0.9 | ABSTINÊNCIA
DESSA VEZ a primeira coisa que senti quando recobrei a consciência foi a textura macia embaixo do meu corpo. Eu me movi devagar, percebendo a mudança de posição. Tendo passado tantas horas amarrada naquela cadeira, estar deitada no que parece ser uma cama é uma mudança e tanto.
Abri os olhos e me sentei rapidamente, o instinto de alerta tomando conta do meu corpo. Olhei envolta e constatei que estava realmente em um quarto, mas não faço ideia de como vim parar aqui. Eu me levantei da cama e a primeira coisa que fiz foi procurar por uma janela, o que obviamente não tinha em lugar algum. A porta estava trancada o que também não é uma surpresa.
Arrebentar a maçaneta não foi difícil, assim que passei pela porta me encontrei em um longo corredor. Eu ainda estou no bunker dos Winchester, isso é um fato, no entanto, não entendo o mudança de cativeiro. Eu não me sinto diferente, com certeza contínuo sendo um demônio. Então por que me trouxeram para cá.
Confirme caminhava lentamente ao longo do corredor, pude ouvir vozes. Sam, Dean e um terceiro que não conheço. Estavam discutindo sobre alguma coisa, porém quando me aproximei o bastante para que meus passos pudessem ser escutados, os três pararam de falar.
- Não queria atrapalhar as três espiãs demais - Falei assim que parei no arco de entrada do que parecia ser a enorme biblioteca que vi quando cheguei aqui. Os três estavam reunidos no centro do cômodo.
- Como saiu do quarto? - Sam perguntou.
- Arrombei a fechadura - Respondi.
- Claro que você fez isso - Ele revirou os olhos.
- Vou colocar ela para dormir novamente até decidirmos o melhor a ser feito.
Olhei na direção do terceiro homem, aquele que não conheço, ele tem cabelos pretos e usa um sobretudo, está caminhando na minha direção com dois dedos erguidos e isso me faz recuar.
- Se tentar encostar esses dedos em mim, vou fazê-los parar em um lugar bem desconfortável - Ameacei. Algo nele não parecia bom para mim.
- Opa, opa, calma lá - Dean interferiu. Ele se aproximou rapidamente de nós e colocou um mão no ombro do homem de sobretudo. - Raven, este é Castiel. Castiel, esta é Raven. Cass é um anjo.
Eu e Castiel tivemos uma troca de olhares bem hostil. Então é isso. Um anjo. Os emplumados que vivem com a cabeça enfiada na bunda.
- Eu deveria ter sentido o cheiro de frango queimado - Falei, medindo-o de cima a baixo.
- Já eu posso sentir muito bem o cheiro de enxofre.
- Os dois parem já com isso - Dean mandou. Ele se virou para mim. - Como está se sentindo?
- Bem, eu acho - Falei meio confusa. - Quero dizer, eu aínda me sinto demoníaca, então não sei se o plano funcionou.
Dean olhou por cima do ombro na direção do irmão. Sam começou a se aproximar também, falando:
- Nós não finalizamos o tratamento.
Inclinei a cabeça, agora decididamente estava confusa.
- O que rolou? - Questionei, olhando para o loiro. - Você parecia ter tanta certeza do que queria.
- Você não teria resistido se tivéssemos ido até o fim - Ele deu de ombros. - Talvez tenham outras maneiras, vamos manter você por perto até descobrir como.
Essa não parecia toda a verdade, Dean ainda estava escondendo alguma coisa, mas não toquei mais na ferida.
- Tá dizendo que ganhei uma hospedagem na mansão Winchester por tempo indeterminado? - Perguntei com um sorriso. - Isso é legal, a propósito, gostei do quarto novo é bem melhor do que o calabouço.
- Dean, Sam, não é apropriado, ou seguro, ou... - O Anjo começou, porém foi silenciado pelo loiro.
- Relaxa, Cass - Dean apontou para mim. - Ela é inofensiva.
- Menos no quarto - Fiz sinal de garras com as mãos, imitando um rosnado para zombar do anjinho.
Sam bufou, Castiel revirou os olhos e Dean me lançou um olhar de reprovação.
- Você não está ajudando.
- Quem disse que meu objetivo era esse?
