0.4 | A HISTORIA NÃO SE REPETE.
— SÓ NÃO SINTA tanto a minha falta – Ela zombou, sua voz aveludada recheada com o deboche que Dean finge não gostar.
— Não ter alguém infernizando meus miolos? Baby, pode ter certeza que não será um problema.
— E não faça nenhuma merda enquanto eu estiver fora, Winchester – Ele a observou mudar o tom de voz quase que para algo protetor. Dean sabia que ela mesma não havia percebido, e preferiu não destacar o ato, então apenas revirou os olhos.
— Claro, mãe – Respondeu com sarcasmo antes de entrar de vez no Impala e dar partida no carro.
ÀQUELA FOI A últimas vez em que Dean a viu em pelo menos duas semanas. Primeiro as ligações pararam. Ela não estava mais checando-o. Ele não teve muito tempo para pensar em ir atrás dela ou tentar outra coisa, já que dois dias depois Sam o alcançou e ele foi arrastado até o bunker para ser curado.
Estar de volta era uma loucura. Dean não conseguia esquecer cada coisa horrível que fez enquanto demônio. Além, é claro, daquela maldita coisa no braço dele que não o permitiria esquecer tão cedo. A marca de Cain parecia queimar diariamente, mas era pior aínda durante a noite, quando ele não precisava se fazer de durão e fingir estar bem na frente do irmão.
Muita coisa de seu tempo como demônio ele de forçava a ignorar, simplesmente não pensar no problema. Talvez isso o fizesse desaparecer, certo? Errado!
Mas essa sempre foi a estratégia Winchester para danos emocionais.
Só existia uma coisa que Dean não conseguia empurrar para o fundo da mente. Raven.
— ... então vamos até Las Vegas jogar e encher a cara – Os ouvidos dele captaram a voz do irmão.
Rapidamente sua cabeça se voltou para Sam.
— Vamos fazer o quê?! – Perguntou, não acreditando que teria escutado corretamente.
— Não escutou uma só palavra do que eu disse até agora, não foi? – Sam suspirou. Ele havia percebido o humor distraído do irmão nos últimos dias desde que ele "voltou". E ele entende que Dean precisa desacelerar. Ele até propôs pescaria, mas relaxar não é bem a praia do irmão, e o mais novo sabe disso. Então no momento Sam está procurando por casos mais leves e simples para ocupar a mente do loiro.
Sam estava justamente falando sobre um novo possível caso. Uma mulher encontrada com a garganta cortada na sala da própria casa em Sacramento.
— Eu estava ouvindo – Dean se defendeu, mas não havia tanta fé em suas palavras. – Eu só estava pensando. Só isso.
— Dean, eu entendo a sensação, mas quanto mais você pensar no que aconteceu...
— Não, não é isso – Dean girou a garrafas gelada de cerveja entre as mãos. – É sobre alguém.
— Alguém?
— Uma garota... uma demônio – Ele se corrigiu com um suspiro.
As sobrancelhas de Sam se franziram. Ele encarou o irmão com confusão.
— Você a conheceu quando...
— É, isso ai – Dean confirmou. – Crowley a mandou ficar na minha cola. Ao que parece, o trabalho era me manter longe de problemas e também... de você.
Ele apontou para o irmão com a garrafa antes de tomar um gole. Sam balançou a cabeça. Agora ele entendia porque era tão difícil rastrear Dean. Tinha uma especialista atrapalhando.
— Mas por que você está pensando nela?
— Eu não sei – Deu de ombros. – Por alguma razão eu continuo pensando na última vez em que a vi.
— Quando foi?
— Dois dias antes de você me encontrar – Respondeu. – Ela tinha algo para fazer que não queria me contar o que era, acho que ia encontrar alguém. Disse que voltaria em no máximo três dias, mas o rádio já estava mudo bem antes.
— É o que tem te deixado tão pensativo? Está preocupado com uma demônio?
Não havia julgamento no tom de voz de Sam. Afinal, ele meio que saberia dizer como o irmão estava se sentindo. Havia apenas preocupação. Ele sabe o que aconteceu da última vez em que se preocupou com algum demônio.
