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar! Isso é muito revelador.
— É mesmo?
— Mas é claro!
— A que você se refere exatamente?
— À mania de perfeição. Se tudo ficar em ordem, no devido lugar, tudo entrará nos eixos. Pelo menos era isso que a minha mãe falava.
— Muito obrigada pela lição, senhor psicólogo. Descobriu mais alguma coisa durante sua análise? Ou é apenas mais um conselho que aprendeu com a sua mãe?
— Não se trata de análise, mas de algo a respeito de si mesma, que você não pode esconder.
— E quem disse que eu escondo?
— Eu. Você reage como se eu tivesse acabado de acusá-la de algo. Não existe nada de mal em querer as coisas em ordem.
— Concordo.
— Contanto que isso não se torne uma mania! Não repare. Foi apenas uma pequena observação que fiz.
— E por que não vai observar outra pessoa?
Charlotte estava irritada com a calma de Dante. Não se sentia acusada, mas criticada, o que a desagradava profundamente.
— Se eu pudesse, bem que observaria. — Declarou Dante. — Você me enfeitiçou, Charlotte, e para mim é uma experiência nova. Espero que em breve você passe por ela... Por favor, quer pegar aquela chave de fenda para mim? Sabe somente eu sendo dominado pelo Efeito Charlotte... Acho que isso não é tão justo assim!
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