Capítulo 1
Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar
Ficou deitado e viu que horas eram
Eduardo e Mônica - Legião Urbana
Rio de Janeiro - 1986
Eduardo abriu os olhos.
7:03.
Se na maravilhosa cidade do Rio de Janeiro, terremotos eram notícia de televisão, então só havia uma explicação para a cama estar tremendo daquele jeito.
- Guga, cara, tá muito cedo. - O Eduardo arrancou o travesseiro de debaixo da cabeça e atirou no irmão pulando em cima dele. - Hoje é sábado. Dá um tempo.
- Hoje é o campeonato do vovô. Acorda! - O Guga continuou saltitando, indiferente às dificuldades de um adolescente em levantar cedo depois de ter ido dormir de madrugada por causa de uma festa. Mas o pestinha chegava lá. E o Eduardo não ia perder uma oportunidade de vingança.
A festa.
Mais um fracasso.
Mais um motivo para hibernar na cama o mais que pudesse.
- O campeonato começa às dez. - O Eduardo derrubou o irmão na cama e o segurou pelos braços e pernas. - Eu falei pra parar! Que saco!
- Mãããeee!!! - O criador de confusão da casa não deixou por menos. - O Dudu tá me machucando!
Eduardo o soltou imediatamente, uma batalha que ele não ganhava nunca era quando um dos irmãos menores reclamava dele para a mãe. Não interessava de quem era a culpa, a corda sempre arrebentava do lado mais forte, no caso, o do Eduardo. O Gustavo saiu correndo, mas parou na porta antes de sair.
- O vovô quer treinar com você antes de ir. Ele disse que você tem quinze minutos pra ir tomar café.
Quinze minutos que seriam muito bem aproveitados, obrigado.
O Eduardo pegou o travesseiro do chão e se ajeitou nos lençóis macios. Vencer a preguiça não ia ser fácil, mas ele fazia qualquer sacrifício pelo avô e se ele queria colocar o time de futebol de botão para treinar antes do campeonato, era isso que eles iriam fazer.
Quem sabe ele não encontrava a Cris no clube?
Ainda era cedo, mas a faixa de sol entrando pela janela já estava queimando seu pé. A Cris não ia perder a chance de pegar uma piscina. O Eduardo podia ir de calção e depois de assistir o avô recebendo o troféu de campeão - coisa certa. Nenhum dos outros velhinhos do clube era fera como ele - ele podia se juntar à Cris, assim como quem não quer nada. Ou talvez, melhor deixar para lá. Melhor pegar leve e dar um tempo depois do fiasco da noite anterior.
Se ao menos a experiência do Eduardo com o sexo oposto não se resumisse a apenas uns beijos aqui, uns rolos ali, ele podia tentar não bancar o idiota com uma menina que estava se mostrando mais complexa do que assembleia da ONU para discutir o desarmamento nuclear. A Cris estava lhe dando bola há semanas e na festa de ontem, os dois tinham batido altos papos, dançado três músicas lentas seguidas, bem coladinhos, e na hora que o Eduardo subiu a mão bem devagar até a nuca da gatinha, a pele dela se arrepiou e ele tomou coragem para fazer o que ele estava doido para fazer há um tempão, beijar aquela boquinha linda. O empurrão que ela lhe deu o pegou de surpresa e ele ficou com cara de tacho bem no meio do salão. Tudo bem, as meninas gostavam de se fazer de difíceis, nenhuma delas queria ficar com fama de galinha, mas cara, isso estava ficando ridículo.
O Renato não fugiu das obrigações de melhor amigo, escutou seus desabafos e sugeriu um gelo na Cris, dizendo que mulher era desse jeito, quanto mais você corria atrás, menos elas te davam valor. Agora, era só suspeitarem que o cara estava em outra que elas invertiam o jogo e partiam para o ataque. Testar essa teoria não era má ideia. Ele não tinha mais nada a perder e estava cansado desse joguinho imaturo de quero-não-quero. E seria bom ser o perseguido ao invés de o perseguidor, pela primeira vez na vida.
Então, nada de piscina.
Quando seus quinze minutos acabaram, o Eduardo vestiu a camisa do pijama e foi direto para o banheiro, que, por sorte, estava liberado. Numa casa com sete pessoas e um banheiro, isso era acontecimento raro e muito valorizado. Depois de terminar sua higiene matinal, ele seguiu o cheirinho de café até a mesa na sala.
- Bom dia. - Ele se espremeu entre o avô e o Alex.
Alguns responderam, outros estavam mais ocupados em comer. Normal.
Seus olhos percorreram a mesa farta, café, leite, Nescau, bolo de chocolate, biscoito, queijo, manteiga, requeijão, mel, e... Cadê o mais importante?
- Acabou o pão? - O estômago do Eduardo roncou alto em solidariedade à sua revolta.
- Espera aí. - A mãe foi na cozinha, voltando logo em seguida com um saquinho marrom da padaria. - Eu guardei um pedaço de bisnaga pra você.
- Valeu, mãe!
- Puxa saco - o pai implicou com carinho, e se levantou para dar um beijo de despedida em cada um. Ser patrão não era fácil e ele fazia questão chegar mais cedo e dar o exemplo, principalmente no dia mais movimentado da sapataria.
- O menino tá em fase de crescimento - o avô defendeu, ganhando o usual aperto no ombro.
- Eu também quero mais pão. - O Guga colocou lenha na fogueira.
- Toma. - A Kátia estendeu um pedaço de alguma coisa que podia, ou não, ser pão babado para o irmão.
- Eca! - Ele fez cara de nojo e mostrou a língua para o Eduardo que continuou a mastigar seu pão com manteiga bem devagar, com o sorriso mais debochado que conseguiu colocar no rosto.
- Come mais bolo. - A mãe restaurou a paz na mesa do café, servindo uma fatia de bolo de chocolate para o implicante.
- Dudu, me mostra de novo aquele truque com a palheta que parece que a bola vai pra um lado, mas vai pro outro? - O avô nem esperou a resposta e começou a levantar. - Posso arrumar a mesa?
- Pode. Mas relaxa vô, o senhor vai detonar aquela velharada lá do clube.
- Eduardo! - A mãe levou a mão ao peito. - Isso é jeito de falar?
- Que jeito?
- Não é velharada, é idoso.
O Eduardo revirou os olhos, e comeu mais um pedaço de pão para resistir ao impulso de replicar. Essa era outra discussão que seria pura perda de tempo, e o avô já estava colocando a mesa de botão no meio do chão da sala.
- E arruma a sua cama antes de sair. Hoje é dia de trocar o lençol. - A mãe lhe lançou um olhar inflexível.
- Tá bom.
- E leva a roupa suja lá pra área. Não esquece as meias debaixo da cama - ela continuou. - E de tarde, eu quero que você separe as roupas que não te servem mais pra eu levar pra igreja amanhã. Hoje, sem falta. Entendeu?
- Entendi, mãe. - Ele sentiu uma leve pontada na cabeça.
Como as mães conseguiam transformar uma simples arrumação de cama em uma enorme reorganização de guarda roupa era um mistério que ele nunca iria desvendar. Nem queria.
A bagunça barulhenta da mesa do café da manhã continuou, enquanto o Eduardo se servia de um enorme pedaço de bolo. Fase de crescimento era tudo de bom.
Família também.
Eles podiam ser irritantes, implicantes, pegar no pé e te envergonhar na frente dos seus amigos, mas ali, naquele apartamento apertado, estavam as pessoas com quem ele podia contar para qualquer parada para o resto da vida.
E isso, ele não trocava por nada nesse mundo.
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