Ele se afastou e foi em direção da mesa onde se serviu de uma dose de whisky. Eu o segui.
- Tem um desses para mim? Eu preciso de uma bebida depois de toda aquela carga emocional.
Dean me olhou de maneira esquisita. Percebi a tensão e disfarcei um sorriso ao perceber que ele não contou tudo o que aconteceu na masmorra aos escudeiros dele. Ele seviu a bebida e empurrou o copo em minha direção. Tomei a dose de um só vez e empurrei o copo contra o peito dele. Dean o segurou antes que caísse.
- Acho que precisamos conversar - Falei, diminuindo meu tom. - Você sabe... sobre o que aconteceu.
- Você deveria descansar - Ele deixou o copo na mesa. - Podemos não ter completado o ritual, mas injetamos muito sangue humano em você, você ficou um tempo apagada.
- Minha cabeça está ótima - Resmunguei entredentes.
Dean de preparou para dizer alguma coisa, porém foi interrompido quando Sam de aproximou com seu notebook aberto.
- Não quero atrapalhar a reunião de vocês, mas, Dean, conseguimos o endereço.
- Ótimo, pegue suas coisas, estamos indo - Ele disse prontamente.
Observei confusa enquanto os três começavam a se movimentar de um lado para o outro. Segurei na barra da camisa de Sam antes que ele se afastasse o suficiente.
- O que está acontecendo? - Perguntei para Sam que hesitou antes de responder.
- Não tem nada a ver com você, não se preocupe - Disse de maneira evasiva. - Cass nos pediu ajuda, então vamos ter que sair por um tempo.
- Espera, está me dizendo que vão me deixar trancada aqui por sabe-se lá quanto tempo?
- Não é como se você fosse se atrasar para algum compromisso - Dean surgiu atrás de mim, deixando uma bolsa encima da mesa. - Além do mais, Crowley ainda está procurando por você. É mais seguro se você ficar por aqui.
- Seguro? - Me virei na direção dele. - Tá brincando comigo?
Dean revirou os olhos.
- Não podemos sair por aí com uma demônio no banco de trás - Disse, pegando a bolsa e a jogando no ombro. - Ficando aqui você nos poupa de problemas e se poupa também.
- Não vou ficar sozinha neste lugar como um cão amarrado na coleira - Falei. - Se acha que vai me encontrar no mesmo lugar quando voltar, você está errado.
- Boa sorte em tentar sair - Foram suas palavras antes que ele começasse a caminhar em direção as escadas, me deixando para trás. - Não vamos demorar.
- Dean! - Chamei, só para ser ignorada. Ele seguiu escada acima com o anjo das asas quebradas à tira colo.
Sam passou por mim também, assim como o irmão estava levando uma bolsa por cima do ombro. Ele me lançou um rápido olhar, porém não disse nada.
A porta de metal bateu e um mecanismo de tranca foi acionado ressoando por todo o bunker. Eles me deixaram mesmo aqui sozinha.
AS PRIMEIRAS horas foram fáceis, até divertidas se posso admitir. Eu explorei uma boa parte do lugar, espiando e mexendo e praticamente tudo o que encontrasse e achasse interessante. Passei um tempo na biblioteca avaliando os livros e registros, o que é muita coisa. Claro que sou mais velha do que muitas delas, mas ainda é legal.
Quando comecei a ficar entediada decidi explorar os quartos. Era uma parte do bunker que eu aínda não havia olhado além daquele momento que acordei. Algumas áreas não passei perto por terem armadilhas do diabo. Voltei pelo mesmo corredor pelo qual havia percorrido antes, não vendo nada de muito interessante. Cheguei na primeira porta, estava destrancada, mas era só um quarto vazio. A seguinte já estava trancada e imaginei que pudesse ser de um dos irmãos.
Sem dificuldade nenhuma da minha parte a tranca foi quebrada. Abri a porta com um empurrão suave e quando avancei para entrar, fui impedida pelo que parecia ser uma parede invisível. Revirei os olhos quando localizei a fina linha de sal ao longo de toda a soleira. Proteção anti-demônios. O dono do quarto deve querer se certificar de que eu não chegaria perto, mas eles sabiam o que poderia acontecer me deixando aqui sozinha, então que se dane.
