Suéters e a Ilusão da Festa à Caráter
"Nós preparamos uma festa na casa de sua avó, Sean! Estávamos somente esperando vocês chegarem para irmos até lá! Se arrumem bem rapidinho, ok? Não podemos atrasar muito mais."
Nora possuía um inglês bastante carregado e gesticulava com a mesma intensidade com que falava, fazendo com que eu tivesse pouco tempo para processar todos os acontecimentos. Não era nada disso o que eu tinha em mente. Em meu planejamento perfeito, nós chegaríamos e eu entregaria alguns doces típicos que trouxe do Brasil, Nora e Edward agradeceriam felizes enquanto tomávamos um chá, e então Sean e eu iríamos para o quarto, pois estávamos muito cansados e precisaríamos repousar.
Mas cá estava eu, em um quarto de hóspedes sozinha – aparentemente, só poderíamos dormir no mesmo cômodo depois do casamento. Acho que os Hill ignoravam o fato de que nós dois morávamos juntos em Vancouver quando Sean não estava em turnê. Além disso, havia um suéter de rena meticulosamente dobrado em cima da cama.
Eu deveria vesti-lo? Porque, sinceramente, era terrível. Por mais que eu amasse a ideia do suéter com imagens natalinas, aquela peça parecia digna de museu.
"Lena, você está pronta? Precisamos ir."
Talvez, não vestir o suéter causasse mais estresse no resto de minha vida do que a vergonha que eu passaria usando naquela noite. Além do mais, acreditava que todo mundo estivesse com o mesmo estilo brega. A peça era uma tradição de Natal no frio, não? Escolhi por vesti-la e colocar meu casaco por cima, me recusando a olhar no espelho nesse meio tempo, tendo a certeza de que nada estava certo naquela combinação.
Sean, ao contrário, estava maravilhoso com sua jaqueta de sempre. Considerei comentar sobre a roupa natalina que ele deveria estar usando por baixo, mas tive medo de ser ofensiva. Não poderia começar criticando as tradições familiares, não é mesmo? Só esperava que ele estivesse tão ridículo quanto eu.
Nossa entrada na casa havia sido tão conturbada, que eu não tive tempo de notar toda a decoração do ambiente.
Uau.
Aquela família levava a data mais a sério do que a maior parte do Brasil. Nora havia distribuído pequenos Grinchs com gorros de Papai Noel por toda a lateral da escada que levava até os quartos principais.
"Me desculpe sobre Abigail, eu olhei as reportagens agora, mas não fazia ideia de que iriam desenterrar essa história e... Jimmy!" Sean foi interrompido por seu cachorro gigantesco, que pulava desesperadamente como se não visse o dono há várias vidas.
"Jimmy, essa é a Lena!" Ele acrescentou, enquanto o animal me cheirava por completo, fazendo pausas vergonhosas entre a virilha e insistindo ainda mais na região do peito. Desejei que o suéter me engolisse por completo naquele segundo.
"Nós conversamos sobre ela quando chegarmos a festa, Sean." Eu não queria ser a barraqueira do momento, mas minha insegurança só crescia e, para falar a verdade, não estava mais nem cabendo naquele suéter gigantesco.
Seria muito ruim pedir à Deus que a tal da Abigail tivesse envelhecido muito, muito mal?
Sentada entre Sean e Jimmy na parte de trás do carro, eu não era capaz de elencar todas as minhas preocupações, devido ao rumo que essa lista tinha tomando. Mas isso não me impediu de tentar, e gastei a maior parte do tempo pensando em saídas estratégicas caso tudo desse errado.
E se, ao colocarem os olhos um no outro, Abigail e Sean descobrirem que nasceram para ficar juntos e nunca deixaram de se amar?
Você chama um taxi e vai embora para o aeroporto, Elena. Não é como se o seu cartão de credito não pudesse aguentar uma passagem parcelada em doze vezes.
E se a família toda me odiar e o jantar for uma intervenção para que Sean caia na real e largue a velha que ele chama de namorada?
Isso sequer é uma pergunta válida?
Tive a impressão de que, cada vez mais, minha consciência vinha se assemelhando à Nina. Como eu sentia falta dela todos os dias. Mudar para Vancouver parecia algo natural para estar perto de Sean, mas o Brasil me fazia falta diariamente.
Dei uma verificada rápida nos comentários do blog também, e todas eles tratavam sobre Abigail.
Caramba, em que mundo eu estava vivendo?
Foi só quando inventava mais uma caraminhola mentalmente, que Edward me deu o maior motivo de todos para temer:
"Nora! Não acredito! Nós esquecemos novamente o suéter de minha mãe em casa! Você não disse que o deixaria em um lugar visível dessa vez? Onde o colocou?"
