Parte X - O mundo salvo por causa de um acidente
Quando fui receber Yamucha, dei-lhe um beijo na cara, mas ele mostrou-se indiferente. Não gostei da sua atitude.
- O que foi? Passa-se alguma coisa?
- Vou-me embora.
Suspirei.
- Outra das tuas viagens de recolhimento?
- Sabes que gosto de viajar pela floresta durante algum tempo, vivendo daquilo que a Natureza tiver para me oferecer.
- Claro que sei...
A ideia agoniava-me. Detestava quando Yamucha aparecia na Capsule Corporation só para anunciar que ia desaparecer por uma temporada, que iria ficar incontactável e que eu tinha pouco peso na equação que conduzira à decisão. Nunca conseguira demovê-lo dessas suas ideias repentinas de se transformar num eremita dedicado às artes marciais. Olhei para Puar que flutuava perto do ombro de Yamucha. O gato felpudo sempre o acompanhara. Pelos visto, teria mais peso que eu...
Tentei argumentar, mascarando a irritação num sorriso inocente. Mas saiu-me algo desvanecido.
- O inverno está a começar e escolhes precisamente agora para partires.
- Os desafios serão maiores.
- Pensei que te tivesses habituado à vida da cidade.
- E gosto muito de viver aqui. Mas, também me canso de tanto conforto.
Estávamos no salão da Capsule Corporation. Encostei-me ao aparador.
- E também te cansas de mim?
- Claro que não, Bulma!
A cicatriz que lhe cortava o olho direito arrepanhou-se quando me sorriu. Era uma tentativa tosca para me conquistar antes da última despedida. Sem saber por que razão o dizia, atirei num tom que soou demasiado piegas:
- Não achas que devíamos resolver a nossa situação?
- Que situação? – Indagou sério, retraindo-se.
- Eu e tu. Namoramos há tanto tempo...
- E o que é que estás a pensar? – Gaguejou histérico.
Franzi a testa, irritada com aquela atitude imatura.
- O que é que os casais normalmente fazem, Yamucha?
- Não... Não sei. – Penteou a franja para trás. – Diz-me tu. Parece-me conversa de meninas.
- Ora, achas que eu vou esperar para sempre por ti? Todas as raparigas que conheço já casaram...
- Bem, tens esperado sempre – cortou aflito, pois não queria que eu prosseguisse com o tema. – Não vou para muito longe... No início do verão, penso estar de volta.
- Seis meses?! – Exclamei. – Vais estar fora seis meses?
- Mais ou menos... Esta viagem vai ser a sério. Não é, Puar?
O gato azul acenou que sim com a cabeça e soltou um guincho, com um entusiasmo que ainda me enfureceu mais. Cruzei os braços.
- Então, quando o verão começar, voltaremos a conversar.
Yamucha puxou-me pela mão.
- Bulma-chan, vou para um lugar especial. Ouvi dizer que nessas florestas, escolhendo caminhos já apagados pelo tempo, há cavernas profundas que ninguém visitou ainda e que têm tesouros intocados. Minas de diamantes, confidenciaram-me.
- Diamantes?
- Hum-hum... Vou trazer-te um diamante do tamanho da minha mão!
E mostrou-me o punho fechado.
Bati palmas, animada com o que a minha imaginação começou a tecer. A partir dos diamantes, faziam-se anéis especiais, que se ofertavam às noivas quando eram pedidas em casamento. Estremeci a antecipar o momento em que, finalmente, Yamucha se ajoelharia aos meus pés e me pediria para casar com ele.
- Achas boa ideia?
- Uma excelente ideia, Yamucha! Sempre sonhei em ter um diamante. Prometes-me que me trazes um diamante? Prometes?
- Está prometido. Vais ser a rapariga mais invejada de West City.
A perspetiva de ter um anel de noivado a brilhar ostensivamente no dedo, a ideia de passear no maior parque da cidade de braço dado com o meu noivo prometido e a causar falatório, cochichos e olhadelas por onde passava, foi irresistível.
Yamucha achou que a sua missão estava cumprida e despediu-se. Pedi-lhe que ficasse mais um pouco, entrelaçando os meus braços no braço dele, encostando-me ao seu corpo quente e forte.
- A minha mãe está a preparar o lanche. Por favor, não te vás já embora. Ela ficaria tão ofendida...
Mostrei-lhe o melhor do meu olhar aguado, o trejeito caprichoso de uma menina mimada e vi como ele se moldava nas minhas mãos como barro aquecido. A minha mãe entrou no salão trazendo um tabuleiro forrado de cupcakes.
- Yamucha-chan! Que bela surpresa! Tenho aqui uns bolinhos que acabei de fazer... Estão horríveis, espero que me desculpes pela fraca apresentação.
Os cupcakes estavam magníficos. Grandes, a soltar um odor guloso a manteiga, perfeitamente cobertos com uma montanha espiralada de natas polvilhadas com pintas coloridas, encimados por uma cereja redonda como um berlinde. A minha mãe e os seus problemas de perfeição!
Yamucha sentou-se trapalhão no sofá, elogiando os bolos. A minha mãe soltava risinhos e pousava o tabuleiro na mesa baixa em frente ao sofá. Puar disse-lhe que era a maior cozinheira de cupcakes do mundo e a minha mãe saltitava de contente. Sentei-me ao lado de Yamucha, o estômago a doer-me com a gula.
Aguardavam-me mais uns dias de suor no ginásio.
A minha mãe serviu chá preto e começámos a lanchar. Inesperadamente, Yamucha perguntou por Vegeta. A simples pronúncia do nome do saiya-jin arrepiou-me.
