Capítulo 11
Nada me move nem me faz parar
A não ser a vontade de te encontrar
O motivo eu já nem sei
Nem que seja só para estar ao seu lado
- Mensagem de Amor - Léo Jayme
Disfarçar aquele sorriso bobo que se recusava a sair do seu rosto, estava se provando uma tarefa dificílima para o Eduardo. A Mônica não só descreveu a tarde como perfeita, como o chamou para sair de novo.
Naquela tarde, o Eduardo tinha conhecido o outro lado da menina que, à primeira vista, era bem-humorada, descontraída e bem resolvida. Um lado que carregava uma sombra no olhar que escapuliu uma ou duas vezes durante a conversa. Engraçado, com as outras meninas, quando o assunto ia ficando íntimo, o Eduardo dava um jeito de escapulir. Com a Mônica foi diferente. Ele a queria segura para se abrir com ele, ser o ouvido que ela procurava para desabafar e o ombro que a apoiava enquanto ela chorava. E mais importante, ele desejava ser a pessoa que afastava tudo aquilo e trazia o sorriso de volta para o rosto que era lindo de qualquer jeito, mas que brilhava de maneira especial quando ela ria.
Ao envolvê-la com o seu corpo para ajudá-la com a pipa, ele cresceu, virou um gigante capaz de ser a muralha que a protegeria do resto do mundo. Esse sentimento generoso e intenso era a sua Antártida, não gelado e desolado, mas desconhecido, pronto para ser explorado, e quando deveria assustá-lo, fazia exatamente o contrário. O Eduardo o queria quase com desespero, porque isso significava estar com a Mônica, e de todos os sentimentos que ela lhe inspirava, medo não era um deles.
E a Mônica confessou não ter mais medo. Será que eles iam ficar? Namorar? Se ele tivesse ganhado um cruzeiro para cada vez que teve vontade de beijá-la, ele teria terminado a tarde com os bolsos estufados. Aquela boquinha linda, de lábios cheios e rosados foi uma tentação, e mesmo desconfiado que a Mônica não o rejeitaria, ele resistiu. Quando eles ficassem juntos, o Eduardo queria a diferença de idade esquecida e o foco dela no que era mais importante, os sentimentos. Ela precisava vê-lo como homem e não como menino.
— Pefume! Pefume! — A Kátia entrou no quarto e eles repetiram o ritual de sempre. Ele a carregou até a sala como um saco de batatas jogado nos ombros. Ela deu uma gargalhada quando ele a virou de cabeça para baixo, antes de depositá-la em pé. — De novo! — como um bom súdito, ele obedeceu sua rainha. — De novo!
— Chega! — A mãe acabou com a diversão, como sempre. — Você sabe que ela vomita, Dudu.
O Eduardo levantou as duas palmas das mãos para cima, mostrando para a Kátia que não era sua culpa se nessa casa todo mundo devia se comportar. Ela sentou no meio dos brinquedos, como a boa menina que era.
— Você vai sair? — O pai iniciou outro ritual bem mais careta, o interrogatório antes de sair.
— Vou. — Ele respirou fundo. Desde quando ele se arrumava e passava perfume para ficar em casa?
— Com a Mônica? — A mãe lhe deu um sorriso cheio de malícia.
— Com a Mônica — não adiantava mentir, ela sempre ficava olhando pela janela quando ele saía.
— E onde vocês vão?
— Eu não sei, ela disse que é surpresa.
— E como vocês vão pra esse lugar misterioso? De táxi? — O pai atacou o lado prático da coisa. — Você precisa de dinheiro?
— Não, pai, eu tenho, obrigada. E ela vem me pegar.
— De carro?
— De carro. — Embora estivesse morrendo de vontade de andar de moto, o Eduardo cruzou os dedos para que ela viesse de carro, ou sua mãe era capaz de ter um ataque cardíaco.
— Essa menina tem carteira, Eduardo? — Nunca era um bom sinal quando a mãe usava o seu nome.
— Claro que tem. — Ela devia ter, não é? Ela tinha vinte e um anos e dirigia carro e moto.
— Então, ela tem mais de dezoito anos e vai te levar num lugar que você não sabe onde é. — A mãe apertou os lábios e foi quase possível ver todas as qualidades que ela tinha suposto para a Mônica se dissolvendo no ar.
— Mãe, a gente vai dar um rolê, eu te garanto que a Mônica não vai me sequestrar pra me deflorar.
— O que é deflorar? — o Alex perguntou do tapete.
— É tomar a flor dele — a mãe respondeu mais do que depressa, com um olhar irritado na sua direção.
— O Dudu não tem flor — Guga apontou o óbvio.
