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Changbin não estava com um bom pressentimento.
Tinha passado o dia todo em casa, ainda estava deprimido pela derrota da noite anterior. O gosto amargo do fracasso o fez passar boa parte da manhã sem comer, se sentia fraco e incapaz. Nunca entenderia porque todas as vezes ficava daquela forma, tão incomodado e perturbado. Queria ter a quem culpar, mas era tudo sua culpa, se fosse melhor com certeza teria ganhado do australiano.
Queria pelo menos uma vez sentir o gosto da vitória contra o loiro, ver sua cara decepcionada e triste, vê-lo tão cabisbaixo que não iria ter brecha para ser presunçoso ou irritante como sempre era em qualquer ocasião que envolvia o homem mais baixo.
Quando se deu conta, já era noite. A escuridão deslizava para dentro da sua casa e manchava as paredes azuis. Ainda tinha uma longa noite pela frente. Tomou um banho rápido apenas para vestir o uniforme do posto de gasolina que trabalhava, jantando qualquer coisa que achou pelo armário apenas para ter um sustento por algumas horas. Iria fazer o turno da noite, saindo somente pela manhã, então juntou alguns trocados e colocou no bolso da calça jeans surrada para ter garantia que não passaria fome até o amanhecer, pegou sua mochila na sala e saiu apressado. Já estava atrasado.
A brisa suave da noite serpenteia sobre seus cabelos, bagunçando os fios escuros. Por um momento o moreno se arrependeu de não ter pegado a jaqueta, mas já estava consideravelmente longe de casa e voltar agora seria arriscado, chegaria cinco ou dez minutos atrasado, e sua cota de atrasos já estava passando dos limites. Não trabalhava longe do posto de gasolina pretérito, mas acabava sempre se ocupando com suas paranóias e perdia a noção do tempo. Era algo tão comum em sua rotina que às vezes seu chefe apenas balançava a mão em sua direção e o mandava trabalhar.
Virou mais uma esquina com os fones de ouvido estourando, ignorava a barulheira do mundo exterior com "What Do They Know?" tocando no último volume, por isso, não percebeu quando uma moto o acompanhava de pertinho.
— mundo chamando changbin? — a voz irritante do australiano atravessou a barulheira do fone, quando este arrancou o aparelho da sua orelha sem nenhuma delicadeza.
— mas deixa em paz caralho. — afastou a mão do homem de perto do seu corpo, desligando a música e enrolando o fone no celular antes de enfiar no bolso.
Mesmo apertando o passo, chan estava determinado a irritá-lo naquela noite. Foi inevitável para ele não reparar na moto que o loiro estava, uma Kawasaki z800 verde que parecia reluzir diante das luzes da cidade. Changbin segurou a vontade de ficar admirando a motocicleta, erguendo o queixo e andando o mais rápido que conseguia. Chan continuou o seguindo sem dizer uma palavra, usava uma jaqueta verde estilo militar, uma calça justa moldava suas pernas que se mantinham separados em cima da moto. Ele olhava para o moreno baixinho de um jeito estranho, não era como se ele estivesse muito feliz em ver o rapaz, mas aqueles olhos âmbar não enganavam mais o menor, ele estava escondendo alguma coisa e de certa forma aquilo deixava o seo nervoso.
— será que dá pra parar de me seguir? — parou de andar de repente, e chan fez o mesmo.
— não sabia que a rua era sua, benzinho.
Changbin abriu a boca para rebater, mas sabia que seria perda de tempo. Respirou fundo antes de girar os calcanhares e seguir seu caminho. O bang fez o mesmo, o som irritante do motor da Kawasaki ferindo seus ouvidos e tirando sua paciência, as pessoas ao redor prestavam atenção neles e o moreno quis enfiar a cabeça do bang dentro do tanque da moto e acender um fósforo.
— o que você quer de mim, caralho? — abruptamente ele se virou para o australiano. — eu tô atrasado pro trabalho e não é possível que você seja um completo vagabundo pra tá aqui me infernizando por prazer próprio. Que espécie de sádico doente você é!? Vai arrumar o que fazer, porra!
— tá bom, cansei. Sobe logo nessa merda. — puxou o pulso do baixinho, o trazendo para perto o suficiente para que ele saísse da calçada.
