
Parte XXV - A esperança que se colhe depois de semeada
Folheava uma revista velha. Já a tinha visto uma centena de vezes, mas não havia muito mais por onde escolher, naqueles tempos difíceis. Era uma revista científica, com artigos antigos e ultrapassados, mas era melhor que nada. Ter em mãos uma daquelas revistas recheadas de futilidades, a última moda e os mexericos da alta sociedade, era um luxo. Achava, até, que nem sequer existiam naquele mundo de sobreviventes.
Porque via a revista maquinalmente, consolava-me com o rádio, que transmitia um programa de música calma. Era raro haver momentos de descontração, quando o tempo de emissão era permanentemente preenchido com reportagens sobre os humanos artificiais e os seus ataques. Havia dias em que não suportava existir naquela realidade sombria. Sentia-me sozinha, as memórias dos dias antigos a falharem na sua missão de me fazerem companhia. Estava quase a alcançar o tempo presente, também.
Voltei uma página da revista. Mas continuei a recordar-me.
Gohan recuperara rapidamente dos seus ferimentos e recomeçara a treinar Trunks um mês depois do recontro com os humanos artificiais que lhe haviam roubado o braço esquerdo. Apesar de detestar a situação, deixara o meu filho ir. Já não fingia, porém, que desconhecia o que se passava entre eles – a cumplicidade, os treinos, a amizade sobretudo e a admiração. Mas no final de cada dia, Trunks regressava calado. Lia-lhe impaciência e frustração no rosto. Sabia que ainda não tinha alcançado o que queria tão desesperadamente ser: um super saiya-jin.
Por um lado, tinha medo que ele alcançasse esse nível de poder e que julgasse, tal como acontecera com o pai, que era invencível. Havia essa possibilidade, pois Trunks acabara por herdar algumas facetas de Vegeta. Temia que ele enfrentasse sozinho os humanos artificiais, convencido que os poderia vencer. Algo que, afinal, acabaria por ocorrer, mas lá chegarei...
Percebia, por outro lado, que ser um super saiya-jin não era algo fácil de alcançar. Vegeta trabalhara arduamente para o conseguir, Goku dominara a técnica num ambiente de enorme pressão. Quando Gohan estava no final da sua convalescença, perguntara-lhe como fora no caso dele. Sentava-se na cama, comendo alegremente a sopa às colheradas, ultrapassando sem grande drama a perda do braço esquerdo. Ganhara também uma cicatriz que lhe cortara a cara, do mesmo lado, desde a testa até à face, passando pelo olho. Trunks não estava connosco e eu aproveitara para ter a conversa que não podia ter com o meu filho por perto. Gohan tinha-me respondido que era super saiya-jin desde os dezassete anos. Disse-me também que o caminho até esse estágio não era fácil, nem direto. Implicava ainda uma grande experiência para não se deixar dominar pela raiva brutal que lhes inflava o sangue todo, como se fervesse nas veias.
- Quase que se perde a razão quando somos um super saiya-jin. O desejo de destruir e de matar é demasiado forte. Consome-nos como uma fome que nenhum alimento é suficiente para saciar. Acho que deve ser normal que assim seja, pois para se alcançar o nível dos super saiya-jin é preciso sentir raiva.
- Parece que me falas de um oozaru, Gohan.
- Hai, é o poder dos oozaru, aumentado um milhão de vezes, mas mais fácil de controlar. Não é tão irracional. Não nos sentimos tanto um... animal, Bulma-san.
- Lembras-te quando te transformavas em oozaru, Gohan-kun?
- Não.
Sentara-me na cama, ao lado dele.
- E achas que Trunks vai conseguir chegar a ser um super saiya-jin? Ele só tem treze anos e não tem qualquer experiência de combate. É diferente de ti, Gohan. Tu já passaste por tanta coisa... O treino de Piccolo, a invasão da Terra pelos saiya-jin, Namek.
Gohan sorrira tristemente, mas dissera com orgulho:
- E foram essas memórias dolorosas que me ajudaram a convocar a raiva necessária para ser um super saiya-jin. Todos os nossos amigos assassinados, o desaparecimento prematuro do meu pai, a perda de Piccolo-san.
- E que raiva poderá sentir Trunks que o leve a esse poder?
Abanara a cabeça.
- Não sei. Ele vai chegar lá, Bulma-san. Sei disso.
