4. A brand new day
– É o que? – Lola perguntou de novo. Já era a segunda vez que Julia contava a história de como um amigo de infância tinha conseguido um emprego para ela numa empresa de entretenimento. – E esse seu "amigo"... – e então ela fez as aspas com as mãos, ironizando a palavra – ...decidiu que era uma boa hora te ajudar, mesmo depois de anos sem te ver? – perguntou quando Julia repetiu a história. A coreana bufou, cansada de ter que repetir aquilo e de ver o tom de ironia em cada palavra que saía da boca de Lola.
– Dá para parar de surtar?
– Amiga, vocês namoraram? – perguntou Lola de supetão. Estava na segunda panela de brigadeiro daquele dia – dessa vez dividindo com a amiga – e continuava com a colher na mão enquanto falava.
– PAOLA-SSI!
– O que? Vai dizer que não parece coisa de crush? – perguntou ela, fingindo que não via a cor vermelha subindo pelo rosto da amiga. – Na minha terra isso se chama crush-enrustido. – completou enfiando a colher inteira na boca. Ao invés de discutir, Julia se serviu de uma colherada do doce também e enfiou na boca, para ganhar tempo. Não contava com a preciosidade que era aquele doce.
– Meu Deus, isso aqui é amor de colher! Como você nunca me fez isso antes? – perguntou indignada e se servindo de outra colher.
– Eu ofereci, você nunca aceitou. Mas não fuja do assunto, vocês já se pegaram?
– Por que é que você ta comendo tanto isso daqui hoje? Aconteceu alguma coisa?
Os olhos de Lola brilharam com as lágrimas, mas ela segurou a vontade de chorar com outra colherada no doce. Ficou quieta comendo por cinco minutos inteiros, engolindo o choro a cada nova porção do doce. Julia não disse nada, comeu com ela em silêncio, esperando ela se sentir confortável o suficiente para poder falar. Sentia o coração apertado ao ver a amiga assim. Foram apenas seis meses juntas, mas sentia que Lola era uma irmã que o destino tinha colocado do outro lado do mundo. Apesar das diferenças físicas óbvias – uma coreana, a outra brasileira – as duas tinham personalidades que se complementavam. Julia se lembrou do dia em que se conheceram e teve que aprender uma maneira que pudessem se comunicar, já que Lola sabia zero hangul e ela sabia zero português. A verdade é que estava tão acostumada com a presença de Lola que não via mais sua vida sem essa "unnie inesperada" que o destino havia lhe dado.
Paola pensava nas dificuldades que havia enfrentado ao chegar naquele país tão diferente do seu, desde a cultura até a maneira como as pessoas se relacionavam. Sua amizade com Julia era um daqueles raros momentos em que se sentia à vontade sendo quem era, uma negra estrangeira num país onde todo mundo tenta clarear a pele ao máximo. Lembrou de todo o trabalho que havia feito em festas aleatórias, em lojas e em vendas improvisadas apenas para pagar aquele intercâmbio "diferentão" e de como havia ficado feliz por conseguir. Mas os seis meses passaram muito mais rápido do que ela esperava. Tinha a impressão que ainda não sabia falar coreano direito - e de fato ainda era iniciante no hangul - mas conseguiu sobreviver assim mesmo. E agora que o choque cultural foi embora e a fase lua-de-mel havia começado, o intercâmbio chegava ao fim. Tentou evitar ao máximo pensar nisso, mas um simples e-mail com um prazo para apresentar seu "relatório" pessoalmente fez com que caísse com força na realidade.
– Vou ter que voltar para o Brasil semana que vem. – sussurrou Lola, as lágrimas começando a cair com facilidade. Não olhava diretamente para a amiga, mas sentia que não ia conseguir esconder por muito tempo de qualquer jeito. Sua bolsa havia terminado, seu estágio também. Teria que voltar e terminar o curso de moda em casa. Ela sabia desde o começo que não seria para sempre, mas tinha a ilusão de que ficaria mais um tempo morando ali, compartilhando momentos felizes com Julia.
