Capítulo 25
Meu bem me deixa sempre muito à vontade
Ela me diz que é muito bom ter liberdade
Que não há mal nenhum em ter outra amizade
E que brigar por isso é muita crueldade
Mas eu me mordo de ciúme
- Ciúme - Ultraje a Rigor
O resto da bebida desceu macio, e o Eduardo trocou seu copo vazio por um cheio. Ele ainda estava recuperando do susto de ver a Mônica momentaneamente possuída. Por alguns minutos de terror, ele pensou que não ia conseguir exorcizá-la de volta e perderia a namorada para a alma penada de alguma dondoca da alta sociedade se aproveitando de um corpo fraco para reviver os dias de grã-fina.
Ele forçou seus pés a se desgrudarem do chão e foi dar uma circulada, era sempre melhor fingir que estava indo a algum lugar que parecer uma pilastra no meio do caminho. A energia dessa festa parecia a da casa do Tony, vários grupinhos de pessoas bebendo e conversando, que mesmo separados davam a impressão de serem um só. A pista de danças estava abandonada, a não ser por três meninas corajosas, ou já bêbadas além da conta para se importarem em manter a fachada de eu-sou-superior-demais-para-suar-e-me-divertir-como-um-mero-mortal.
E por falar em birita, seu copo estava vazio novamente. Ele pegou sua terceira cuba libre e sentou na beirada do canteiro que contornava o muro do fundo, resolvido a maneirar no álcool. Seu objetivo era perder a inibição, não a noção de tudo. Era difícil não extrapolar, mas a Mônica devia estar voltando e ela sempre o ajudava a se manter na fina fronteira entre o bêbado social e o desagradável.
Ele devia ter convidado o Renato para vir com eles, o Eduardo riu sozinho. As palhaçadas do amigo espantavam o tédio de qualquer situação, e se ele estivesse ali, os dois estariam tendo altas discussões sobre o que era melhor, ser ignorado ou precisar aturar o papo chato daquela gente? O Eduardo não se importava de ser o homem invisível, já o Renato era da turma do antes mal acompanhado do que sozinho.
E como que para que testar essa teoria, dois caras se aproximaram. Eles pareciam gêmeos que as mães vestem com as mesmas roupas de cores diferentes, mas eles nem eram parecidos, um era alto de cabelos escuros, enquanto o baixinho era tão loiro que parecia ter cabelos brancos.
— E aí, gente fina? — o alto perguntou. — Tá parecendo perdido. Tem certeza que tá na festa certa?
Era só o que faltava, ser confundido com um penetra e colocado para fora.
— Certeza. Aniversário da Míriam, amiga da Mônica, minha namorada.
— A Míriam tá com o Tony — o velho-novo afirmou como se tivesse acabado de descobrir que o sol é quente.
— Ele quis dizer namorado da Mônica, seu panaca. — O alto deu um tapa na cabeça do outro e se encostou no canteiro, ao lado do Eduardo. — Você se importa se a gente ficar aqui?
— Não? — O Eduardo não sacou porque os dois queriam a sua companhia. É verdade que ele estava afastado da agitação e com uma ótima visão da festa, mas os dois não pareciam o tipo que gostava de exercitar a arte da observação como ele estava fazendo.
— Dalmarco ou Rangel? — O alto tirou alguma coisa do bolso e o Eduardo observou fascinado enquanto ele reapertava o que parecia ser um cigarro caseiro. O Eduardo tentou disfarçar o espanto do que era seu primeiro contato imediato do terceiro grau com o proibido mundo das drogas. Quando ele não respondeu, o rapaz refez a pergunta. — Você é namorado na Mônica Dalmarco ou da Mônica Rangel?
Seu súbito ataque de estupidez podia ser atribuído ao fato do cara estar acendendo um cigarro de maconha bem ali na sua frente, e de todos os outros convidados, como se fosse o ato mais casual do mundo, mas a verdade era que ele não sabia o sobrenome da Mônica. Como ele podia estar no nível namoro com sexo sem saber uma coisa básica? Também, se o assunto não surgisse com naturalidade como se descobria esse tipo de informação? Não dava para chegar e perguntar, 'oi gatinha, você é linda e eu tô a fim de você, como é mesmo o seu sobrenome?'
Felizmente, ele foi salvo de responder pelo outro.
— Não pode ser a Dalmarco — ele afirmou pegando o baseado depois que o alto deu uma longa tragada e parecia estar prendendo o fôlego. — Ela tá com o Ivan.
Mônica Rangel, então, era a sortuda que namorava com ele.
— Com o Ivan? — O alto soltou a pergunta junto com o ar. — Eu acho que não.