E acabou por chegar, ajudado pelo tumulto de sensações horríveis que lhe causara a morte daquele que tanto acreditava nas capacidades dele, o seu mestre e amigo, Gohan. Trunks contara-me o que acontecera nesse dia funesto de chuva, poucos meses após aquela conversa.
- Eles mataram Gohan-san – soluçara cego de dor.
E depois refugiara-se num silêncio magoado, consolidando o que aprendera com a experiência, engolindo e digerindo o sofrimento, vivendo-o minuciosamente, egoisticamente.
Entretanto, os humanos artificiais deixaram de aparecer. Como predadores saciados com o sangue de tão importante presa, sumiram-se durante um longo período, saboreando nas sombras a morte de Son Gohan, mais um super saiya-jin. O mundo respirara de alívio e até ocorreram, em algumas cidades e também em West City, festivais a celebrar o desaparecimento dos humanos artificiais, julgando que não iriam mais voltar. Nesses tempos estranhos, fiquei tão chocada com o que estava a acontecer, as festas, a ignorância, a presunção, que não consegui chorar convenientemente Gohan e ele merecia todas as minhas lágrimas.
Lembro-me quando Trunks apareceu na oficina, no fim do luto. Estava agachada entre as pernas metálicas da máquina do tempo a programar o computador de bordo que me preparava para inserir na fuselagem. Lembro-me do que me perguntou:
- Está pronta?
- Não – respondi.
Lembro-me do que me disse:
- Mas eu estou pronto.
E não se referia a viajar pelo tempo.
***
Mais de três anos depois da morte de Gohan, terminei finalmente a máquina. Não aconteceu de uma forma retumbante, apertando confiadamente o último parafuso e erguendo a chave de fendas em triunfo, tudo regado com um berro conquistador a ecoar da oficina para West City e daí para o mundo. Para que os humanos artificiais tremessem, porque tinha chegado a altura de virar a mesa e de alterar o destino. Não. No ecrã corriam linhas de código com apitos suaves. O computador analisava sistematicamente as funcionalidades da máquina e o programa inserido no processador central, pesquisando erros e corrigindo alguns que eventualmente detetava. Um "OK" a verde piscava por três vezes, fechava-se um processo e abria o seguinte. Quando me apercebi, todos os níveis de verificação tinham sido corridos. Franzi os sobrolhos, reticente em acreditar que estava realmente tudo revisto.
Trunks apareceu na oficina e perguntou:
- Temos novidades?
Levantei-me. Encarei-o e respondi tensa:
- Hai. A máquina está terminada.
Ainda usava um braço ligado, preso ao peito, e as feias escoriações do rosto cicatrizavam. Aproximou-se coxeando. Olhou para cima, pois a máquina era alta e imponente, com o dobro da sua altura. Acenou que sim duas vezes, em silêncio e saiu da oficina.
Pelo menos, a sua atitude tinha mudado.
Meses antes os humanos artificiais tinham reaparecido e Trunks fora enfrentá-los, apesar de eu lhe implorar que não o fizesse. O pesadelo recomeçava e a minha alma estilhaçara-se em milhentos fragmentos quando o ouvira afirmar, cheio da mesma bazófia que eu detestava no pai dele, que ele era um super saiya-jin e que iria derrotar finalmente os bonecos de lata. Quando mo trouxeram, inconsciente e terrivelmente ferido, a balbuciar palavras desconexas, não conseguira ficar furiosa.
Alguns dias depois, Trunks despertara numa cama do hospital e vira-me debruçada sobre ele. Alegrara-se com a minha presença e dissera-me que queria viajar no tempo.
- Mas, Trunks... Tu nem sequer sabes se estás inteiro debaixo desse cobertor. E dizes que queres pilotar a máquina do tempo?
- Quero...
- Bem, primeiro tens de te curar. Depois, pensaremos nessa viagem em que levarás o medicamento a Goku.
- O pai de Gohan? Achas que ele é realmente forte o suficiente para enfrentar os humanos artificiais?
Sentara-me numa cadeira próxima, os lábios torcidos num sorriso desmaiado.
- Não é só isso. Goku tem a capacidade de nos fazer sentir seguros. Quando estás com ele, sabes que tudo ficará bem.
Trunks sorrira também.
- Que bom! Vou voltar a ver Gohan! – Acrescentara com o mesmo entusiasmo: – E vou conhecer o meu pai.
