Prólogo
Prólogo
HARPA!
Ela corria tão rápido quanto um guepardo, mas seu corpo era pesado para um animal tão simples quanto um felino. Da sua boca saiu um rugido animalesco, odioso.
Ela pulou sobre um soldado, derrubou-o do cavalo, prendeu o peito dele entre o chão e sua pata gigante. Logo, a cabeça dele estava esmagada entre seus dentes. Ela era um urso pardo.
Harpa não precisava fazer nada daquilo, apenas queria descontar sua frustração e mágoa por ter sido abandonada, por ter tido o seu ego ferido.
Antes de todos aqueles cavaleiros reais chegarem, Harpa deveria ter encontrado Devon e fugido com ele como combinaram há semanas. Deveria pegar um navio mercante e ir embora com aquele homem daquelas terras malditas. Chegou a ir ao porto com sua mala e viu Devon saindo no navio na companhia de outra mulher... na companhia de sua irmã mais nova.
Harpa rangia os dentes e rugiu de raiva enquanto fazia uma chacina sob suas patas, manchando todo o pelo daquele urso de sangue fresco e tornando a neve abaixo de todos, um lago vermelho brilhante.
Ela sabia que aquele exército pertencia ao usurpador Aegon II. Ele chegou em seguida nas terras do pai de Harpa enquanto ela observava o navio partir, desejando que Devon e Cassandra morressem juntos naquele mar, que eles fossem atingidos por uma grande tempestade e naufragassem. Ela desejou que, se caso chegassem a seu destino em terra firme, que Devon também abandonasse Cassandra, e sua irmã tivesse que vender seu corpinho delicado para que pudesse colocar um pão dentro da boca.
Deuses, tudo aquilo estava acontecendo porque seu pai disse a rainha Alicent por meio de uma carta, que preferia que seus filhos pulassem dos penhascos a virarem servos de Aegon II. Foi por isso que Harpa estava tão magoada desejando que toda a sua família estivesse nesse momento, queimando no mais profundo inferno. Sua família se atirou das pedras do penhasco do castelo e pintaram a borda do mar de vermelho. Deixaram-na completamente sozinha com sua covardia. Harpa não queria morrer.
O urso que ela possuía pertencia a uma espécie gigante que sua família criou, marcando todos eles com jóias de ouro e esmeraldas nas orelhas esquerdas para representar a casa Urso Pardo e as cores dos olhos dos seus integrantes. Aqueles animais eram fiéis aos seus donos, a forma como deixavam seus corpos a mercê para serem possuídos pelas almas dos troca-peles daquela casa, era uma prova disso, mesmo sabendo que a morte certa os esperava.
Harpa não se importava que aquele era um dos últimos adultos que existia, e o pobrezinho foi atravessado por uma flecha na cabeça. Ela gritou de dor quando sua consciência foi mandada violentamente de volta para sua própria mente por conta da morte do animal. Seu corpo doeu por inteiro enquanto se contorcia em algum lugar a floresta.
Que jeito patético de morrer.
Arriscou tudo pela runa do feitiço de amor que fez para se ligar a Devon, mas ele a traiu. Ele não a amava como deveria, e por quê? Harpa se sentia perfeita, era a mais bonita de todas as suas irmãs, a mais inteligente e poderosa, então por que Cassandra acabou no final com Devon?
Harpa nem o desejava, fez o que fez por conta de ego, acreditando que Devon estava completamente obcecado por ela, como deveria ser e como todos eram. Contudo, sua ambição se tornou um grande problema. Se Devon não a amava e era apenas um homem cego, o feitiço não funcionaria.
Caso Harpa gravasse a runa mágica que havia em sua mão na pele de Devon, que não sentia nada sincero por ela além de desejo, ele a amaria por alguns meses ou anos, mas logo o amor se tornaria um ódio sádico e Harpa morreria pelas mãos dele de forma brutal mais tarde.
Ela queria ter lido o grimório com mais atenção, mas estava gritando de raiva enquanto cortava a pele da sua mão para gravar aquela runa e acabou manchando as páginas de sangue.
O príncipe estava se aproximando, ela conseguiu ver a espada suja em suas mãos sangrentas, carregando a morte dos servos que cuidaram dela desde que era criança. Os cabelos platinados e lisos, que se estendiam lisos da raiz e se retorciam em caracois delicados até sua cintura, estavam sendo puxados pelo vento e por alguns galhos por onde o príncipe passava ao caminhar em sua direção. Seria uma imagem bonita se ela não estivesse prestes a morrer pelas mãos dele.
— Vou ter a certeza... — Aemond murmurou com raiva. — De confirmar que você vai se arrepender de não ter se matado com o seu bando quando teve uma chance.
Seu olho bom e violeta parecia desejar que Harpa fosse rasgada em retalhos pela sua espada sedentária por ainda mais sangue. Era óbvio que o príncipe Aemond não estava tão irritado com sua família porque juraram lealdade à rainha legítima daquele reino. Ele simplesmente estava possesso porque Harpa foi a responsável por espalhar fogo vivo nos estábulos do próprio castelo quando viu Vhagar sobrevoando o local.