— Isso mesmo, eu não tenho flor. — O Eduardo encarou a mãe. — Relaxa, mãe, a Mônica não é o lobo mau, nem eu sou a chapeuzinho vermelho.
— Chapeuzinho vermelho. — O Guga rolou de rir.
— Deixa o Dudu. — O avô se meteu na conversa. — Faz parte da evolução de um adolescente se envolver com uma mulher madura. Eu mesmo, era pouco mais velho que ele, quando conheci a Berenice. É por isso que eu falo que você tem que aprender a andar com um lenço no bolso, Dudu. A Berê estava chorando num banco no Aterro do Flamengo e se eu não estivesse com o meu lenço não ia poder ter parado e oferecido meu consolo. Ah... as coisas que eu aprendi com ela.
— Por que ela estava chorando? — O Alex era sempre o mais curioso, embora toda a família sempre pausasse todas as atividades quando o avô contava uma de suas histórias.
— Imagina que o marido dela esqueceu o aniversário de 25 anos de casados? — O avô balançou a cabeça. — Bodas de prata e o cafajeste não levou a esposa nem pra jantar fora? Mas eu cuidei dela muito bem.
— Papai, francamente! — a mãe brigou por cima das risadas do Eduardo e do pai, mas o rosto dela se contorcia no esforço de não se juntar a eles. O Alex e o Guga olhavam todo mundo sem entender nada.
— Isso foi bem antes de eu conhecer sua mãe, minha filha.
— Eu vou esperar a Mônica lá embaixo. — O Eduardo secou os olhos molhados com as costas das mãos. Ninguém melhor que o avô para distrair e relaxar as tensões familiares. — Pode ficar tranquila, mãe, ela não é casada e tem bem, bem menos que quarenta anos.
— Meia-noite em casa, Eduardo — a mãe sentenciou quando ele pousou a mão na maçaneta.
Droga. Foi por pouco.
E ela tinha que ter usado seu nome ao invés do apelido.
Tentar abrir negociação podia colocá-lo em risco de não sair de jeito nenhum.
— Tá certo. — Ele abaixou a cabeça.
O Eduardo desceu os degraus forçando o ritmo da sua respiração a diminuir. Como ele podia ser um adulto na frente da Mônica se ele precisava estar em casa à meia-noite? Ele abriu e fechou os punhos, para relaxar a tensão. Começar a noite agitado e irritado não era uma boa, e ele ia fazer de tudo para dar a Mônica uma noite tão perfeita quanto a tarde tinha sido, mesmo com o tempo reduzido.
O carro da Mônica estava estacionado na frente do prédio, e uma olhada de relance para a janela do segundo andar revelou, no mínimo, três curiosos espionando por trás da cortina, mas o Eduardo nem teve tempo de se importar com a invasão de privacidade. Ao abrir a porta do carro, o resto do mundo passou para segundo plano quando ele foi atingido pelo perfume. Não o cheirinho de frutas que ele já estava se acostumando a associar a ela, mas um cheiro mais forte e meio adocicado. Quem tinha inventado aquele perfume merecia a porra de um prêmio porque em menos de dois segundos, ele estava fisgado, viciado e pronto para implorar à Mônica para nunca mais se afastar dele. E como se não fosse o suficiente para deixá-lo tonto, ainda tinha a Mônica sorrindo, os olhos se acendendo ao vê-lo. Melhor recepção, impossível.
A mini saia larga e rodada, a camiseta apertadinha com um nó na cintura, os pulsos envolvidos por duas munhequeiras atoalhadas, tipo que os tenistas usam e o cabelo amarrado em um rabo de cavalo alto deviam ser pistas sobre o programa. Isso se o Eduardo estivesse em condições de raciocinar e decifrar alguma coisa.
— Oi. — Ele se inclinou para os dois beijinhos costumeiros e se afastou querendo mais. Para satisfazer sua necessidade de contato, e aproveitando para testar os limites, ele deixou a mão apoiada no ombro dela, acariciando a pele macia perto do pescoço com o polegar. — Você tá muito bonita.
— Obrigada. Você também— ela soou rouca e o Eduardo não pode deixar de notar como a pele aveludada se arrepiou com o seu toque. Seus olhos foram atraídos como que por um ímã para um pouco abaixo do decote, e seu corpo todo, todo mesmo, se retesou ao notar como os seios pequenos, apertados contra a blusa, revelavam como ela não lhe era nem um pouco indiferente.
— Obrigado. — Ele afastou sua mão antes que passasse vergonha, aproveitando quando ela se concentrou em sair da vaga para se reajustar discretamente. A música rolando no toca fitas era uma boa distração e ele aumentou o volume.