Me ajoelhei em frente a linha de sal e a observei brevemente. Eu poderia afastar com a ponta da minha bota, sem tocar realmente, mas eu também posso soprar até romper uma pequena parte da linha. O sal se deslocou e abriu uma brecha, quebrando a proteção, com isso o local se tornou de livre acesso para mim. Era o quarto de Sam. Eu pude perceber isso no segundo em que entrei. Era limpo e organizado demais para pertencer ao irmão bagunceiro dele. Dean não saberia manter um ambiente deste jeito nem se sua vida dependesse disso.
Olhei as gavetas da cômoda e não encontrei nada demais. Depois passei para o banheiro e novamente não havia nada de interessante. Voltei para o quarto e me joguei na cama que parecia ter sido minuciosamente arrumada mais cedo. O cara é gato, mas profundamente tedioso. Além da faca embaixo do travesseiro, o que é compreensível, nada fora do normal. Eu tenho certeza de que ele é o tipo que limpa até embaixo da cama.
Me inclinei, ficando meio de cabeça para baixo e espiando embaixo da cama.
- Eu sabia!
Soltei quando meus olhos varreram o espaço completamente limpo.
Voltei para cima e me levantei com um salto, partindo para o quarto seguinte sem me preocupar em cobrir os rastros da minha passagem pelo quarto.
- Agora sim - Murmurei satisfeita quando encontrei a porta seguinte destrancada, mas também contando com uma linha de sal. Burlei rapidamente o sistema de segurança patético e entrei. Era o quarto de Dean e eu percebi tão rapidamente quanto o primeiro.
A primeira coisa que me atingiu foi o cheiro. Era o cheiro dele. Menos almiscarado do que antes, porém aínda dele. Amadeirado, whisky e... e algo que não sei como definir. Poderia ser a mistura a loção pós barba dele e a colônia, mas era único.
O quarto estava desorganizado, é claro, mas eu reconheço o esforço dele em algum nível para manter a civilidade. Encima da cômoda havia algumas roupas, reconheci muitas delas. Suas flanelas, principalmente. Dentro da gaveta haviam outras peças de roupas, mas algo chamou minha atenção. O brilho prateado entre as roupas, um canivete. Bem, Sam guarda uma faca embaixo do travesseiro, então eu não estou surpresa. No entanto, aquela não era a única arma escondida no quarto. Dean tem muitas outras espalhadas em locais estratégicos, até mesmo no banheiro.
Me aproximei da pequena cômoda ao lado da cama e avistei outra coisa. Sem armas dessa vez, eram apenas fotos. Franzi as sobrancelhas enquanto observava as imagens. Dean e o irmão em uma, outra com o que parecia ser ele mais jovem e um Sam muito menor do que é hoje. Na terceira, provavelmente é seu pai que está ao lado.
Torci meu lábio, de repente eu havia ficado pensativa. Ver estas fotos estavam despertando memórias que eu nem mesmo sabia que aínda eram possíveis de acessar. Coisas que há décadas não passavam pela minha cabeça. Eu as empurrei de volta para o fundo o quanto antes, me recusando a permitir que elas emergissem. Não, isso não é aceitável. Não para mim.
Me sentei na beirada da cama dele. Distraída, ainda com as fotos em mãos, mas as mesmas já esquecidas. Pensei no que aconteceu na masmorra antas que eu apagasse. Dean disse que o sangue estava fazendo efeito e por isso eu estava falando e sentindo todas àquelas coisas. Eu não sei o que pensar sobre isso.
Minha natureza demoníaca aínda esta aqui. Eu ainda gosto de ser o quê sou e quero continuar sendo. Mesmo assim, àquilo que falei não era mentira. Eu gosto do bastardo. Quando ele me defendeu de Crowley, quando me resgatou... por mais que existisse a hesitação quando estava perto de mim, Dean não me tratou como se espera que um caçador trate um demônio.
Não é só o inferno que nos corrompe. Não, não é. É claro que nosso tempo lá nos atira nas trevas e suga qualquer senso de humanidade que temos, mas quando você está entre essas criaturas e isso é tudo o que você conhece, é impossível não se tornar cada vez pior e não se acostumar com o pior lado de tudo.