- Bem, eu não esperaria muito desse encontro, sabes?
Ficara aliviada, contudo. Finalmente, alguma coisa iria, de facto, mudar...
***
Não havia nenhuma razão objetiva para adiar a partida. Tinha o medicamento para curar a virose cardíaca que haveria de atacar Son Goku, a máquina do tempo estava terminada, o tanque de combustível cheio, o meu filho preparado para a empresa. Completara dezassete anos havia pouco tempo e tinha amadurecido, à custa das recentes más experiências, o que mitigava grande parte dos meus habituais maus pressentimentos.
Anunciei, a esconder a ansiedade:
- Amanhã, irás fazer a tua viagem.
- Hai
Trunks estava ao meu lado, na oficina. Ia carregar no interruptor que reduzisse a máquina do tempo a uma cápsula portátil, quando travei a mão. Fui até à secretária, agarrei numa caneta de tinta negra indelével e aproximei-me da fuselagem amarela. Rabisquei uma palavra, seguida de dois pontos de exclamação.
Hope!!
Trunks sorriu cansado.
- Esperança?
- É o que estamos a semear, Trunks. E haveremos de colher os frutos mais tarde.
Não retrucou. Foi ele que carregou no interruptor e entregou-me a cápsula. Lia-lhe nos olhos a mesma esperança que ele deveria ler nos meus. No dia seguinte, numa manhã cálida e bonita, Trunks partiu para o passado. Fiquei a contemplar o céu azul, fixando o ponto onde a máquina do tempo tinha estado a pairar e onde, por fim, desaparecera com um som sibilante. Pensava naquela palavra que eu tinha escrito e que estava agora a ser transportava através de dimensões desconhecidas pelo meu filho que eu amava tanto.
Apenas precisávamos de esperança.
***
Trunks era um guerreiro solitário a lutar contra o destino. Havia mais inconformados, espalhados pelo mundo, que formavam bolsas de resistência, não para lutar contra os humanos artificiais, mas para proteger as pessoas que eram assassinadas indiscriminadamente por aquelas máquinas despiedadas com caras angélicas.
Os androides eram bonitos, de feições agradáveis e maneiras educadas. A voz era cordata e nunca se alterava, mesmo nos momentos críticos de destruição. Os olhos, contudo, eram de um azul-marinho, quase transparente, frios como gelo, cortantes como lâminas e era através dos olhos que percebíamos que eles não eram pessoas como nós. Mas conseguiam enganar os incautos. Era assim que Trunks mos descrevia, pois eu nunca os vira.
Os resistentes usavam espadas nas costas, presas por uma correia que cruzava o torso. Trunks conseguira também uma espada para si e treinava-se amiúde com esta, dominando com mestria a técnica do seu manejo. Herdara do pai a capacidade lutadora, a força física, a solidão orgulhosa. Aprendera com Gohan a paciência, a utilizar a inteligência durante o combate, a ser um super saiya-jin. Antes de a máquina do tempo estar pronta, convivera com os membros da resistência e passara uma larga temporada nos abrigos onde se acumulavam os sobreviventes, ajudando as crianças e os velhos, vivenciando as experiências que haviam marcado essas pessoas e que, eventualmente, acabariam por marcá-lo também. Havia quem acreditasse que os humanos artificiais se tinham retirado, mas também havia aqueles que sabiam que eles planeavam um regresso, preparando-se para dias mais terríficos do que aqueles que tinham acontecido até ali. Nesses dias, Trunks nunca revelou que era um guerreiro excecional, a única potencial esperança para a Terra. Misturou-se com os resistentes, fundindo-se no grupo, aprendendo com eles o que não tivera tempo de aprender com Gohan. A personalidade de Trunks moldou-se definitivamente nesses dias clandestinos.
Depois, julgando que já tinha aprendido tudo o que havia para aprender, com Gohan e com a resistência, enfrentou sozinho os humanos artificiais e perdeu.
Depois, viajou no tempo e regressou mudado.
Concordei com uma segunda viagem. Fui permeável ao argumento de que não bastava a esperança, teria de se encontrar uma solução palpável para o nosso problema. Trunks disse-me, olhando no fundo dos meus olhos:
- Quando os humanos artificiais aparecerem no mundo que eu visitei, Goku-san, que entretanto terá conseguido sobreviver à virose cardíaca, saberá o que fazer para os derrotar. E se ele encontrar o seu ponto fraco, eu também saberei como fazer para os derrotar aqui, no nosso mundo. Como viste, a minha viagem no tempo não alterou nada aqui, mas irá alterar os acontecimentos naquele mundo. Foi criada outra linha temporal.