— Tô dizendo, cara — o loiro disse para dentro. — Eles até foram juntos pra São Tomé no carnaval.
Isso atraiu toda a atenção da mente enevoada do Eduardo. Existia uma pequena possibilidade de a sua namorada não ser a Rangel e ter passado o carnaval com outro cara. Ele balançou a cabeça para reorganizar as ideias. Alguma coisa não estava certa, a sua Mônica não era volúvel, nem inconsequente, muito menos a porra de uma traidora.
— Tá a fim? — O loiro lhe estendeu o cigarro.
Há duas cubas libres e meia atrás, antes da cabeça embaralhada por esse monte de informações que podiam, ou não, ser sobre a sua namorada, o Eduardo teria recusado sem hesitação. Agora não lhe parecia uma ideia tão fora de propósito. E maconha era comum, nem podia ser considerada uma droga, afinal eles não estavam fumando ali, na frente de todo mundo, sem causar espanto? E não era como se ele fosse se viciar só com um tapa, todo adolescente fazia, era praticamente um ritual de passagem.
Num dia cheio de primeiras vezes, incluindo a primeira vez em que ele era esquecido num canto como um objeto descartável – ele podia jurar que assinar a porra de um cartão não levava mais que cinco minutos – por que não encerrar com chave de ouro? Ou nesse caso de erva, o Eduardo apertou os lábios para não rir.
— Maneiro. — Ele quase conseguiu escutar o grito de revolta de todos os seus professores que não se cansavam de pregar que bastava dizer NÃO.
Sinto muito, a culpa não é minha. Influência desses maus elementos.
O Eduardo fez como os caras e puxou a tragada com força, só para ser atacado por um acesso violento de tosse.
— Primeira vez? — O alto tomou o cigarro dele, rindo da sua cara.
— Claro que não. — O Eduardo deu dois tapas no seu peito. — Mais forte que eu tô acostumado.
— Verdade. Coice de mula.
O Eduardo deu outra golada no seu copo, e na sua vez de dar uma bola novamente, ele pegou leve e conseguiu não tossir. Depois de segurar o ar dentro do pulmão por alguns segundos, ele expirou devagar. E como a primeira vez não tinha contado, ele deu mais uma tragada antes de passar o baseado para o próximo da roda. O movimento se repetiu algumas vezes, como se fosse ensaiado.
— Eu vou te provar que eu tô certo. Ei, Ivan? — o baixinho chamou um rapaz que passava perto deles.
A cabeça do Eduardo rodou tentando seguir a linha de raciocínio. Do que mesmo eles estavam falando? A base da espinha dele formigava e as coisas em volta pareciam acontecer como num sonho, meio embaçadas, ou como debaixo d'água, tudo se movimentando devagar e com mais peso.
Mesmo antes de se lembrar que esse era o possível-improvável namorado da sua namorada, o Eduardo antipatizou com o mauricinho de calça social, blazer de linho e gel no cabelo que veio até eles como se fosse o dono do mundo.
— Tá a fim? — O alto ofereceu o restinho do baseado.
— Não, obrigado — o tal do Ivan recusou num tom desdenhoso e superior.
— Você e a Mônica estão namorando? — o loiro foi direto ao assunto, e apesar de estar a ponto de ter sua vida virada de cabeça para baixo, o Eduardo foi tomado por uma enorme vontade de rir.
— Ainda não. Mas a noite tá só começando. — Ele fez um barulho parecendo um cachorro esganiçado morrendo engasgado, mas que era uma risada. A resposta deixou o loiro com a cara no chão e o Eduardo flutuando de alívio.
— Esse cara aqui disse é namorado dela. — O loiro decepcionado tocou fogo na fogueira.
— Não — o alto interviu. — Ele ainda não falou se tá namorando a Rangel ou a Dalmarco.
— Hã... — A boca do Eduardo se abriu e se fechou algumas vezes. Isso também acontecia quando o professor lhe fazia uma pergunta e a sala inteira o encarava enquanto ele tentava pensar numa resposta que não lhe matasse de vergonha.
— Você não sabe o sobrenome da sua namorada? — O Ivan mauricinho se engasgou, ou riu, de novo. Mesma diferença. — Fácil resolver, morena de cabelo liso e comprido ou cabelo castanho curto e encaracolado?
— Morena de cabelo comprido. — De repente, o Eduardo sentiu muita saudade dela. Parecia que tinha séculos que ela tinha ido... onde mesmo?
— Tem certeza? — A resposta não agradou ao Ivan, o terrível.