— Preocupado não é a palavra – Dean deu outro gole na bebida, dessa vez mais longo. – Merda, acho que preciso de algo mais forte.
Sam o observou levantar e deixar a longa mesa da biblioteca, seguindo para o bar. Ele sabia o que aquilo significava. Dean estava se afastando da conversa. Fisicamente e figurativamente. Mas ele não deixaria isso acontece. Sam levantou e o seguiu.
— Então ela mantinha você na linha? – Perguntou com um toque de humor, esperando que isso fizesse o irmão voltar a falar.
— É, bem... – Dean resmungou se servindo de uma dose de whisky. – A marca e a espada se alimentam de sangue, e ao que parece elas estavam com muita fome. Ela me mantinha ocupado, desse jeito as brigas e os corpos diminuíram.
— Te mantinha ocupado? – Sam ergueu uma sobrancelha, recebendo um dar de ombros acompanhado por um sorriso malicioso do irmão. – Dean!
— O quê? Ela era gostosa, ta bom?!
Sam respirou fundo, passando as mãos pelos cabelos.
— Certo, certo – Murmurou. – Mas e depois? Você disse que o rádio ficou mudo?
— Ela ligava, para me checar. As ligações pararam – Agora ele estava novamente pensativo. – Tentei algumas vezes, mas ela nunca atendeu.
— Ela é um demônio, talvez só esteja ocupada fazendo coisas de demônio.
— Isso não é muito relaxante, Sammy.
— Eu sei, é que... você nunca se preocuparia com alguém como ela. Eu só estou tentando entender como essa coisa funciona para você.
— Eu também estou tentando entender – Dean grunhiu absolutamente frustrado.
Sam se lembrou do caso, àquilo era sua tábua de salvação. Um caso iria tirar a cabeça de Dean de dentro dessa bagunça pelo menos por alguns dias.
— Tudo bem... vamos arrumar nossas coisas e sair em uma hora para verificar a morte em Sacramento – Sam avisou.
— É disso que eu preciso – Dean deixou o copo na mesa. – Trabalho.
Ele não esperou que o irmão dissesse mais nada e seguiu direto para seu quarto.
DEAN PODERIA admitir que àquilo o estava fazendo bem. Retornar para sua rotina, dirigir seu carro - agora limpo - pela estrada com seu irmão no carona enquanto ouve uma boa música. Isso é melhor do que qualquer pescaria idiota ou férias que ele poderia querer. Estar de volta ao lugar dele.
Dean ouvia enquanto Sam divagava a respeito do que ele sabia sobre o caso, que não era muita coisa. Na verdade, Dean tinha total noção de que aquilo poderia nem se quer ser um caso de verdade. Talvez algum crime terrível, mas comum. Aconteceu há quase duas semanas, não houve mais nada parecido depois, o bairro é tranquilo e tudo parece normal até onde ele pode ver. No entanto, assim como Sam, ele tem o faro de caçador. Ele sabe que quando algo muito brutal acontecesse em aparentes circunstâncias comuns, nem sempre é tão comum assim.
Então agora eles estavam vestindo ternos baratos e seguindo até a delegacia regional da área onde o crime aconteceu. Assim que entraram foram diretamente até o agente policial sentado na recepção e apresentaram os distintivos falsos.
— Bom dia, somos os agentes Walker e Manson, do FBI – Sam fez a encenação de sempre.
— O que o FBI estaría fazendo por aqui? – O policial desdenhou mal olhando duas vezes para os distintivos.
— Investigando uma morte violenta sem solução que aconteceu há pouco menos de duas semanas – Dean respondeu secamente. – Onde está o detetive responsável?
O policial apontou para uma sala localizada mais ao fundo e Dean seguiu sem muita paciência naquela direção. Sam agradeceu ao policial e seguiu atrás do irmão. Antes que entrassem, Sam segurou o braço do irmão.
