1. o nascimento
1 ANO ANTES DE AQUILES
1. o nascimento
A coluna da faculdade estava gelada contra as minhas costas expostas. Minhas pernas cobertas com uma jeans rasgada arrepiavam com o vento, mas eu não sentia frio. Só sentia aquele quente no meio do meu peito, no meio das minhas pernas.
Estava acabada e era apenas o início do semestre. Acabada devido obrigações e sensações que nunca acabavam, de nunca ter o prazer exposto em todos os cantos do mundo.
Era ridícula essa minha vontade, tinha certeza, mas era simples. Era simples e compreensível. Quando andava naquele maldito prédio como o clichê que eu era — a menina que teve uma vida difícil e problemas com o seu papai, que bateu demais na sua cara e espancou demais a sua mãe — as pessoas não questionavam minhas ações, a minha quietude, o modo como me vestia. Não me culpavam pelas minhas escolhas, mas pelo meu histórico.
Era uma longa lista de problemas que todos adoravam jogar na minha cara quando eu atingia sem querer o ego delas — algo que gostava de fazer, servia para mostrar que a vida delas não era tão perfeita e suas respostas não me afetavam.
Gostava de pensar que não tinha traumas, gostava de pensar que admitir isso para mim e para os outros tornava mais fácil de conviver com a dor, mas toda as vezes que eu entrava com o dinheiro para pagar o semestre adiantado, com o dinheiro da herança que o maldito tinha deixado, lembrava que eu os possuía... em algum lugar bem escondido da minha mente, pois quando doía, era calor que corria pelo meu corpo. Um impulso gostoso que me fazia ignorar o resto.
A maioria dos alunos examinavam meus seios duros através da regata de seda, professores fingiam estarem surpresos ao ver meu pé em cima dos meus cadernos no chão, mas logo subiam os olhares para minha cintura. O vento estava maluco em Porto Alegre e aquele tempo era especial para mim. Queria que eles sentissem o mesmo que eu, um apetite por oferecer e receber assim que botassem os olhos no meu corpo, que seus instintos superassem sua razão e algum deles me oferecesse um casaco. Era fácil assim, pois nenhum deles tinha estruturas para ignorar o meu desejo ou força suficiente para não serem considerados os heróis do dia por não me deixarem passar frio.
Todos enxergavam o bico dos seios e o modo como eu juntava as minhas pernas e diminuía a frustração da faculdade na minha cama. Todos sabiam bem do que era capaz, pois a fofoca corria solta pelos corredores e os homens adoravam a ideia de salvar a mulher, de superarem os que não conseguiram. O que não suspeitavam era que estava muito bem do meu jeito.
Suspirei quando mais um olhou para mim e respondeu meu sorriso de lado. Pareciam necessitar ser parte de um plano, um plano que eles criavam para descobrirem prazer ou amor. Para a tristeza da maioria, me encaixava no meio: incapaz de botar o prazer deles acima do meu e incapaz de amar. Não até aquele momento.
Frustrada, não esperei a hora de entrar na sala de aula e dei meia volta quando o sinal tocou. O pórtico da PUCRS estava recheado de pessoas esperando carros ou indo pegar o ônibus, alguns alunos ambulantes vendiam trufas para garantir a formatura ou viagem. Passava reto, tentando ignorar as leves cantadas que vinham junto, ia direto para as vendinhas debaixo do viaduto comprar cigarro.
— Me vê o de sempre, paixão. — falei para o homem do balcão. Sempre quando aparecia ali, um suor nojento caía da sua testa. Meu ego gostava de pensar que era o nervosismo devido minha presença, mas provavelmente era porque o muquifo inteiro era nojento como ele.
— Aqui. Pode deixar que fica pela casa. — sorriu e mostrou um dos seus dentes que faltavam.
Botando os dedos contra a boca, soltei um beijo no ar para ele, que engoliu seco. Não me cansava das reações que um flerte podia causar.
Com a bunda balançando mais que o necessário, saí do estabelecimento e voltei para a faculdade em direção ao estacionamento, passando pelo prédio de Negócios. Homens que vestiam-se como meninos engomados mexiam com meu ser, aumentava o poder que sentia, e estavam em monte naquele prédio. Eram os que mais gostavam de me ver passar, os que arriscavam com facilidade.