— Absoluta. — O Eduardo encarou a expressão de descrença nos rostos dos três, com segurança. — A morena mais linda que eu já conheci, terceiro ano de medicina, melhor amiga da Míriam, fala alemão e francês, vegetariana, super inteligente e tem uma tatuagem bem aqui. — Ele terminou com o indicador encostado no seu próprio quadril.
O Ivan fez um sinal com a cabeça e o alto e o loiro se mandaram. Ele realmente se achava o rei de todas as coisas! E os dois caras nem para dizer tchau, maneiro te conhecer, até a próxima.
— Mônica Fraga Dalmarco — sua majestade, o Ivan, informou, estufando o peito. — É o nome da sua namorada.
Ele falou namorada como se fosse uma doença e o Eduardo quis fazê-lo engolir aquele tom de superioridade.
Será mesmo que ele achava que conhecia a sua Mônica melhor que ele? E daí que o Eduardo não sabia o sobrenome dela?
Existiam coisas mais importantes para se saber, como, por exemplo, a maneira que ela segurava sua mão com força quando se entusiasmava com um assunto ou como ela sempre escolhia a cor do elástico para prender o cabelo de acordo com o momento – vermelho quando estava com calor, amarelo quando eles iam comer, verde quando ela estava nervosa ou agitada, e rosa quando eles iam começar a se beijar dentro do carro – e que ela mordia o lábio quando estava a ponto de gozar. Coisa que o imbecil parado na sua frente não podia saber porque ele nem era francês, nem o outro canalha que o Eduardo não lembrava o nome.
— Onde vocês se conheceram? — o Ivan burguesinho perguntou e fez sinal para um garçom.
O Eduardo aproveitou para agarrar um copo de água porque sua boca estava mais seca que plantação de maconha no Nordeste. O pensamento o fez engolir rápido para dar uma gargalhada que foi interrompida pelo segundo acesso de tosse da noite, porque a porra do copo estava cheia de vodca pura e ele foi pego de surpresa pelo fogo descendo pela garganta. O Ivan tentou bater nas suas costas e o Eduardo se afastou preferindo morrer a receber qualquer ajuda daquele idiota, metido, que achava que tinha alguma chance com a Mônica.
A noite tá só começando, o caralho!
— Eu tô bem. — Ele respirou fundo e tomou outro gole, que desceu macio, provando que o primeiro foi um acidente. Ele não era nenhum fracassado que não aguentava um pouquinho de vodca pura. — A gente se conheceu no aniversário do Tony.
— Ah — Ivan, o sabe tudo, não se dignou a explicar, como se fosse óbvio.
— Ah, o quê? — O Eduardo não tentou disfarçar a irritação.
— Nada. É que eu e a Mônica saímos uma noite antes e, bom, não tem problema eu dizer, porque foi antes de vocês se conhecerem. Eu e ela passamos a noite inteira conversando e foi ótimo, mas a Míriam disse que a Mônica não gosta de cara pegajoso e eu não fui naquela festa de propósito. Pra dar espaço.
— Saquei. Você tá querendo dizer que se você tivesse ido, ela não ia ter perdido tempo comigo.
— Isso, a gente nunca vai saber. — Ivan, o enigmático, deu de ombros.
Mas estava na cara. Se aquele mauricinho tivesse ido à festa do Tony, a Mônica nunca teria dado atenção para o carinha com a camisa do He-Man, porque olha para o idiota. Ele era mais velho e se vestia como adulto e já devia ser formado e ter um emprego de adulto e ser dono do seu próprio carro adulto e era do mesmo círculo que ela...
Não!
O Eduardo interrompeu a diarreia mental. Ele tinha que dar o braço a torcer, o pretensioso estava certo. O que teria acontecido naquela festa se as circunstâncias tivessem sido diferentes, ninguém jamais saberia. E o importante foi o que aconteceu, a Mônica tinha ido falar com ele e os dois estavam juntos no namoro mais maneiro do mundo.
— Posso fazer mais uma pergunta?
— Você é bem curioso, hein?
— Vocês estavam namorando no carnaval? — Ivan, o intrometido, ignorou o comentário do Eduardo, como bom convencido que era. — Quer dizer, se a Mônica fosse minha namorada, eu nunca teria me arriscado a deixar ela sozinha no carnaval, tá me entendendo? A não ser que a minha mãe não tivesse deixado eu ir. — Ele terminou com a gargalhada mais ridícula que o Eduardo já tinha escutado.
Apesar de todo o álcool e erva circulando pelo seu sangue, o Eduardo sentiu que ia explodir de raiva, e de preferência na cara daquele fuxiqueiro de quinta categoria. Bem que a Mônica tinha prevenido sobre as piadinhas sem graça, e ele tinha prometido se comportar, mas se aquele filho da puta pensava que ia dar uma de superior para cima dele, ele podia pensar outra vez.
