12 anos atrás, Thunder Bay.

𝓐urora Dauphin.

O vento gelado sussurrava lá fora, provocando uma dança suave nas cortinas na casa dos Torrance.

Sentada no sofá da sala, eu segurava um livro sobre patinação no gelo, um presente de Liam e papai. As páginas se desdobravam sob meus dedos, revelando cenas incríveis de patinadoras graciosas, suas roupas maravilhosas espelhando a magia do gelo. A patinação artística ocupava um grande espaço em meu coração, e cada imagem me transportava para um mundo de sonhos e possibilidades.

Minha mãe estava trancada no escritório com o Sr. Torrance, suas vozes ecoavam em tons sérios, não sabia sobre o que era a conversa, mas eles não pareciam felizes, principalmente a minha mãe.

Suspirei, meu olhar percorrendo o ambiente ao meu redor, a solidão me dominando. A casa era bonita, um pouco sem vida, mas bonita; porém uma sensação de vazio parecia se infiltrar quando risos e conversas animadas não preenchiam o ar, como na minha casa.

Antes que eu pudesse me perder completamente nas páginas do livro, a porta da entrada rangeu. Levantei os olhos em direção ao som, e lá estava ele, Damon, o filho da família Torrance. Seus cabelos negros caíam desgrenhados sobre a testa, e sua postura carregava um quê de desinteresse.

Já o tinha visto nas festas em que mamãe me forçava a ir, sempre quieto, um espectador solitário. Seus olhos se encontraram com os meus por um breve instante antes de ele desviar o olhar, como se a timidez o tivesse pego desprevenido. Ele se aproximou do sofá e se sentou, deixando um espaço entre nós.

──── Oi. ── Minha voz saiu baixa, eu estava com um pouco de vergonha, mas não queria mostrar isso para ele. Fechei o livro em meu colo enquanto o encarava.

Damon emitiu um cumprimento quase inaudível, seus olhos presos ao chão.

──── Parece que a neve vai chegar em breve. ── Tentei puxar uma conversa, meu olhar ansioso fixado na janela, ansioso pelos primeiros flocos.

──── Sim, talvez. ── Sua resposta foi sem emoção, impregnada de uma relutância que sugeriu que ele preferia ficar em silêncio.

Uma pena, porque eu estava determinada a conversar com ele e fazê-lo se sentir à vontade e a conversar.

──── Você gosta de patinação no gelo? ── Um encolher de ombros foi sua resposta, talvez ele não gostasse tanto de conversar como Liam.

──── Nunca tentei. ── Não pude conter meu entusiasmo, minhas palavras saindo com uma animação gigantesca.

──── É incrível! Sabe, é como voar. Quando deslizo naquele gelo, parece que estou flutuando nas nuvens, é uma sensação indescritível. ── Os olhos de Damon finalmente se voltaram para mim, e por um instante nossos olhares se cruzaram novamente.

──── Voar? ── A voz dele se elevou um pouco, como se estivesse começando a ficar interessado no assunto, eu disse que não ia desistir.

──── Sim, é como ser livre e voar nas nuvens enquanto deslizo. ── Expliquei, um brilho apaixonado brilhando nos meus olhos.

──── Talvez um dia eu tente. ── Ele pareceu curioso.

Um sorriso radiante se espalhou em meu rosto, eu queria tanto começar uma amizade entre nós. Ele era como as flores no jardim da mamãe, difíceis de achar e ainda mais difíceis de cultivar no inverno, entre os filhos dos amigos de mamãe, que eram apenas menininhas mimadas e garotos idiotas.

──── Eu poderia te ensinar, ou meu irmão. Também sou fã de jogos de tabuleiro. Você já jogou Monopólio? ── Ele balançou a cabeça, agora visivelmente mais interessado.

──── Não, como funciona? ── Acho que nunca fiquei tão feliz por ter trazido o jogo do meu irmão escondido.

E assim, nossa conversa evoluiu, começando timidamente, cheia de risadinhas tímidas e uma curiosidade compartilhada.

Enquanto os primeiros flocos de neve dançavam lá fora, dentro daquela casa, Damon e eu descobrimos uma conexão inesperada. Nossas diferenças, não eram tão diferentes assim, tínhamos tantas coisas em comum, revelando que, sob a superfície do gelo, éramos muito mais parecidos do que imaginávamos. 

Eu me arrumei no sofá na elegante sala da família Torrance, tentando achar uma posição confortável, sentindo o toque macio do estofado sob meus dedos. Meu coração batia rápido de empolgação enquanto eu conversava animadamente com Damon depois de termos jogado, meus olhos brilhavam enquanto eu contava sobre meus treinos no ringue de patinação.

