Tabloides e a Falta de Espírito Natalino
"Vai ficar tudo bem, Lena! Tenho certeza de que eles vão gostar de você!"
Sei que Sean tinha a melhor das boas intenções ao se aproximar de meus ouvidos e tentar me acalmar, mas o fato é que nem ele seria capaz de conter meus nervos nesse momento. Na verdade, ele só piorava tudo! A proximidade de seus lábios em meu rosto ainda me causava arrepios, mesmo depois de meses juntos. E não era disso que eu precisava horas antes de conhecer meus sogros.
Para ser sincera, eu ainda lutava com a ideia de que já fazia um ano desde que nos conhecemos, durante seu último show no Brasil. Os meses passaram voando! Não estava muito cedo para conhecer os pais dele?
Onde raios eu estava com a cabeça quando aceitei passar o Natal em Pickering? Quero dizer, quando São Paulo deixou de ser uma opção viável?
Tudo bem, haviam partes positivas.
Por exemplo, todos conhecem Sean por lá, o que significava que finalmente poderíamos passear pelas ruas sem sermos abordados a cada segundo para que ele pudesse tirar uma foto ou dar um autógrafo. Fazia parte, não?
Eu provavelmente assinei um termo com a vida, que continha cláusulas sobre as desvantagens em se namorar uma celebridade. Cláusulas essas que, claramente, esqueci de ler.
Outro ponto positivo: NEVE! Só Deus sabe o quanto eu esperei por esse momento. Neve, gingerbread e eggnog. Obrigada, Netflix, por me proporcionar tamanho conhecimento sobre o Natal dos sonhos.
No entanto, de acordo com Google, a maior atração turística da cidade é um píer para observação da natureza.
Um.
Píer.
Como melhor atração da cidade.
E não para por aí, as outras nove atividades que você não pode deixar de fazer ao visitar Pickering também envolvem a natureza. Estava me esforçando ao máximo para parecer animada, mas encontrei dificuldade a cada busca feita on-line. Minha mãe me diria para simplesmente parar de pesquisar.
Mas a quem eu quero enganar? A cidade é o menor dos meus problemas. Minhas reais preocupações são os pais de Sean, principalmente porque sei que os dois estão cientes sobre Mateo, meu ex-noivo a quem eu ainda namorava quando conheci o filho deles, e sobre o pequeno piti que dei quando Sean assumiu que gostava de mim.
É completamente aceitável que a percepção que os dois possuem de mim seja péssima: uma mulher mais velha, que já foi noiva, teve problemas em assumir seus reais sentimentos por Sean e...Ah, esqueci a melhor parte, ficou relativamente conhecida, a ponto de ganhar a vida escrevendo on-line, depois do início do relacionamento com ele. Realmente, me parece o combo perfeito para definir uma interesseira.
Foca, Elena, não é momento de ficar alimentando essas caraminholas.
Sean encaixou seus dedos nos meus e passou a outra mão por seu cabelo, ajeitando seus cachos para trás. Não pude evitar sorrir e encará-lo de uma maneira provavelmente um pouco assustadora.
Eu simplesmente não me acostumaria nunca em tê-lo tão próximo a mim.
Senhores passageiros, estamos nos preparando para pousar. O clima em Toronto é de -3°C e devemos aterrissar por volta das 18h45 min, por gentileza afivelem os cintos e endireitem os acentos.
Pude sentir seus dedos apertarem levemente os meus, numa segunda tentativa de me acalmar, já que Sean sabia o quanto eu odiava voar. Ele levou nossas mãos em direção a sua boca e depositou um beijo próximo aos nossos dedos.
"Só mais algumas horas até chegarmos."
E ali, com aquele sorriso de menino que só ele tinha, meu coração se espremeu mais um pouquinho. Eu havia tentando inventar todo tipo de desculpas para evitar esse encontro e, agora que estávamos a caminho, notar o quanto ele ficava feliz em estar próximo de casa me fazia sentir uma tremenda filha da mãe.
Subimos o capuz de nossas jaquetas e utilizamos uma saída alternativa do aeroporto, o que não adiantou muita coisa: já havia em torno de umas cem pessoas nos esperando perto do carro que deveríamos pegar.
Uma coisa o relacionamento com Sean me ensinou: paciência.
Sean dominava essa arte há muito tempo, mas eu ainda estava aprendendo. Eu teimava em calcular as horas que levaríamos para fazer algo com base no tempo de uma pessoa normal, me esquecia completamente de que ele não se encaixava nessa categoria. Mas Sean, que mais parecia uma estátua perto dos jornalistas, era outra pessoa perto dos fãs. Ele abria o sorriso que eu tanto amava, e todos em sua volta se derretiam junto comigo, e eu entendia. Sempre que nos encontrávamos com alguém que o admirava, eu conseguia enxergar minha versão fã na pessoa. Poderia ser a milionésima foto para Sean, mas era a única daquele alguém e ele tratava cada uma dessa maneira.