- Está a treinar – respondi, a disfarçar a minha reação dando uma dentada no cupcake.
- Passa os dias inteiros a treinar?
Limpei a cara com o guardanapo.
- E as noites também, provavelmente. Nunca o vemos.
- Treina-se para quê?
- Para derrotar Son-kun.
- E quando conseguir derrotar Goku, o que é que vai acontecer?
Encolhi os ombros. Beberiquei um pouco de chá.
- Quem sabe...
- Como é que o deixas treinar aqui, se sabes que ele o está a fazer para, eventualmente, quando conseguir atingir o nível que lhe permitirá derrotar Goku, nos matar a todos e destruir a Terra?
A minha mãe escandalizou-se:
- Oh!... – E tapou a boca aberta com a mão.
- Ele disse que nos matava se não o ajudássemos. Pode ser que ele mude de ideias, entretanto...
- Vegeta, mudar de ideias em relação a Goku? Acho que não...
- Não, em relação à Terra. Pode ser que não destrua o planeta.
- E porque não? Esse saiya-jin é um assassino sem piedade.
Coloquei a chávena na mesa, incomodada com a conversa.
- E se ele nunca conseguir ultrapassar o poder de Son-kun? Pode ser que se canse – baixei a voz, porque fiquei triste – e que se vá embora.
- Podemos mudar para um tema mais alegre, por favor? – Pediu a minha mãe.
Contudo, Yamucha não era um grande conversador. Apesar dos esforços para descobrir um assunto que interessasse à futura sogra, que fosse passível de desenvolvimento e de continuação, o encontro murchou para uma reunião muda de três pessoas e um gato que partilhavam chá e bolos. Atrapalhado, Yamucha anunciou que ia para o relvado esticar as pernas e saiu do salão, seguido pelo inseparável Puar. Fiquei aborrecida por ele se mostrar, por vezes, tão desajustado à minha vida.
Agarrei noutro cupcake, contabilizando mentalmente as horas que cada um significava no ginásio. Bem, teria o inverno inteiro para recuperar dos excessos daquela tarde, ou de outras tardes, pois o meu namorado só regressaria dali a muitos meses. Qualquer gordura que ganhasse entretanto teria de ser eliminada até esse dia magnífico em que receberia um diamante do tamanho de um punho e que haveria de ser transformado num anel de noivado.
E que faria eu sozinha, durante esse tempo todo? Comer e ir ao ginásio pareceu-me demasiado entediante.
De súbito, soou uma explosão. O cupcake que segurava voou da minha mão para a testa, enchendo-me a cara de creme. A mãe gritou, a perguntar o que é que tinha acontecido. Limpei-me rapidamente e saí disparada do salão. Desconfiava o que teria sido... Não, sabia-o!
Corri para o lugar onde estava a "Capsule 3". A nave estava destruída e tombada, a expelir uma grossa nuvem de fumo negro. Aflita, exclamei:
- Vegeta!
Travei, aproximei-me devagar dos destroços. Yamucha apareceu atrás de mim, com Puar a segui-lo.
- O que foi que aconteceu? Foram os treinos do saiya-jin, não foram? Onde pensa ele que está? Metido numa nave minúscula e a portar-se como se estivesse em campo aberto. Era um acidente à espera de acontecer.
No meio dos ferros retorcidos, dos fios cortados, do óleo derramado, dos parafusos queimados, não havia nada. O meu coração minguava, à medida que entrava em pânico. Ajoelhei-me, acerquei-me com cuidado para não me queimar nos pedaços fumegantes, alguns ainda incandescentes. Afastei placas de metal, chamando:
- Vegeta?...
Aventurei-me mais, trepando para uma grande parte da fuselagem da nave que ainda estava intacta. Com os pés, fui empurrando os restos carbonizados, componentes desfeitos, reconheci parte do revestimento interior do convés. Ao puxar por um grosso conjunto de cabos entrelaçados, a borracha a derreter-se nas pontas, surgiu uma mão. Com o susto, saltei para trás. Tropecei em Yamucha e caímos os dois.
Surgiu um segundo braço que impulsou o corpo do saiya-jin para fora da amálgama de destroços. Vegeta vestia uns calções pretos de licra, calçava meias e sapatilhas, não envergava mais nada e o corpo semidespido estava mais vulnerável. Sangrava copiosamente de múltiplos ferimentos e exibia queimaduras feias.
A minha primeira reação foi de alívio, sabendo-o vivo. A minha segunda reação foi zangar-me com ele:
- O que pensas tu que estavas a fazer? Quase que fazias explodir a minha casa!
Vegeta fez um esgar desdenhoso. Mas como estava muito fraco, não se aguentou em pé e desmaiou.
- Vegeta!!!
Amparei-o nos braços, tal como já o tinha feito uma vez, nas montanhas. Ele entreabriu os olhos. Focou o olhar para reconhecer quem estava junto dele e resmungou:
- Deixa-me, mulher!...
- Estás ferido. Tens de ir para o hospital.
- Isto não é nada... Eu sou... o príncipe dos saiya-jin... Sou um guerreiro.
- Sim, mas também és feito de carne e osso.
- Kakaroto...
- Ele não está aqui, não penses nele agora.
Sacudiu-me, dizendo:
- Deixa-me... Estás a atrapalhar os meus treinos...
Libertou-se dos meus braços, ergueu-se cambaleante. Deu dois passos e estatelou-se novamente, entre as ruinas da nave, perdendo novamente os sentidos.
- Vegeta!
Yamucha, que assistiu a tudo, nada ousou comentar.
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