- Ah, merda...
Xinguei baixo, deixando as fotos na cômoda e me levantando irritada da cama. Saí do quarto batendo os pés pesadamente no chão. Aborrecida com toda àquela linha de raciocínio pela qual meus pensamentos estavam enveredando lentamente. Talvez Dean estivesse certo sobre o sangue e ele tivesse me amolecido. Precisaria concluir o ritual para me tornar humana, mas a quantidade que ele me deu foi o bastante para me fazer ter essas ideias patéticas.
Cruzei o corredor de volta para a biblioteca e segui depressa até as escadas que levavam a saída do bunker. Obviamente estava muito bem trancada, mas eu estava crente de que com a quantidade certa de força eu poderia abrí-la.
Bom, eu estava errada.
A porta ficou amassada em vários lugares, mas nada de ceder. Eu estava quase desistindo, mas então as palavras repletas de arrogância e prepotência de Dean Winchester encheram minha cabeça, a forma como ele subestimou a minha capacidade de sair deste lugar.
Voltei as escadas rapidamente, rodando pelo bunker em busca de ferramentas ou algo que eu pudesse usar para detonar a porta. Eu já escapei do inferno, isso não pode ser tão impossível assim.
Descobri que eu havia encontrado ouro quando em uma das salas me deparei com um arsenal com todo tipo de arma. Meus olhos brilharam quando pousaram em uma em específico. Uma risada escapou pelos meus lábios quando eu soube imediatamente a quem pertencia àquela coisa, alguém que com certeza teria muito prazer em usar algo assim. Era um lança granadas.
Peguei a arma que não pesava muito para mim. Eu a carreguei com certa facilidade até a porta da frente, subindo as escadas da biblioteca e em seguida as maiores em direção a porta de entrada. Tomei uma pequena distância e posicionei o cano no meu ombro, o recuo seria forte.
Meu dedo pousou suavemente no gatilho, aínda sem acrescentar força o bastante para pressioná-lo. Ajustei a mira, o que não faria muita diferença, afinal uma granada não precisa de precisão na distância em que eu estava do alvo.
No segundo em que estava prestes a apertar o gatilho, a pesada porta de metal foi aberta com o que pareceu ser um empurrão.
- Eu disse que não deveríamos ter deixado ela sozinha aqui!
Através da mira, vi o rosto frustrado de Sam enquanto ele colocava as mãos na cintura.
- Raven, abaixa essa coisa - Dean mandou, passando rapidamente pelo irmão e vindo em minha direção.
- Para trás, cowboy - Alertei, erguendo o lança granadas sem muito esforço.
- Não estou brincando - Ele alertou. Sua expressão visível através da mira era carrancuda.
- Eu também não - Bufei, mas abaixei a arma, apoiando sua bate no chão. - vocês me prenderam aqui.
- Eu disse que não iríamos demorar, droga - Ele tentou avançar para pegar a arma, mas eu a puxei de volta, lançando um olhar de aviso em sua direção.
- Você fez isso? - Sam apontou para o metal amassado. Eu concordei com a cabeça, ele lançou um olhar carregado de "eu avisei" ao irmão.
- O quê? Teria sido melhor se a levassemos conosco? - Dean perguntou ao mais jovem.
- Não falem de mim como se eu fosse o cachorro que comeu o seu maldito sofá - Apontei um dedo de maneira acusatória na direção de Dean. - Vocês me deixaram presa aqui. Eu estava enlouquecendo. O que queriam que eu fizesse?
Dean suspirou. Ele estragou o rosto com as mãos e encarou o chão. Sam jogou sua bolsa no ombro e passou por nós, descendo as escadas com passos pesados de frustração.
- Onde está seu amigo? - Perguntei, percebendo a ausência do anjo.
- Cuidando da própria vida.
- E o lance de vocês?
- Era alarme falso - Ele resmungou.
Ergui o lança granadas e estendi para ele, Dean o pegou com cautela, seus olhos em mim com desconfiança.
- Não vou me desculpar por nada disso - Garanti, dando as costas para ele e descendo as escadas. Ouvi os passos dele me seguindo.
- O que mais você destruiu?
Eu revirei os olhos.