— qual a parte que eu tô atrasado pro trabalho você não entendeu? — se desvencilhou das mãos do maior. — você teve o dia todo pra me atormentar e justamente quando eu tô ocupado você faz isso? Sério, você não tem, sei lá, um trabalho? Gerenciar um cabaré ou uma boca de fumo? Sai do meu pé!
— pra sua informação, eu fiquei ocupado o dia todo, por isso não fui atrás de você mais cedo. — ele iniciou no mesmo tom calmo de sempre, mas parecia que estava por um fio de se alterar com o menor. Eles eram sempre daquele jeito, duas bombas prestes a explodir, e changbin já perdeu as contas das vezes que o australiano perdeu as estribeiras consigo. E era tão satisfatório vê-lo sair do papel de bom moço solidário. Porque chan era tão explosivo quanto ele. — agora sobe nessa porcaria de moto e se você for malcriado, eu jogo a gente na frente de um caminhão.
Uma risada ficou presa em sua garganta quando ele encarava os olhos amendoados pela brecha do capacete.
— saiba que eu vou te usar pra justificar o meu sumiço hoje no trabalho, e se eu perder o emprego, vou fazer da sua vida um completo inferno. — pegou o outro capacete que o loiro estava segurando no antebraço, o colocou rapidamente e antes que pudesse subir na moto o australiano o segurou novamente. Changbin estava começando a ficar com raiva daquela mania que ele tinha de tocá-lo sem permissão. — o que é agora?
— veste isso. — tirou a jaqueta verde escura e entregou ao menor, esperando que ele pegasse de uma vez.
— quê? Por que?
— não quero ser visto com você usando essa camisa ridícula.
Changbin encarou as próprias vestes, tudo bem, ele tinha um ponto, a camiseta era realmente feia, era azul com detalhes roxos, atrás tinha informações sobre o posto de gasolina e na frente a logótipo da empresa impressa no canto direito, próximo ao seu peito, com um bolsinho que com certeza era falso. Pegou a jaqueta dele com receio, a jogando sobre os ombros, o perfume másculo do australiano impregnando em seu nariz ligeiramente, o deixando enjoado pela fragrância.
— seu perfume tem um cheiro horrível. — resmungou, segurando nos ombros do maior para subir na Kawasaki. Chan riu e tomou postura. — pra onde vamos?
— se preocupe apenas em segurar em mim.
— prefiro sair voando.
Dito e feito, assim que o bang ligou a moto, o solavanco que deu ao dar partida quase fez o garoto voar da sua garupa. Assustado, changbin agarrou na cintura do loiro, seu capacete batendo no dele e fazendo um barulho fino que fez eco em seus ouvidos.
A risada do australiano ecoou mais alto que o ruído que ainda ressoava em sua cabeça. O moreno bufou irritado e se recompôs, erguendo a coluna e se limitando a segurar nos ombros largos dele apenas para ter no que se apoiar. Chan pilotava numa rapidez espantosa, ultrapassando vários veículos como se estivesse numa simulação, não tendo medo algum de frear de repente ou pisar fundo no acelerador. Changbin podia ver pelo reflexo do retrovisor esquerdo os olhos do bang se tornando finas linhas, ele parecia estar tão extasiado pela adrenalina que nem mesmo ligava para o rapaz que estava logo atrás rezando para não morrer. Chan era um completo louco.
— o que exatamente a gente tá indo fazer no subúrbio? — gritou por cima da ventania que rompia seus tímpanos. Chris tinha diminuído um pouco a velocidade após saírem do meio da estrada movimento e indo por um caminho mais pacífico, o que não fazia nenhum sentido para o moreno, como alguém podia pilotar com tanta voracidade em meio aos veículos grandes e quando tinha um lugar mais sossego parecia uma tartaruga querendo chegar no mar com um predador bem em suas costas? Changbin nunca entenderia o que se passava na cabeça do australiano, e nem queria.
— fazer uma cobrança. — ele disse com calma, deslizando pelo o chão de coloração cinza e pouca iluminação. Changbin não tinha boas memórias daquele lugar.