Apertei os lábios. Tinha medo que nunca mais regressasse.
- Deixa-me ir, 'kaasan. Prometi a Goku-san que os ajudaria.
- Precisamos de muita energia para fazer uma viagem completa, de ida e volta.
- Então, temos de começar já a carregar os depósitos da máquina.
O egoísmo que me levara a construir a máquina suplantou qualquer réstia de racionalidade que pudesse existir. Sem qualquer espécie de remorso, voltava a utilizar o meu filho para mudar o mundo.
Enquanto a máquina enchia os depósitos de combustível, Trunks voltou às suas atividades junto da resistência. Soube que tinha encontrado os humanos artificiais em algumas ocasiões, pequenas escaramuças sem consequência, porque a fuga era a opção mais acertada, apesar de cravar espinhos no seu orgulho. Felizmente, os humanos artificiais não o perseguiram. Ainda não sentiam a necessidade de apanhar outra grande presa. Gostavam de prolongar o jogo e sabiam que, depois de Trunks, não existia mais ninguém que valia a pena caçar e destruir. No final dessa caçada, haveria de lhes restar um planeta cheio de patéticos seres assustados, sem qualquer hipótese de divertimento.
***
Escutei passos no cimo das escadas. Levantei os olhos da revista gasta.
- Trunks!
Ao fim de seis dias de uma ausência que me pesara demasiado, o meu filho regressava.
Os fantasmas das minhas recordações dissolveram-se, como fiapos de fumo branco. Afastei-os resolutamente.
Aproximei-me.
- Trunks, filho... Tu cresceste – observei a rodeá-lo. – Até me pareces... mais velho.
Ele concordou.
- Hai, 'kaasan. Tens razão, estou mais velho. Estive numa sala especial a treinar-me, onde um dia no exterior equivalia a um ano, lá dentro. Passei dois anos nessa sala, um deles com o meu pai.
- Passaste um ano inteiro com o teu pai?
- Hai.
Nem consegui imaginar um ano inteiro a conviver ininterruptamente com Vegeta, num lugar fechado. Deveria ter sido uma experiência alucinante, entre o sonho e o pesadelo.
Convidei-o para um chá, pedindo que me contasse o que mais tinha acontecido. Percebia que tinha vivido grandes acontecimentos, mas que tudo tinha terminado em bem, pois mostrava-se sereno, como eu nunca o vira. Talvez porque tinha crescido... Já contava com vinte anos, feitas as contas.
Soube que Goku e os guerreiros da Terra tinham lutado contra os humanos artificiais, outras máquinas para além de número 17 e número 18. A primeira viagem temporal de Trunks tinha, de facto, alterado aquele mundo alternativo e a história era ligeiramente diferente daquela que eu conhecia e que tinha relatado ao meu filho antes da sua partida. Soube ainda que tinham enfrentado um inimigo ainda mais poderoso, também gerado pela mente tortuosa do Dr. Gero, um monstro biológico chamado Cell, muito mais terrível do que qualquer androide. No final, Goku sacrificara a sua vida para salvar a Terra e que não desejara ser ressuscitado com o poder das bolas de dragão. Mas o relato mais incrível que Trunks me contou, naquela tarde, foi a forma como Vegeta reagira quando Cell o ferira mortalmente. O meu filho contou o que Yamucha lhe contara, pois ele tinha acabado por perder a vida nesse ataque brutal. Vegeta, mesmo sabendo que não tinha qualquer possibilidade de vitória, atacara Cell com toda a sua energia, desferindo golpe atrás de golpe, luz explodindo e sibilando, nuvens densas de poeira a saturar o cenário de um torneio macabro em que o jovem Gohan enfrentava Cell sem medo.
Eu estava perplexa, boquiaberta.
- O meu pai defendeu-me. Lutou por mim – concluiu Trunks.
Reagi com jovialidade.
- Eu sabia! O teu pai, afinal, é capaz de mostrar sentimentos!
Levei a caneca aos lábios, bebericando um pouco de chá, pensando em como era maravilhoso Vegeta ter mudado, sabendo que se devia ao estreito convívio com a versão adulta do filho. Senti-me, de certa forma, orgulhosa por ter contribuído indiretamente para aquela mudança. E aquele ano vivido na sala especial operara o milagre final, de algum modo.