Damon estava sentado ao meu lado, ouvindo cada palavra com atenção. Eu não conseguia deixar de notar a seriedade em seu rosto, mas o brilho curioso em seus olhos a fazia sentir que estava fazendo algo especial, como se estivesse ajudando ele a esquecer algo.

──── Então, Damon, você não acredita! Eu quase consegui realizar aquele salto triplo que estava praticando. Quase! ── Eu disse, gesticulando com as mãos para enfatizar minha empolgação.

──── Isso é impressionante, Rory. ── Damon soltou um sorriso tímido, seus lábios se curvando levemente.

Senti meu peito se encher de alegria. Mesmo que Damon não expressasse emoções tão facilmente, eu podia ver que ele estava genuinamente interessado na conversa. Parecia que minhas palavras o levavam para fora de sua concha, pelo menos um pouco.

Enquanto nós compartilhávamos algumas histórias, os murmúrios da conversa da minha mãe, Catherine, e do Sr. Torrance ecoavam pelo corredor. Eu sabia que minha mãe estava discutindo algo sério, mas uma inquietação se alojou no meu peito. Tentei ignorar o sentimento, me concentrando na conversa com Damon.

Um tempo depois, quando a luz do dia começava a diminuir, vi minha mãe saindo do escritório com uma expressão que fez meu estômago se apertar. Catherine estava claramente irritada, suas feições tensas enquanto ela se aproximava.

──── Aurora, é hora de irmos. ── Minha mãe disse, sua voz contendo um tom de raiva mal disfarçada.

──── Mas já? Estava me divertindo tanto! ── Eu disse, franzindo a testa, confusa com a súbita mudança de atmosfera, tudo ficou mais gelado, ou era coisa da minha cabeça.

──── Sim, querida, é hora de ir embora. ── Mamãe forçou um sorriso, mas havia uma frieza em seus olhos que eu nunca tinha visto antes.

Olhei para Damon, um pedido silencioso em meus olhos para que ele dissesse algo. No entanto, ele apenas olhou para mim com uma expressão tensa, como se estivesse escondendo algo ou acostumado com aquele olhar que minha mãe estava. Senti um nó em minha garganta enquanto minha mãe me conduzia para fora da casa dos Torrance.

Enquanto caminhávamos pela rua, a tensão era palpável no ar. Ousei quebrar o silêncio, minha voz um sussurro temeroso.

──── Mamãe, o que aconteceu? Por que você está tão brava? ── Catherine parou abruptamente, seus olhos lançando um olhar furioso para mim.

──── Aurora, você não entende? Eles não são boas pessoas. Você não deveria estar perto deles, você tem que ficar longe de qualquer um daquela família.

──── Mas por quê? Damon parecia legal. ── Olhei para minha mãe, magoada e confusa.

──── Aurora, eu disse para você ficar longe dele e daquela família! Eu não quero que você se envolva com aquela família. Eles não são confiáveis. ── A raiva dela parecia aumentar a cada palavra que eu dizia, seu rosto ficando vermelho.

──── Mas, mamãe... ── Senti as lágrimas ameaçando encher meus olhos. Eu nunca vi minha mãe tão furiosa antes, nem quando eu e Liam quebramos o vaso favorito dela.

──── Eu não quero discutir isso agora. Você só precisa prometer que ficará longe daquela família. ── Catherine apertou os lábios, os olhos cheios de preocupação, frustração e principalmente raiva.

Eu abaixei minha cabeça, as lágrimas caindo silenciosamente. Eu sentia o peso da decepção e da confusão no meu coração e na minha cabeça.

──── Está bem, mamãe.

Enquanto o sol se punha no horizonte, eu e mamãe caminhamos para longe da casa dos Torrance, minha mente em turbilhão. Eu não entendia por que minha mãe estava tão zangada, mas sabia que algo estava profundamente errado. O meu coração carregava perguntas sem respostas, e eu me sentia perdida em meio à tempestade de emoções que nos envolvia. 

⛸️ ᝰ 01﹕❛ Primeiro capítulo oficialmente postado, os próximos capítulos podem demorar um pouco mais para sair, já que eles terão um número maior de palavras.

⛸️  ㅤNesse capítulo a Aurora tem oito anos e o Damon tem nove; e sim, infelizmente nessa época ele já sofria os abusos da mãe.

⛸️ ㅤ Espero que tenham gostado! ❜