— cobrança? — repetiu atônito. — por que eu sinto que isso não vai acabar bem. — resmungou para si mesmo, o mau presságio de mais cedo voltando.
— normalmente quem faz isso é o jisung e uns caras de confiança, mas como meu avô mandou ele pra Califórnia, então sobrou pra mim fazer essa merda. — ele parecia desgostoso da situação, como quem tinha pelejado muito para não estar ali no momento. Por um segundo o moreno o compreendeu, também odiava aquele bairro. — mas relaxe que o serviço é simples, pegamos o dinheiro que o cara tá devendo e vamos embora.
Changbin não estava certo sobre aquilo, algo lá no fundo lhe dizia que era furada, mas não podia dar para trás justamente agora que já tinha perdido a hora do expediente e chan não o levaria para casa de jeito nenhum. Quando o bang estacionou, ele avisou que ainda precisariam andar por um caminho que não dava para passar com a moto. Mais temeroso do que nunca, o moreno tirou o capacete e o manteve no antebraço, ajeitando a jaqueta sobre seu torso e seguindo o australiano pelo beco apertado. Era um amontoado de casas, uma em cima da outra em um beco escuro e úmido. Changbin já tinha morado naquele lugar por um tempo, pouco, mas o suficiente para deixá-lo com vontade de nunca mais voltar. Era um dos lugares do território bang que nem mesmo eles podiam controlar, lá havia gente de todos os tipos, umas piores que as outras. O baixinho não seria maldoso o suficiente para dizer que não existia pessoas boas ali, as vezes não temos escolhas e vivemos do jeito que dá, mas era raro você achar alguém ali que não estivesse atrás de dinheiro para gastar com drogas e bebidas.
Pararam em frente a uma casa pequena que parecia baldia, chan tomou a frente e bateu na porta com força. O seo se manteve um passo de distância do australiano, não estava com um bom pressentimento, seus olhos vagavam pelo ambiente, traçando uma rota de fuga caso precisasse, como um instinto natural de quem já tinha passado por várias situações que requerem aquilo. A porta foi aberta num baque, sendo brutalmente puxada para trás, o barulho rompendo o silêncio ensurdecedor da noite. O homem que habitava a pequena casa era alto e tinha cabelos negros e lisos, um cheiro desagradável emanava dele e changbin quis sair correndo no exato momento que os olhos escuros caíram sobre ele e chan, que se mantinha com um postura tranquilo demais para quem estava prestes a peitar um homem que tinha o dobro da sua altura.
— o que vocês querem? — o homem indagou nitidamente zangado.
— sabe, odeio fazer esse tipo de coisa e aposto que você também não gosta, então só paga o que você tá devendo e eu prometo que nunca mais apareço aqui pra olhar nessa sua cara feia. — changbin arregalou os olhos para o australiano, descrente com que ele tinha acabado de falar.
— você quer nos matar? Ele tá armado, seu merda. — changbin puxou o ombro do australiano e sussurrou em seu ouvido. Dava para ver com clareza a silhueta da pistola presa no cós da calça do homem, a camisa regata e suja que ele vestia deixava as coisas ainda mais nítidas e ele parecia que estava mostrando justamente para colocar medo nos dois rapazes. Bom, pelo menos na parte do baixinho, estava dando mais que certo.
— fica quieto, eu sei o que estou fazendo. — ele balançou o ombro para afastar changbin e retornou com sua postura esguia, encarando o homem nos olhos. — e aí, vai pagar o dinheiro ou vai ficar me admirando?
A risada do homem de fios pretos ecoou pelo beco apertado e dentro da cabeça de changbin, que se tornou ainda mais receoso em estar ali parado. O ar ficou preso em sua garganta quando ele passeou os dedos sobre a arma, encarando chan com os olhos frios. Changbin ficou totalmente pálido, descrente que iria morrer justamente com seu maior inimigo. Aquilo só podia ser pegadinha. Chan pareceu enfim se tocar do nível de perigo que eles acabaram de entrar, ele deu um curto passo para trás, agarrando com força o pulso de um changbin totalmente gelado e petrificado.
— a gente vai morrer. — choramingou quase sem voz, ainda com os olhos presos no homem alto.
