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Capítulo 5

    - Jamie... Jamie, filho, acorda... Querido... Já é hora...

    - Hã... Mãe - minhas pálpebras vão se desgrudando até eu ter um vislumbre da minha mãe. A cabeça latejando, tento erguer meu corpo sobre a cama, demora alguns segundos pra cair a ficha do que está acontecendo.

    - Filho, já são oito, você tá atrasado pra escola - fala penosamente - melhor se arrumar depressa - ela crispa os lábios e, como um gesto de compaixão, acena a cabeça e vai em direção a porta.

    Eu, ignorando qualquer eventualidade e deixando de lado os relances do sonho que ainda crepitavam na minha mente, tiro o cobertor abruptamente do meu corpo e saio correndo para o banheiro.

   O estômago gelado e o peito palpitante, me apoio na pia e despejo todo e qualquer dejeto que o meu intestino poderia ter naquele momento. Sinto meu tórax se comprimindo a cada porção que passa pela minha garganta; olho pro meu reflexo no espelho à frente, respiro ofegante como se minha garganta houvesse diminuído seu espaço de circulação.

    Um cheiro podre circunda o ambiente e isso se torna o impulso para o meu rosto ir novamente de encontro ao bafo da pia. Mas dessa vez o vômito não sai, apenas a minha boca querendo repelir algo que não mais existe. Ergo meu rosto novamente, mas dessa vez levo a mão ao nariz; não posso mais perder tempo.

    Passo pela porta do banheiro, busco uma calça e uma camisa no guarda roupa, calço os sapatos e desço. Lá embaixo, dou um até mais pra minha mãe - ela ainda me pergunta se quero levar algo para comer no caminho, mas respondo negativamente - busco meu casaco no cabideiro enquanto abro a porta da frente e saio, deixando um estampido para trás.

    Ainda sem pensar direito no sonho que tive antes de acordar, sinto um alívio por saber que a distância da minha casa para a escola é curta.

    Verifico o relógio de pulso e vejo que são oito e dez. De repente, em um acesso de raiva, cerro os dentes e quero que se dane se eu vou chegar atrasado, pouco me importo, o máximo que vai acontecer é uns palhaços metido a bestas fazerem piadinhas em sussurros, o que nem de longe é novidade, só que agora é como se eles tivessem um motivo pra isso.

    Tento olhar ao meu redor, mas alguns vultos surgem. Imagens e gritos assolam a minha mente; tento não pensar nos sonhos, mas é como se isso não estivesse sob meu controle, como se tivessem vida própria, que quisessem furar a realidade, é quase como se conseguissem, já que os vislumbres parecem reais demais; palpáveis demais.

    De repente, me acho novamente olhando para o meu reflexo no espelho, dessa vez, porém, meus olhos estão completamente negros e um sorriso compulsivo de orelha a orelha se destaca no meu rosto; tento fazer movimentos com a cabeça e confrmar se aquele reflexo realmente é meu, mas percebo que estou paralisado, o corpo imóvel; o sorriso ainda destacado.

    Então ouço risos e, um pouco mais abafado, gritos agourentos. Sinto o meu estômago gelar, o peito arfando cada vez mais rápido como se o coração quisesse desgrudar do meu corpo. O desespero vai subindo ao meu pescoço.

    Com um estrépito reverberando o ambiente e uma pancada abrupta no meu peito, sinto meu coração parado, sem realizar as batidas periódicas.

    O silêncio paira no ar.

    Mas é quebrado com o barulho de gotas caindo no chão

    Estremeço, mesmo ainda paralisado, e o meu desespero aumenta gradativamente temendo o que pode estar acontecendo. Percebo as gotas tocando o chão com mais velocidade.

    Agora, vultos correm pelo espelho distorcendo a minha imagem nele, minha visão fica turva; as gotam salpicam o chão com uma intensidade ainda maior; o sentimento de medo se apodera de mim por completo, sem deixar que nada mais penetre os meus pensamentos.

    Os vultos ainda percorrendo nele, o espelho começa a reproduzir falhas e chuviscos como em uma televisão velha. Minha mente trava tentando compreender tudo que se passa ao meu redor, mas apenas o medo e o desespero me consomem.

    Mas, em uma fração de segundos, todos os gritos e risos, todos os vultos e chuviscos do espelho, cessam. Pela segunda vez o silêncio toma conta do ambiente. Nessa mesma fração de segundos minha atenção volta ao meu estômago, gelando mais do que nunca, e ao meu coração, ainda sem bater; sinto um vazio no meu peito e, diferente de ocasiões normais, ele não experimenta uma sensação gélida e acelerada.

    À minha frente, o meu reflexo que antes se achava com um imenso sorriso, começa a soltar uma abafada risada, os lábios ainda estirados largamente de uma orelha a outra. A risada, ainda abafada, vai aumentando parelho aos movimentos dos ombros.

    Sinto arrepios correndo pelo meu corpo quando dentes vermelho-carmesins aparecem entre os lábios do rosto no reflexo. E pela primeira vez, percebo que aquele não sou eu.

    Eu não estava rindo, estava desesperado, arrepiado, o medo fervendo entre os meus vasos, e ainda estava imóvel; completamente o oposto do que quer que estivesse diante de mim.

    Noto o ombro esquerdo da coisa se erguendo lentamente, em seguida o pescoço também começa a subir. Então, ainda de forma lenta, sua mão encosta na superfície interna do espelho, permitindo a mim uma visão completa da sua palma. Bem no centro, um buraco que parecia atravessar a carne até o dorso da mão, e ao lado dessa cavidade, cortes verticais se achavam sangrando intensamente; uma quantidade descomunal de sangue estava escorrendo pela parte de dentro do espelho.

    Acompanho, apenas com o campo de visão dos olhos imóveis, a passagem do líquido escorrendo da parte superior do espelho até a parte inferior, e como se tudo aquilo não pudesse ficar ainda mais insano, em vez do sangue, que partiu daquela mão horrenda, seguir o seu fluxo até a borda do espelho e sumir da minha vista, ele transborda e passa pela parede entre o espelho e a pia, até alcançar o finco da torneira.

    Instantaneamente, o sangue começa a encher toda a superfície da pia. A substância pastosa e de um vermelho intenso, começa, pela segunda vez, a transbordar, caindo agora sobre o chão.

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