Inspiro e sinto o ar rasgante passar pelas minhas narinas. Agora com a mão esquerda apoiada na orla da cama e a direita no chão, vou me erguendo aos poucos. Faço esforço para ficar de pé, mas não resisto ao meu cansaço iminente. Fico de joelho e seguro as minhas mãos sobre o amontoado de panos molhados encostados na borda da cama; resolvo contornar o restante do trajeto assim.

    Dou um longo suspiro ainda com as pálpebras pesadas e a cabeça latejando e tento caminhar com os meus joelhos ralando no chão; mesmo de calça, sinto uma ardência neles. Mas isso não é o suficiente para me abater. Não posso me deixar ceder por completo nesse momento.

    Ergo minha cabeça e continuo com mais joelhadas; mais dor. Percebo um grunhido saindo da minha boca. Contorno a dimensão oposta à cabeceira e me vejo a poucos centímetros do criado mudo. Um lampejo prateado passa no meu campo de visão.

    Ainda está lá.

    Tento apressar o meu ritmo e sinto meu coração acelerando. Dando conta disso, lembro da visão que tive no começo do dia a caminho da escola, aquela cena daquele corpo com o coração extraído do peito e estático no ar como uma mão segurando uma vara de metal enferrujado. Minha cabeça dá uma pontada ainda mais frenética e penso no que deve ser feito agora que estou diante da cômoda.

    Minha mão direita alcança a tesoura sobre o criado e sinto como se estivesse segurando uma pedra de gelo. Não quero pensar muito no que vou fazer agora. Não sei se vai adiantar, mas não quero criar dilema. Algo dentro de mim suplica por isso. Ergo a tesoura acima da cabeça e, de súbito, a aplico sobre a palma ainda apoiada na cama.

    As cobertas sob a mão começam a se avermelhar, jorros de sangue sobem pela ponta do metal e escorrem pela mão. Porém, nada de dor.

    Num segundo, uma cabeça fervendo, um corpo estremecendo e um cansaço arrebatador; no outro, nada além de sangue, um alívio percorrendo os vasos e uma leveza satisfatória.

    Um sorriso de felicidade salta dos meus lábios e me atiro de costas ao chão.

    Fico totalmente confuso com o que pode ter acabado de acontecer, mas não ligo; o alívio toma conta de mim.

    De repente, ouço a porta abrindo...

    - Mamãe?!