No rádio, a música ligeira que tinha animado a tarde terminou abruptamente e surgiu a voz nervosa de um locutor anunciando que interrompiam a emissão pois os humanos artificiais tinham reaparecido. Tinham sido detetados no setor BBN-49, em Parsley City, uma pequena cidade situada a sudoeste de West City, o mesmo sítio onde Trunks tinha sido selvaticamente atacado antes das suas viagens através do tempo, quando julgava que ser um super saiya-jin bastava.
Ele levantou-se.
- Esses miseráveis humanos artificiais! Desta vez, será a sério...
Senti um arrepio. Ele estava determinado.
- Trunks...
Virou-se para mim.
- Está tudo bem. Esta foi a razão por que viajei no tempo, 'kaasan e estive com Goku-san, no passado. Para que os possa enfrentar e derrotar. – Ficou tenso e zangado. – Desta vez, tenho a certeza, irei vingar Gohan-san e todos os outros guerreiros.
Despiu a jaqueta azulão, atirando-a pelo ar e que acabou por aterrar nas costas da cadeira onde estivera sentado. Ainda na oficina, transformou-se em super saiya-jin. Vi os seus cabelos espetarem-se em cachos dourados, uma capa amarela rodear-lhe o corpo, o ténue calor da energia que gerava a chegar até mim. Lembrei-me de Goku, naquele dia, nas montanhas, quando enfrentou Freeza. Nunca mais tinha visto um super saiya-jin. Disse-me, não com a habitual bazófia que caracterizava aquele guerreiro único, mas com uma certeza inabalável:
- Não vai acontecer apenas no passado. Esta era também deverá conhecer a paz. E serei eu que trarei a paz ao nosso mundo.
Mas eu estava cheia de medo e disse-lhe:
- Tem cuidado, Trunks. Não exageres.
Voltou-se para mim e pude ver o verde do seu olhar vazio e determinado.
- Hai.
Partiu da Capsule Corporation.
***
Sozinha, novamente.
Agarrei na jaqueta. Dobrei-a cuidadosamente e muito devagar, pensando nos detalhes que ainda era necessário afinar, as pontas soltas do meu plano. Tal como Trunks dissera, havia levado a paz ao mundo alternativo onde Vegeta continuava vivo e estava suficientemente mudado para se integrar numa família terrena. Mas no nosso mundo, os humanos artificiais continuavam a existir e ainda haveria de aparecer o tal monstro biológico chamado Cell. Não sabia se Trunks seria capaz de lidar com todos esses desafios, apesar da confiança que me mostrara.
Passei os dedos pelo símbolo negro, em fundo branco, da Capsule Corporation da manga esquerda da jaqueta. Lembrei-me quando, na semi obscuridade da oficina, na noite que antecedera a manhã da partida de Trunks para a sua primeira viagem temporal, cosera aquele símbolo na jaqueta. Fi-lo com carinho e com vaidade. Cuidadosamente e muito devagar, tal como dobrara a jaqueta agora. Ele iria revelar quem era a Son-kun e queria que levasse consigo um pouco da minha alma.
Olhei para o teto esburacado da cave onde eu montara o laboratório e a oficina. Sim, a minha alma era a Capsule Corporation. Depois do meu filho, era tudo o que eu tinha.
Abracei a jaqueta junto ao peito, enterrei o nariz no tecido azul, aspirando o perfume. Estava lavada, reconhecia o cheiro de um detergente que se costumava usar cá em casa quando Trunks tinha nascido. Senti uma imensa vontade de chorar, lágrimas de alegria, ao visualizar a cena. Uma versão mais jovem de mim mesma, uma versão alternativa, a cuidar da roupa de um filho adulto que certamente amaria com a mesma força com que amava o filho bebé, com a mesma força com que eu amava o meu querido Trunks.
Ele regressou pouco tempo depois. Escutei passos, outra vez no cimo das escadas. Ainda estava agarrada à jaqueta, sentada na cadeira, enrolada sobre mim mesma.
O meu filho regressava cedo demais. Olhei-o aflita, mas não lhe descobri nenhum arranhão, hematoma, qualquer vestígio mínimo de sangue. Vinha com a mesma serenidade. Sorriu-me e eu sorri-lhe de volta.
Tinha terminado.
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