— Tudo bem, sr. Cabeça quente – ele murmurou. – Você vai ficar quieto e me deixar falar. Do jeito que você está nenhum distintivo no mundo, falso ou verdadeiro, vai nos livrar de uma prisão por desacato.
Dean revirou os olhos e não se deu ao trabalho de responder. Ele bateu na porta e logo ouviram um entre do outro lado.
A conversa com xerifes e detetives costumam ser sempre frustrante. Poucas vezes eles possuem informações úteis ou realmente boas sobre algum dos casos. Fora a personalidade prepotente e desinteressada que parece ser uma regra entre quase todos eles. Este não era uma excessão. Poucos minutos haviam se passado e agora até Sam daria um soco no homem se tivesse a chance.
— Então vocês não investigaram? – O Winchester mais jovem questionou.
— O que tem para investigar? Foi claramente passional. A casa não tem sinal de arrombamento e nada foi levado. Ela deixou a pessoa que fez isso entrar. Não tivemos nenhuma outra ocorrência de crime violento na área desde então.
Ambos os irmãos trocaram olhares. Dean respirou fundo.
— E testemunhas? Alguém deve ter visto alguma coisa.
— Bem, a vizinha do outro lado da rua – O detetive se levantou e caminhou desajeitado até uma mesa onde continha uma cafeteira saindo fumaça para se servir de mais uma caneca.
— O que ela viu? – Sam pressionou.
— Nada que seja importante – O policial deu de ombros. – Só uma velha maluca. Ela falou que a vítima era uma bruxa! Vocês conseguem acreditar nessa besteira?
O homem riu, não dando o mínimo crédito a informação. Sam e Dean tiveram outra troca de olhares e então o mais rapidamente possível estávam deixando a delegacia e seguindo em direção ao endereço onde aconteceu a morte.
— Uma bruxa! – Dean exclama. – O que acham que foi? Um caçador?
— Um caçador não a deixaria degolada no carpete, isso é trabalho de amador.
— Ou de alguém que não da a mínima para o que vem depois – O loiro murmurou pensativo.
— De qualquer forma, como vamos saber quem fez isso? Ela morava sozinha, aparentemente não tinha amigos ou relacionamentos próximos. Tudo o que temos é uma pilha de nada.
— Temos a vizinha bisbilhoteira – Dean argumentou. – E normalmente isso costuma ser alguma coisa.
Dean continuou dirigindo em silêncio até chegar no endereço da vítima. A primeira coisa que notou além das faixas amarelas da polícia, era um carro estacionado alguns metros de distância. Parecía um carro qualquer na rua, mas algo nele era estranhamente familiar. Como se já o tivesse visto antes em algum lugar.
— Dean? – Sam chamou já do outro lado da rua. – O que você está olhando?
Dean balançou a cabeça, começando a caminhar na direção do irmão.
— Nada.
Os dois pararam em frente a casa e Sam tocou a campainha. Rapidamente a porta foi aberta por uma mulher de meia idade, cabelos totalmente brancos e olhos atentos.
— Bom dia, senhora...?
— Carter – Ela responde durante a pausa de Sam.
— Senhora Carter – O mais alto oferece um sorriso polido. – Sou o agente Walker do FBI e este é meu parceiro. Estamos aqui, pois fomos informados que você é uma possível testemunha do assassinato que aconteceu na casa da frente.
Ela franze levemente as sobrancelhas em sinal de desconfiança.
— A policia me chamou de maluca.
— Uhn... sentimos muito por isso – Dean sorriu forçado. – Mas nós assumimos agora e estamos cuidando do caso, o que você tem para nos dizer é muito útil.
— Não tenho muito o que dizer – Ela deu de ombros. – Lorrie McAdams era uma bruxa.
— Que tipo de bruxa? – Sam perguntou, tentando compreender se a velha realmente sabia do que estava falando.
— Vou lhe dizer uma coisa, garoto – Ela apontou para a casa da frente. – Àquela mulher se mudou para frente da minha casa há 10 anos e eu não a vi envelhecer um único maldito dia. Eu não tinha esses cabelos brancos quando ela passou por àquela porta.