— Eduardo! — Uma voz feminina gritou o seu nome antes que ele pudesse reagir, e por um segundo ele achou que era Mônica voltando, mas era só a Míriam com a mesma expressão de pânico do começo da festa. — Ivan! Tudo bem?
— Feliz aniversário! — Ivan, o dissimulado deu um abraço na moça, com cara de simpático.
— Obrigada — ela agradeceu e agarrou o braço do Eduardo com tanta força que ele achou que ela ia arrancá-lo do seu corpo. — Cadê a Mônica?
Ele também gostaria muito de saber. Tinha alguma coisa a ver com um cartão e um presente e realmente não fazia a menor diferença.
— Não sei — ele respondeu brusco, porque ele ainda estava com raiva do idiota, e sério, por que a Mônica tinha sumido daquele jeito?
— Dá licença, Ivan. — A Míriam deu um sorrisinho forçado. — Eu vou ajudar o Eduardo a procurar a Mônica.
Ele não tinha mesmo a menor intenção de se despedir do Ivan, o irrelevante que ele nunca mais queria ver na vida, e se deixou arrastar pela Míriam.
— Por que você estava conversando com esse cara? — Ela disparou faíscas pelos olhos.
— O quê? Eu não posso bater papo com o cara que todo mundo acha que tá namorando a minha namorada?
— Vai por inferno, Eduardo! Eles ficaram uma vez. Depois que você e ela começaram a namorar, a Mônica nem olhou mais pra outro cara.
— Nem em São Tomé?
Se um olhar pudesse matar, o Eduardo teria sido assassinado naquele exato minuto. E com razão, a Mônica nunca tinha dado motivos para que ele desconfiasse dela. Ele ficou na mesma casa que a Cris no carnaval, e não aconteceu nada.
— Foi mal. — Ele passou a mão atrás do pescoço. — Eu não tô legal.
— Míriam, sua vaca, tem uma hora que eu tô te procurando. — Uma das meninas que a Mônica lhe apresentou antes chegou correndo. Fernanda? Gabriela?
— Denise, você viu a Mônica?
Denise!
— Ela tá lá em cima, a gente tem uma surpresa pra você. — A menina se virou para ele. — Desculpa, eu prometi roubar ela só um pouquinho, e tá demorando muito, né?
— Sem erro. — Ele tentou focar o ponteiro do relógio de pulso, e mesmo que ele tivesse conseguido, não ia adiantar. Ele não tinha marcado a hora da fuga da Mônica, muito menos estava em condições de fazer um cálculo matemático daquela complexidade.
— Ele não pode ir. — A menina barrou o Eduardo pela segunda vez quando a Míriam ameaçou arrastá-lo junto com ela.
A Míriam suspirou, pulando de um pé para o outro.
— Vem cá. — Ela o levou para dentro de casa, até a sala relativamente vazia e o sentou numa poltrona. — Fica aqui. E não conversa com mais ninguém, tá me ouvindo? E chega de bebida. — Ela tomou o copo vazio da sua mão.
Como assim, ele tinha bebido a vodca toda?
O Eduardo concordou com um aceno de cabeça, e ela foi embora.
Ficar no seu canto era o que ele estava fazendo antes de aqueles dois chegarem e atrapalharem seus pensamentos com maconha e um bando de informações que ele escolheria não ter ficado sabendo se pudesse. Pelo menos não naquela noite, com aquela confusão na cabeça. Mas ele preferia ficar na dele por escolha e não porque alguém que ele mal conhecia lhe cuspiu um monte de ordens.
E que droga de festa era essa em que ele não podia conversar com ninguém? Será que era por isso que a Mônica nunca tinha feito questão de apresentar seus outros amigos? Porque ele ia descobrir coisas sobre ela que ela preferia manter escondidas?
A Mônica esperava uma reuniãozinha com os amigos mais íntimos. Isso incluía o Ivan ou não? Talvez fosse o contrário, talvez o Ivan fosse muito íntimo dela, e essa fosse a razão do chá de sumiço. Ela não sabia o que fazer com os dois namorados na mesma festa.
Que inferno!
Ele precisava clarear as ideias antes que ela voltasse e alguma merda incontrolável pulasse da sua boca. E água. Ele precisava de água. Sua boca ainda estava seca. Comida também era uma boa, mas os garçons só estavam circulando lá fora e a Míriam tinha mandado ele ficar...
— Que se foda! — Ele se levantou com um pulo.
Ninguém ia fazê-lo de capacho. Ninguém!
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