- O que acha que sou? Um bárbaro? - Perguntei, me deixando cair em uma das cadeiras da biblioteca e jogando os pés para cima, apoiando-os encima da mesa.
- Dean!
Era Sam. Sua voz mais do que aborrecida vindo do corredor onde ficavam os quartos. Ele surgiu no arco de entrada da biblioteca e me lançou um olhar raivoso.
- Ela invadiu nossos quartos - Ele delatou. Imediatamente Dean virou a cabeça em minha direção, um olhar acusador.
- Invasão é um termo tão forte - Falei. - eu prefiro dizer que eu explorei o perímetro.
- O que você queria nos quartos?
- Vocês me deixaram trancado por horas neste lugar - Digo, justificando meu comportamento. - Então eu dei uma olhada no lugar. Vocês precisam relaxar, isso não é o apocalipse.
- Mexeu em alguma coisa?
Dean perguntou com olhar sério.
- Não, eu não mexi - Falei. Isso é uma mentira deslavada, mas Dean não precisa saber. Eu afundei na cadeira e comecei a sentir um incomodo desconfortável. Eu já havia sentido isso mais cedo, porém foi mais fácil de ignorar do que está sendo agora. - vocês também estão com frio?
- Só pode ser brincadeira! - Dean revirou os olhos. - Não temos tempo para suas gracinhas.
- Isso é sério - Falei, um calafrio cruzou meu corpo me fazendo tremer da cabeça aos pés. Abracei meu corpo com as mãos. - Ugh... eu estou suando.
Olhei meio enojada. Isso não é normal, pelo menos nunca aconteceu. Demônios podem suar? Isso não deveria estar acontecendo.
Percebi o olhar que um irmão jogou para o outro. Meus dentes estavam batendo uns contra os outros, meu corpo tremia.
- O que está acontecendo? - Perguntei, olhando de um para o outro. - Se vocês sabem que merda é essa então eu também tenho que saber!
Outro calafrio acompanhado por uma onda de arrepios me fez encolher ainda mais na cadeira e gemer.
- Isso é... abstinência - Sam respondeu.
- Crowley ficou assim quando tentamos o tratamento com ele - Dean continuou. - Ele ficou viciado em sangue humano.
- O quê? Tipo... tipo heroína? - Perguntei, meus dentes batendo me fazendo gaguejar ao falar.
- É, mais ou menos - Sam concordou. - Dean, vamos ter que prendê-la outra vez.
Me levantei rapidamente, tropeçando na cadeira.
- Não mesmo! - Eu me opus.
- Você precisa se desintoxicar - Dean tentou se aproximar, mas eu recuei. - Escute, Raven, você precisa passar pela fase da abstinência. A dor será insuportável e se você não estiver presa vai ir atrás de mais sangue.
- Eu não... eu não sou um vampiro, isso não faz o menor sentido.
Eu ainda estava custando a acreditar nisso. Como eu poderia passar por esses sintomas? Como um demônio eu nunca tive problema nenhum com coisas assim. Foram tantos anos na Terra que é claro que já experimentei muita coisa e nenhuma delas me deixou desse jeito. Ao mesmo tempo os sintomas são tão reais que me fazem querer me enrolar no chão como uma bola e implorar pela morte.
Quando meu corpo vacilou e quase foi ao chão, Dean me alcançou com uma rapidez impressionante. Ele me segurou, evitando que eu caísse no chão.
- Você está quente - Ele disse, franzindo as sobrancelhas e analisando meu rosto.
- Eu não to no clima agora - Murmurei, minha voz soou frágil, muito diferente de como ela é de verdade.
Dean revirou os olhos e com outro movimento rápido ele me levantou no colo.
- Você não sabe a hora de falar sério - Dean resmungou. - será que é desse jeito que eu pareço para as outras pessoas?
- É exatamente assim - Sam respondeu atrás de nós.
Dean começou a andar, ainda me levando nos braços.
- Para onde estamos indo?
Perguntei.
- Quarto - Respondeu. - Não vamos trancar você nas masmorras, mas você não pode ficar assim por aí.
Eu praticamente desabei na cama quando ele me colocou sentada no colchão. Meu corpo de torceu de dor quando uma nova onda de calafrio cruzou como um raio.