Dean reprimiu um suspiro. Ele se conteve para não dizer algo que a ofenderia, felizmente, Sam agiu primeiro:
— Tem mais alguma informação? Sobre a morte?
— Ela recebeu algumas pessoas naquele dia – Disse. – De manhã havia um homem, nunca o vi antes. Mais tarde chegou uma garota, essa eu já vi algumas vezes por aqui antes. Então o tampinha que veio de manhã voltou. Lorrie recebia visitas incomuns, mas não tantas de uma vez.
— Tampinha? Como assim? Como ele era? – Dean perguntou.
— Baixo, terno preto, parecia uma versão britânica do Al Capone.
— Crowley.
Ambos os irmãos concluíram em uníssono. Então Crowley estava metido no meio dessa merda? O que deveria ser um caso simples acabou ganhando cores mais complexas.
— E a garota? Àquela que você viu depois? – Sam perguntou rapidamente.
— Baixinha, cabelo preto – Respondeu, então indicou o carro em baixo da árvore. – Chegou naquele carro. Tentei contar isso para a polícia, mas eles riram e foram embora quando falei sobre ela ser uma bruxa.
Dean já não estava mais ouvindo e Sam não percebeu que o irmão não estava mais do lado dele. O Winchester mais velho estava caminhando a passos duros até o carro do outro lado da rua. Agora ele se lembrava.
Quando Sam se deu conta de que seu irmão não estava mais alí, olhou rapidamente por cima do ombro até avistá-lo no segundo em que o loiro estourou o vidro do lado do motorista.
— Dean! O que você está fazendo?!
Dean arrancou o paletó que estava enrolado no braço, o mesmo que ele usou para quebrar o vidro dando cotoveladas e o descartou sem se importar com a peça.
— É o carro dela.
Dean respondeu destravando a porta e abrindo-a.
— Dela? Dela quem? – Sam acreditava que o irmão estava em algum pico de estresse, mas não a ponto de perder o juízo.
— Não dela... ela o roubou para usar, mas você entendeu – Dean bufou irritado. Ele entrou no carro, procurando qualquer prova que comprovasse a veracidade daquilo. Ele precisava ter certeza de que ela havia usado aquele carro.
— De quem você está falando, Dean?
— Raven – Dean murmurou quando finalmente encontrou. Era o celular dela no porta-luvas. Ele saí do carro e entrega o telefone ao irmão. – O telefone é dela. O carro estava com ela. A velha viu ela com a bruxa e logo depois Crowley apareceu.
— A demônio que brincou de casal com você?
A expressão de Dean de fechou.
— O que quer dizer com isso?
Dean perguntou em tom de voz baixo.
— Você está muito envolvido nisso, Dean, emocionalmente... – Sam tentou tornar seu tom de voz leve. – Até onde sabemos poderia ter sido um acordo ou algum trabalho entre eles. Essa Raven é um demônio que faz trabalhos para o Crowley, ela pode ter matado a bruxa a mando dele.
— Crowley estava furioso com ela – Dean agitou as mãos sem perceber que estava tão inquieto. – Ela tinha certeza de que ele iria atrás dela e tentaria matá-la. Precisamos descobrir para onde ele a levou.
Sam fez uma pausa, os olhos atentos analisando o rosto do irmão.
— Você gosta tanto dela assim?
Sam perguntou. Dean arregalou os olhos.
— O quê? Claro que não gosto dela, é um demônio, Sammy – Ele negou, colocando as mãos na cintura. – Não gosto dela, mas eu devo a ela. Não gosto de deixar contas em aberto.
— Dean...
— Eu sei o que você está tentando me dizer, mas eu não sou você – Dean o interrompeu. – E ela não é a Ruby. As coisas aqui são totalmente diferentes. Estou indo atrás dela, com ou sem você.
Dean pegou o celular de volta e seguiu em direção ao Impala. Quando entrou, apenas alguns instantes depois Sam também entrou. Ele não disse nada, mas Dean sabia o que aquilo significava.
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