– Não se preocupe comigo... hoje é dia de comemorar. Você finalmente conseguiu um emprego, amiga! E um onde vai ver o crush de infância todo dia. – falou. Passou as mãos no rosto, secando as lágrimas e sorrindo forçadamente. Julia sorriu sem jeito.
– Ele não é meu crush, já falei isso um milhão de vezes.
– Sim, é justamente porque você repetiu muitas vezes que eu tenho certeza que é. - respondeu ainda sem olhar nos olhos da amiga. Estava grata por ela continuar naquele assunto e não mencionar mais a despedida. Serviu-se de outra colherada do brigadeiro, suspirando baixinho. – Qual grupo esse garoto canta, afinal de contas?
– Um tal de BTS...
Lola começou a tossir imediatamente, engasgando com o brigadeiro.
– Você disse "BTS", tipo BTS mesmo? De Bangtan?
– É, por quê? Eles são famosos? – perguntou Julia, raspando a panela com a última colherada de brigadeiro. Assustou-se quando Lola jogou a própria colher na mesa, indignada.
– Famosos? Amiga, um dia eles vão dominar o mundo. Os caras são muito bons. Não acredito que você não conhecia! – falou a amiga, indignada. Julia piscou os olhos algumas vezes, confusa. Então quer dizer que Lola conhecia musica pop coreana melhor que ela? Ok, talvez Julia devesse começar a procurar por músicas atuais e nacionais antes de se enfiar completamente na playlist de rock antigo. As duas ficaram em silencio de novo, se encarando.
– Você vai me mostrar alguma música deles logo ou o que?
– Primeiro vou mostrar o twitter deles e você vai me dizer qual deles é seu crush...
– Ele não é meu crush!
– Que seja, eu quero saber qual deles é ele.
– Eles têm twitter?
– Kim Ji-Hu não me obrigue a brigar com você, amiga. – Julia riu. Lola havia esquecido pelo menos um pouco os próprios problemas e a dor da despedida que teriam em poucos dias apenas para falar de banalidades envolvendo homem. Se para isso ela precisava usar sua historia com Jungkook, então ela usaria de bom grado porque odiava ver a amiga triste. Julia não viu de onde veio o celular, mas ficou impressionada com a rapidez com que Lola achou o tal perfil deles na rede social. A coreana se sentiu uma idosa que não sabia usar as redes sociais, ou escolher o que ouvia do jeito certo. – Aqui, uma foto dos sete juntos. Qual é o seu amigo?
A foto mostrava sete garotos sorrindo sem jeito para a câmera. Julia tentou não prestar muita atenção na maquiagem que eles estavam usando, já que ela cuidaria disso dali em diante, mas não pode evitar reparar nos delineadores e na quantidade de base para clarear a pele.
– Esse aqui. – respondeu apontando para Jungkook em meio aos outros membros do grupo. Não conseguiu evitar o choque de ver como a base branca se destacava mais nele do que nos outros, como se a maquiadora daquele ensaio não soubesse equilibrar cores e as luzes dos fotógrafos. Ficou irritada com tamanha incompetência.
– Caralho, você tem um crush num dos mais lindos! Sabia que ele é o que mais aparece nos vídeos? Ele é tipo, o membro central deles. – Julia não entendeu a primeira palavra, mas tinha certeza que era um palavrão em português. – Eu ainda não me conformo que você nunca ouviu falar deles, Julia. – Lola já nem olhava para ela, estava rodando a timeline do aplicativo no perfil do grupo. Pelo visto era fã deles e Julia não fazia ideia.
– Primeiro, não é meu crush. É meu amigo. Segundo, por que é que nunca me mostrou nada deles? Eu nem sabia que você curtia kpop!
– Longa história. Outro dia te conto. Vamos sair, precisamos beber. Eu para afogar a bad e você para comemorar e me contar detalhes dessa "amizade de infância".
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