Deixei os cadernos mais soltos sob meus braços, encarando um grupo que esperava nas portas automáticas do lado de dentro. Aqueles três pareciam presas fáceis e fizeram meu passo diminuir ao vestir um sorriso leve e comicamente tímido no meu rosto. Ajeitei meu cabelo curto atrás da orelha, pronta para balançar meus dedos como um oi na direção. Entretida com a possibilidade, esqueci do fluxo de pessoas a ponto de um outro homem bater contra meu ombro pelas minhas costas, fazendo com que eu deixasse minhas coisas caírem no chão.
Revirei os olhos com o impacto, a minha língua dobrando para eu não lançar logo um palavrão. Me abaixei no automático, esperando que algum do grupo fosse me ajudar, mas a mão tatuada que se abaixou perto da minha não era de nenhum deles.
Interessante.
— Não preciso da sua ajuda. — respondi, a voz levemente machucada para ver a reação dele.
— Se for para piorar seu material, acho que não mesmo. — a voz disse, fazendo com que até meu ouvido arrepiasse. Levantando, olhei para ele. Parecia não fazer parte daquele espaço da faculdade: uma tatuagem na mão, uma saindo no seu pescoço. Vestia uma jeans rasgada como eu, mas seus braços estavam cobertos por uma jaqueta grossa de couro, daquelas que parecem novas só até você perceber o quanto agarram cada curva do seu torso.
Seu cabelo parecia estar seboso e entortei a cabeça ao ver. Um motoqueiro, com certeza. O pior tipo deles, escondido sob óculos escuros desnecessários e a mão sobre o rosto.
— Eu cuido muito bem do meu material, obrigada. — Respondi, ignorando-o ao tentar olhar o grupo que estava prestes a usar.
Dos três, apenas um tinha saído e estava parado na frente da porta, toda a sua atenção para o outro na minha frente e nenhum atenção sobre mim. Dentro de dois segundos, o desgraçado voltou para os amigos e começou a subir as escadas rolantes.
— Tu costuma parar no meio do caminho das pessoas? — o outro perguntou, fazendo eu voltar a minha atenção para ele, sem paciência para esconder minha indignação.
— E tu costuma derrubar o material das pessoas? — questionei, agora conseguindo ter a visão da sua boca. Era carnuda e, me pegando de surpresa, logo estava adornada com um cigarro — o meu cigarro.
Calmo, pegou a carteira de cigarros do meu bolso de trás, abrindo o plástico e retirando dois: um para sua boca e outro na sua orelha. O isqueiro era dele, dos de metal e, se a sua missão era me impressionar, ele tinha conseguido. Retirou um outro cigarro e virou na minha direção, colocando-o perto da minha boca. Interessada o suficiente para saber o que ele ia falar depois daquilo, aceitei de bom grado, agarrando com os lábios pintados o objeto oferecido.
— Kaio. — disse pela fumaça que soltei — Qual teu nome, donzela?
Levantei a sobrancelha. — Pode me chamar de donzela, se for o que tu quiser.
Kaio soltou uma risada profunda, olhando para o chão. — Então, donzela, devo te acompanhar até o estacionamento? — virou seu corpo para onde ambos estávamos indo — Sabe, para que ninguém derrube seus materiais preciosos.
— Tu não tem aula, não? — disse ao ver uma mochila no chão. Parecia que nenhum de nós dois estava interessado em estudar e, se ele estivesse interessado no mesmo que eu, o estacionamento não ia ser a nossa última parada.
— Tu não sabe?
— O quê? — levantei a sobrancelha novamente. Vai, motoqueiro, me convença.
— Memórias são feitas fora das salas de aula.
Dei a volta no seu corpo, sem parar de olhar para o seu rosto, querendo enxergar seus olhos sob os óculos para saber mais com quem estava lidando, mas de nada senti. Não senti medo, apenas o calor, e segui para a direção do estacionamento escutando a risada grossa dele e os seus passos atrás dos meus.
n o t a d a a u t o r a :
Começamos! Atualizações vão acontecer nas terças e quintas. Vocês podem achar a playlist do livro no meu spotify! Deixem aqui o que que vocês acham que vai acontecer hehe
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