- Isso não parece estar melhorado - Eu rosnei, me contorcendo na cama. Os sintomas estavam mais fortes e agora eu conseguia perceber a abstinência como Sam disse. A ânsia por alguma coisa que parece estar terrivelmente faltando. Aquela sensação de formigamento quente e confortável que eu sentia desde que acordei não estava mais lá, dando lugar para um vazio frio. O impulso de querer mais, de querer continuar naquele lugar feliz.
- Pode demorar um tempo - Dean respondeu.
- Quanto tempo?
Ele trocou olhares com o irmão e então seu olhar retornou para mim.
- Três dias, ou talvez um pouco mais. Te demos muito sangue.
Puta merda. Tudo o que consigo pensar é nessa maldita dor e no quanto quero que pare. É pior do que quando eles estavam injetando isso em mim, porque agora a dor é pela ausência do sangue.
Eu me sentei na cama, afastando os cabelos do rosto. Eu me sentia pegajosa, suada e mesmo assim tremendo de frio.
- Acho bom os dois idiotas darem um jeito nisso logo - Praticamente rosnei para ambos os irmãos que estavam parados em pé de frente para a cama. - Se essa merda não passar, juro por tudo que vou arrancar o sangue de vocês com as minhas próprias mãos e fazer parar, de um jeito ou de outro.
Neste momento eu tinha certeza de que nunca me pareci tanto com um demônio para eles do que agora. Meus olhos estavam completamente negros e fiz questão de mostrar mais dentes.
Dean soltou uma risada curta, aquele tipo de humor ácido que ele usava para mascarar preocupação e que agora sei perfeitamente como identificar. Ele cruzou os braços e inclinou a cabeça, me encarando com os olhos semicerrados.
— É, boa sorte com isso. Mas, sabe, seria um pouco mais fácil se você colaborasse conosco em vez de dar chilique.
Sam, ao contrário do irmão mais velho, parecia menos confortável com o fato de que eles tinham um demônio raivoso em casa. Ele sempre tinha aquele ar de "cara certo", e a ideia de me ver no limite o deixava inquieto.
— Raven, a gente está tentando te ajudar. Precisa confiar que vai melhorar – A voz dele sugeria calma, o que só me irritava mais estando naquele estado.
— Confiar? – Eu ri, mas não havia nada de divertido nisso. – Vocês acham que confiar vai resolver essa merda? Eu não pedi para ser salva. Não pedi nada disso. Vocês decidiram por mim e agora estou aqui, implorando para que a maldita dor pare, enquanto vocês dois ficam me olhando como se eu fosse um projeto de ciências que deu errado.
Minha voz saiu mais alta do que eu pretendia, mas foi o suficiente para que o rosto de Sam endurecesse e Dean perdesse a expressão cuidadosamente neutra. A tensão no quarto ficou quase palpável.
Dean deu um passo em direção à cama, os olhos verdes brilhando com algo que eu não consegui decifrar.
— Sabe, você pode reclamar o quanto quiser, mas o fato é que você está viva. Não importa o quanto odeie isso agora, você vai nos agradecer por não termos deixado Crowley te destruir quando teve a chance – Ele fez uma pausa, o tom mais baixo, quase um sussurro. – E eu vou garantir que você passe por isso. Mesmo que tenha que te amarrar na cama para impedir que faça uma besteira.
Houve um silêncio pesado. Dean não desviou o olhar, e algo na intensidade dele fez minha raiva vacilar. Ele não estava brincando ou apenas dizendo aquelas coisas da boca para fora. Ele quer mesmo me ajudar.
Eu respirei fundo, tentando ignorar a mistura de exaustão e desespero que parecia apertar meu peito.
— Vocês têm um plano ou é só conversa? — perguntei, cruzando os braços depois de alguns instantes de silêncio. Eu não iria me desculpar pelo momento de surto.
— Temos – Sam interveio, com uma firmeza e velocidade na resposta que era quase um alívio. – Mas precisamos que você aguente firme.
— Qual o plano?
— Vamos fazer o oposto, dar doses de sangue de demônio. Começaremos com poucas e vamos aumentando.
Meu olhar se estreitou.
— E se não funcionar?
Dean respondeu antes que Sam pudesse:
— Vai funcionar. Porque tem que funcionar.
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