De início Aemond não sabia o que ela estava fazendo, e nem se importou quando a viu correndo daquele local para dentro da floresta. Ele estava ali para executar todos daquela família e faria isso, queimaria todo aquele castelo para que não sobrasse nenhuma barata viva.
Contudo, Aemond estava voando baixo demais quando aconteceu a explosão, e ele acabou caindo quando Vhagar se assustou com os pedaços de ferro voando. Harpa sabia dos boatos sobre Aemond ser um tolo arrogante e não usar correntes para se segurar como os demais montadores de dragões.
Era por esse motivo que ele estava surpreendentemente inteiro andando em sua direção, mancando de sua perna direita em carne viva. Algumas partes de sua roupa de couro ainda estavam pegando aquele fogo verde, e se aquele tolo não corresse imediatamente para um curandeiro, perderia a perna e seria um completo aleijado.
Ao menos Harpa teve alguma piada para rir no seu leito de morte. Um Targaryen idiota, caolho e manco. Seria ainda melhor se ele fosse mutilado naquela época. Seu dragão velho mofaria naquele poço e a alma dela estaria feliz no inferno.
Aemond sentiu o ódio subir de seu estômago e arder em sua cabeça quando percebeu que estava sendo feito de piada dentro da cabeça problemática daquela "troca-peles" de olhos selvagens. Aquela mulher era completamente louca, ela também estava com queimaduras nas mãos, mas não percebeu?
— Vou dar sua cabeça para Vhagar comer. — Ele falou entre dentes e ofegante, ainda mancando em sua direção com a espada firmemente entre seus dedos fechados. — Seu corpo vai ser exposto no muro!
Aemond parecia profundamente motivado a matá-la, ainda mais depois de vê-la rir da sua situação deplorável. Ele aguentava muitas coisas calado, mas ser feito de piada por qualquer um que fosse, ultrapassavam muitos limites do aceitável, ainda mais por alguém como ela.
De qualquer forma, Harpa sabia que não precisava morrer, ainda havia outra opção. A runa mágica de ligação que fez para Devon ainda estava gravada e fresca em sua mão. Se ela a usasse em Aemond, seria o suficiente para que ele a deixasse em paz por algum tempo até que ela pudesse fugir.
Ela estava brigando, mas era um prodígio na habilidade de ser uma "troca-peles" e deveria fazer jus à sua concessão.
— Você não tocará um único dedo em mim se sua intenção for me ferir. — Disse com um sorriso. — Pelo contrário. Você dará sua vida por mim e não desejará ninguém que não seja eu. Seu corpo só reagirá se pensar em mim. Acha isso o suficiente?
Aemond se apoiou na árvore ao seu lado e fez uma careta de dor por conta da perna sangrenta. Ele deveria capturar aquela idiota e levá-la para decapitá-la de uma vez e em seguida ir ao médico, ou então aquela perna pararia de funcionar.
Ele levantou seu olho bom para observar Harpa sentada na neve em sua frente. Em algum momento ele pensou que seria um desperdício matá-la, já que ela era tão bonita. Nunca havia visto alguém com aquele tom tão agressivo e exagerado de vermelho nos cabelos.
Aemond riu, e depois rangeu os dentes por conta da dor.
— Não compartilharia meu corpo com coisas como você mesmo que eu estivesse desesperado.
— Coisas como eu? — Harpa perguntou aos gritos. — Wargs? Sabe que somos extremamente raros e você acabou de cometer um crime aos olhos dos deuses ao matar quinze homens e mulheres que nasceram consecutivamente com esse dom?
— Ah... — Aemond suspirou. Na verdade, ele não ligava para nada disso. — Fique quieta e você não vai agonizar tanto enquanto eu corto seu pescoço. A linha da espada está ficando cega.
Harpa recuou, se arrastando sobre os cotovelos na neve gelada que já adormecia seus membros.
— Mas se eu morrer, você desejará vir junto comigo para o inferno. — Completou franzindo os lábios.
— O que? — Aemond parecia extremamente irritado e cansado. O que aquela mulher falava nem fazia sentido.
— Esta bruxa está te amaldiçoando, Majestade.
Usando suas últimas forças, Harpa caiu no meio da neve com os olhos opacos e deixou que sua consciência escorregasse para algo com um monte de penas douradas. Sua visão se tornou a de uma pequena coruja jovem.
Harpa tinha pouco tempo.
Lançou-se sobre o maxilar de Aemond Targaryen, abrindo suas asas e esticando suas garras. A runa gravada na pele dele deveria ser exatamente como a sua, e ela deveria ser tão rápida quanto habilidosa.
No fim, não soube se conseguiu terminar o serviço de gravar a runa em seu pescoço, porque Aemond gritou, girou sobre os calcanhares e perfurou a coruja com sua espada. Seu corpo real se contorceu e ela gemeu de dor quando sentiu a morte daquele segundo animal. Provavelmente morreria naquele momento ou voltaria com graves sequelas; já não sentia suas pernas de qualquer forma.
Sentia que estava morrendo, mas algo estava errado.
Escutou um nome novo em sua cabeça. Algo disputava espaço dentro do seu corpo... e a faria perder a única coisa que ainda possuía.
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