— Rita Lee? — ele arriscou, embora não conhecesse a música.
— Mutantes, mas é a Rita Lee cantando. Você pode trocar, se quiser. Tem umas coisas mais novas aí no porta luva.
— Não, por mim tá maneiro. Me lembra do meu avô.
— Você tá me chamando de velha? — Ela arregalou os olhos. Cara, como ele era um idiota. Ele tinha que fazer um comentário que ia trazer a diferença de idade deles para a conversa, não tinha? Mas ela estava rindo, e parecia estar só implicando. — Você tem que lembrar que eu morei fora e perdi as músicas dos anos sessenta e setenta. E tem muita coisa boa pra eu simplesmente pular direto pra agora.
Cada detalhe que ele descobria sobre a Mônica, era um motivo extra para ficar mais atraído. Ele adorava como ela assumia seus gostos com segurança e se justificava sem procurar por desculpas dissimuladas. Até para se vestir, ela era moderna sem seguir a moda e usar as mesmas roupas que a fariam parecer uma cópia das outras meninas. Ela possuía um estilo próprio, despreocupada da opinião dos outros.
Não demorou muito para eles chegaram ao destino deles. A Mônica entrou num estacionamento de terra e deu duas voltas antes de se conformar que não tinha vaga. O rapaz que tomava conta dos carros correu até eles.
— Encosta mais, e deixa a direção reta e o freio de mão solto.
Depois que a Mônica fez o que o flanelinha tinha pedido, eles desceram do carro e o Eduardo estudou a fachada do galpão na sua frente. O nome não era familiar, porém, o enorme par de patins pintados com tinta néon não deixava dúvidas sobre o que acontecia lá dentro.
— A gente vai patinar? — Seus ombros caíram. Patinar não era a melhor maneira de impressionar a Mônica, já que ele nunca tinha colocado um par de patins nos pés.
— Você nunca patinou? — Ela veio em sua direção com um par de botas brancas com quatro rodinhas cor de rosa, amarradas pelo cadarço uma na outra, penduradas nos ombros, sem dar a mínima para seu desânimo.
— Não. — Ele pegou os patins e pendurou nos próprios ombros. — E eu não tenho patins.
— Eu também nunca tinha soltado pipa. E você pode alugar os patins.
Comparar soltar pipa com patinar era como dizer que andar no chão firme era a mesma coisa que numa corda bamba sobre um poço cheio de jacarés, mas o Eduardo ficou de boca fechada e escondeu o desconforto. Além do mais, o que de pior podia acontecer? Ele podia cair de bunda e se humilhar na frente dela. Ele podia cair de cara e quebrar o nariz ou os dentes. Ele podia cair de cabeça, desmaiar e ir parar no pronto-socorro. Coisa pouca, nada demais.
Ingressos comprados, eles entraram no galpão que podia ser confundido com uma danceteria, música alta, uma bola espelhada e luzes coloridas piscando, mas no lugar da pista de danças, uma pista oval com vários patinadores deslizando na mesma direção. Numa pequena arquibancada de tábuas de madeira, algumas pessoas conversavam e observavam o movimento. O Eduardo calculou as chances de a Mônica querer ir sentar lá. Zero, pelo entusiasmo com que ela o puxou para uma pequena janela sob a placa de 'Aluguel de Patins'.
Os patins que o homem lhe deu depois que ele pagou por uma hora de tortura não eram bacanas como os dela, apenas algumas tiras de couro para ajustar por cima do tênis. Depois de calçar os próprios patins, a Mônica se ajoelhou na sua frente e apertou mais as fivelas. A única coisa que impediu o Eduardo de inventar um mal súbito e não seguir adiante foi ver como ela parecia feliz por ele estar ali com ela.
— Não fica com essa cara, vai? — Ela deu um aperto de leve no seu joelho. — Você disse que andava de skate. Deve ter um senso de equilíbrio bacana, e patins é mais fácil.
— Como é que você sabe? Você anda de skate? — Porque ele não concordava. No skate, quando a coisa complicava bastava pular fora.
— Claro que eu ando de skate.
Claro que ela andava de skate.
Ela deu uma risada com sua expressão de incredulidade, e ele respirou fundo.
— Vamos nessa, se é pra morrer, que seja de cabeça erguida. — E sem passar muita vergonha, ele cruzou os dedos.
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Os Mutantes são uma banda de rock psicodélico formada durante o Tropicalismo, no ano de 1966, por Arnaldo Baptista (baixo, teclado e vocais), Rita Lee (vocais) e Sérgio Dias (guitarra, baixo, vocais). Também participaram do grupo Liminha (baixista) e Dinho Leme (bateria). - Fonte Wikipédia
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