Então, após todos os abraços e imagens devidamente tiradas, seguimos nossa viagem ao som de Michael Bublé com suas canções especiais de Natal, apesar dos protestos de Sean – que já não aguentava mais minha mania de ouvir a mesma música mil vezes.
Ao iluminar dos faróis do carro, era possível notar lá fora os pinheiros salpicados de neve, enquanto avançávamos quilômetro por quilômetro, cada vez mais próximos da hora em que eu seria linchada pela família Hill.
"No que você está pensando?"
Em todas as maneiras que sua mãe poderia ter um ataque histérico quando notar o quão mais velha eu realmente sou ao vivo.
Era o que eu queria responder, mas me faltou coragem. Ao invés disso, inventei uma mentira sobre todos os presentes que eu ainda não havia conseguido comprar.
O que não era total mentira.
Senhor, e se Pickering não tivesse um shopping? E se eu fosse obrigada a dar de presente biscoitos caseiros? E por "dar de presente biscoitos caseiros", quero dizer, e se eu não tivesse outra escolha a não ser assar biscoitos caseiros e todos descobrirem que nem cozinhar eu sei?
Minha avalanche de pensamentos foi interrompida por uma mensagem de minha amiga, Nina, que, como se eu não estivesse nervosa o suficiente, resolveu dar uma de esfinge e lançar um enigma.
"Sei que não adianta falar para você não ler as notícias, pois serei ignorada como sempre. E, como sei que isso chegará até você de qualquer maneira, resolvi me antecipar. Só queria adiantar que pesquisei por aqui e não é nada do que estão noticiando. Eles só tiveram um casinho e foi há muito tempo atrás. Sem estresse."
"QUÊ? Eles quem? Como assim um casinho?"
Tentei enviar a mensagem desesperadamente, mas estávamos entrando em uma área sem sinal.
Era só o que me faltava! Procurar na internet então seria impossível. Às vezes, o universo simplesmente parece testar nossos limites.
Passei o resto do trajeto colocando e tirando o telefone do modo avião, para ver se, devido à minha insistência, o aparelho encontrava um pontinho sequer de sinal e me permitia trazer um pouco de paz ao coração. A parte boa é que eu, finalmente, havia me esquecido da preocupação pré-encontro com Sr. e Sra. Hill.
Mas foi somente quando viramos a rua da casa de Sean, que meu celular deu sinal de vida e eu consegui desvendar a mensagem de Nina. A notícia que circulava por todos os sites de fofoca do momento era sobre a volta de Sean Hill à Pickering e o reencontro com sua antiga namorada do colegial, Abigail Tate.
Nada sobre Elena Amaral e o encontro com a sogra.
Nadinha.
Nem uma notinha de rodapé.
Nunca pensei que eu ficaria tão ofendida por não ser citada pelos jornais. Quero dizer, ultimamente os paparazzi eram uma parte de nossa rotina, e eu já havia me acostumado. Como eles puderam me trair dessa forma e noticiar Abigail Tate?
Logo. No. Natal.
Ah, não, espera! Havia uma notícia que me mencionava, no fim das contas. Ela era a responsável por questionar se o nosso relacionamento sobreviveria a esse tão esperado reencontro de Sean com seu primeiro amor.
Perfeito. Era justo esse o incentivo que eu estava precisando.
E eu aqui, achando que as notícias trariam fotos nossas ao lado de um grande pinheiro natalino, usando gorros de rena e etc.
Aparentemente, a única pessoa a vestir os chifres aqui sou eu.
"Lena!"
Tive meus pensamentos interrompidos por uma voz com forte sotaque Canadense, enquanto a mãe de Sean, Nora, tentava abrir a porta do carro, sem sucesso. Pensei por alguns instantes em garantir que a trava se mantivesse abaixada, evitando assim que ela conseguisse adentrar ao meu espaço, mas Sean foi mais rápido que eu, e praticamente senti o abraço da mulher no mesmo instante em que ouvi o botão de liberar as travas sendo apertado.
No entanto, antes que ela pudesse me puxar efetivamente para fora do veículo, consegui olhar diretamente para Sean e, devido a expressão dele, minha feição não devia estar nada boa.
Juntando todas as minhas forças e falando em português bastante vagarosamente para que ele pudesse entender, o questionei:
"Quem raios é Abigail Tate e por que eu só descobri sobre ela através dos jornais?"
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