— presta atenção. — chan murmurou. — no três a gente corre. — changbin teve que balançar a cabeça para se colocar de volta nos eixos. — um… dois… três!
Chan saiu em toda velocidade arrastando o baixinho pelo pulso, o som de tiros reverberando pelo ambiente silencioso junto com o barulho dos passos apressados de ambos rapazes. Changbin tomou consciência da situação quando já estava avistando a Kawasaki em alguns metros de distância, tentou acompanhar os passos ligeiros do maior sem tropeçar, a mão dele tinha arrastado para baixo, entrelaçando seus dedos enquanto perdia a noção do que estava fazendo. Nem mesmo o moreno notou aquilo, apenas correu atrás o mais rápido que suas pernas curtas conseguiam.
— sobe, sobe, sobe! — nem mesmo lembraram de colocar os capacetes quando montaram na moto com pressa. Chan disparou pela rua e changbin abaixou a cabeça quando teve certeza que um tirou passou raspando perto do seu rosto.
— que merda foi aquela, seu maluco?! — ele gritou com o australiano ainda um pouco pálido. — a gente quase morreu!
— quase, mas não foi dessa vez.
— não faz piadinha, caralho, a gente podia ter morrido! Ou melhor dizendo, eu podia ter morrido por culpa sua!
— não seja insensível dessa forma comigo, binnie. — ele sentiu vontade de vomitar quando seu apelido saiu da boca do maior, mas tentou primeiro focar em ver se tinha sido baleado, foi tantos tiros que não sabia como não tinha virado uma peneira. — você tá machucado? — chan virou um pouco o rosto para trás, capturando apenas a imagem do moreno tateando o tórax e a parte que conseguia alcançar nas costas.
— não finja que se importa, é estranho. — resmungou com desdém.
— é, você tá ótimo. — voltou sua atenção para a rua, se locomovendo com velocidade para sair dali o quanto antes.
— o que você tem na cabeça de ir lá cobrar um brutamontes sem nenhuma arma? Quer dizer, eu não sei se seria pior se você tivesse uma arma ou não.
— pra sua informação, tem um canivete no bolso da jaqueta que você tá usando. — changbin rapidamente começou a procurar por tal, achando dentro do bolso de dentro, um canivete simples preto com a lâmina de, no mínimo, dez centímetros. — e eu sei como usar uma arma branca, mas você tava com ela e eu não ia colocar a sua vida em risco.
— desse jeito até parece que você sente empatia por mim. — colocou o canivete onde achou, mas agora que tinha noção que tinha uma arma afiada próximo ao seu peito ficou desconfortável em continuar usando a jaqueta, até mesmo pensou em tirar para entregar ao australiano, mas uma lufada de vento frio o fez mudar de ideia rapidamente.
— você é tão mal agradecido. — chan balançou a cabeça para os lados, os cachos dourados se movimentando no processo. Changbin ficou meramente encantado pela fibra natural do cabelo do bang, já que normalmente ele estava sempre escovado e liso. — eu tento ser legal com você e recebo isso.
— não preciso da sua simpatia.
— sabe quantas pessoas matariam para estar no seu lugar agora?
— aposta que nenhuma seria tão louca em querer ser quase morto com você.
— a gente não ia morrer.
— não, não, não, apenas ser baleado e mandado pro cemitério. E tudo por culpa de quem? Exatamente, sua! Por que você é burro e irresponsável.
— você é tão chato e reclamão. — ele parou de repente a moto no encosto da estrada. — vai, desce.
— o quê? Tá maluco? Você vai me deixar em casa.
— desce logo antes que eu te obrigue.
Indignado o menor desceu, seu corpo meio instável ainda pelo susto recente, ele jogou o capacete e a jaqueta contra o peito do australiano e antes que pudesse sair andando em direção a sua casa — que estava muito longe —, ele mostrou o dedo do meio para o bang.
— eu espero que você se foda, seu idiota! — gritou quando chan já estava tomando distância.
Changbin encarou ao redor, não tendo ideia de como iria para casa. Num suspiro, ele juntou toda sua disposição enquanto começava a marchar na direção por onde veio com o loiro, xingando-o com todos os palavrões que sabia.
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