Infelizmente, eu não só sabia exatamente onde ela havia colocado a peça (EM CIMA DA MINHA CAMA!), mas também tinha a exata localização do suéter no momento.
Oh, céus.
Era por isso que ele tinha aquele cheiro esquisito.
"Tudo bem, Lena? Você ficou meio pálida de repente." Ouvi Sean questionar, enquanto Sr. e Sra. Hill tentavam se lembrar onde haviam guardado a blusa da vovó Hill.
Minha sugestão? Ela deveria ter sido colocada no lixo.
Afundei o máximo que consegui em meu assento. Não foi muito uma escolha consciente, mas eu gostaria muito de ter entalado no carro naquele momento e, infelizmente, perder a festa de Natal.
Como eu sairia daquela situação? Iria até o banheiro, enfiaria o suéter no lixo? Diria que estou com muito frio e não tiraria a blusa de cima? Me enrolaria no papel higiênico, daria uma de múmia e fingiria que é a última moda na Itália?
Assim que entramos na casa, avistei Abigail. Ou, pelo menos, acreditava que aquela era ela.
E eu achando que meu maior problema era o suéter.
A garota estava vestida quase como a própria auxiliar de Papai Noel de shopping. Um vestido vermelho que caía extremamente bem em seu corpo, os cabelos encaracolados perfeitamente arrumados na altura dos ombros e, para coroar, um lindo gorro natalino.
Nada de suéter temático.
A única pessoa que usava um desses na sala era uma criancinha, provavelmente prima de Sean.
E eu, obviamente.
Com minhas grandes olheiras que havia adquirido dormindo pouco essa semana, devido a ansiedade do encontro. E meu cheiro de naftalina, presente antecipado da vovó Hill.
"Sean! Quanto tempo! Que bom que vocês chegaram. E você deve ser Elena, certo?" Abigail se aproximou de nós dois, com um enorme sorriso no rosto. Tive que assumir, a garota era bonita. De repente, senti uma grande saudade da época que éramos só nós dois em meu apartamento em São Paulo. Nada de ex-namoradas lindas e alusão à possíveis términos no jornal - pelo menos, não entre Sean e eu.
Após todos os cumprimentos e minhas melhores tentativas de ser simpática, Sean resolveu ser muito solicito, como sempre, mas meu coração congelou no mesmo momento em que ouvi a frase saindo de sua boca:
"Me dê seu casaco, Lena. Vou guardar para você."
Enquanto ele retirava sua própria peça de roupa, pude verificar que ele não estava utilizando nenhuma referência ao Natal por baixo.
Sim, eu ainda tinha essa ilusão.
"Sabe o que é, não vai dar pra tirar não. Eu não estou com calor."
"Agora, mas já já você estará. O aquecedor está ligado, não há necessidade do casaco, eu prometo. Qualquer coisa, posso pegar novamente para você."
"Não, Sean. Você não está entendendo, eu realmente não posso tirar o casaco."
Discretamente, o conduzi para o canto da sala, e contei a confusão toda. Tive até que explicar o porque de não ter questionado a ele sobre o suéter, tentando evitar uma quebra nas tradições natalinas logo no primeiro dia de minha estadia.
Sean, como já era de se esperar, teve um ataque de risos que durou muito mais tempo do que eu gostaria.
"Pode parar de rir agora mesmo! Você não entende o quão grave é essa situação? Como eu vou tirar essa blusa agora? Seus pais vão achar que eu sou uma louca, que sai roubando roupas por aí!"
"Eu tenho uma ideia, Lena." Ele acrescentou, enquanto tirava a outra peça que estava utilizando.
"Não, não, não. Nem morta que você vai ficar dando sopa sem blusa por aqui, ainda mais perto da mamãe Noel." Acrescentei, enquanto virava a cabeça em direção à Abigail.
"Eu estou usando uma camiseta por baixo, sua maluca. Pronto, coloque essa minha, ok? Eu digo que acidentalmente derrubei bebida em você, ninguém vai desconfiar."
Por mais que a blusa de Sean continuasse gigantesca em mim, a vergonha com ela seria muito menor do que aparecer com aquela relíquia em público. Além disso, ela cheirava muito melhor também.
Enquanto guardava cuidadosamente o suéter em minha bolsa, escutei uma conversa vindo da cozinha. Nora e a irmã de Edward estavam falando em um volume mais baixo do que o normal e, por mais que eu não me orgulhasse muito disso, estiquei um pouco o pescoço para ouvir melhor.
"...Eu acho que não combina com Sean, Nora. O que você acha de Abigail?"
"Você está certa, faz muito mais sentido!"
Que noite, universo.
Isso porque elas nem haviam me visto no suéter.
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