Capítulo 2
Queria ter ignorado a fome, mas não podia ignorar o facto de que Drácula me deixou sozinha. Mesmo que não me aventure a entrar na floresta, posso explorar a mansão e talvez encontre algo que me ajude a criar um plano para sair daqui.
Mas após algumas voltas nos corredores, sinto que estou perdida.
— Precisas de ajuda?
Reajo de sobressalto e viro-me para dar de caras com um homem em trajes negros. Ele parece novo, talvez poucos anos mais velho que eu. Mas Thomas também parecia… Drácula também parece alguém pouco mais velho que eu e é um monstro imortal.
— Não, obrigada. – Mas a verdade é que preciso e expiro em derrota. — Procurava a cozinha.
O homem observa-me, intrigado. Drácula disse que não havia mais nenhum vampiro na mansão. Porque estaria um humano aqui? Terá mentido?
-- Se seguires esse corredor e virar duas vezes à direita, irás ter à escadaria para o salão. O corredor ao lado das escadas leva à cozinha se seguires em frente.
— Obrigada. – Afasto-me decidida a não lhe dar mais conversa, no entanto, ele alimenta-a.
— Boa sorte.
— Boa sorte? Não há comida nesta casa?
Ele deixa escapar um sorriso e balança a cabeça. – Sorte a sobreviver na mansão.
— Ajudaste bastante. – Observo. - Obrigada por nada.
Ainda com o sorriso nos lábios, recua dois passos e vira costas. Mas o facto dele estar aqui faz-me recear quantas mais pessoas estarão e se deverei preocupar-me com elas. Drácula disse que nem ele nem Thomas iriam tentar matar-me, mas ele não disse nada sobre os outros,
Sigo as indicações que me deu e paro à frente da porta por onde luz passa entre esta e o chão.
— Por favor, que seja a cozinha e não uma sala de tortura. – Murmuro.
Empurro a porta, lentamente, mas o que encontro deixa-me boquiaberta.
Duas mulheres de vestido preto e avental branco cortam legumes numa bancada de mármore no centro da divisão.
Elas param quando percebem a minha presença. A surpresa com que ambas me olham faz-me perceber que não sabiam da minha presença na casa. Elas entreolham-se.
— Menina, precisa de alguma coisa? – A mais velha, de estatura baixa e cabelo ruivo, acaba por me perguntar, limpando as mãos no avental e aproximando-se de mim.
Por momentos não sei onde está a minha voz. – Procurava algo para comer.
— Claro! – Responde. - Que tipo de refeição prefere a esta hora?
Aproximo-me com prontidade. - Eu não sou…
Ela sorri.
— Nós sabemos que você é humana. Não se preocupe que não lhe daremos nenhum pescoço para morder.
O à vontade com que falam no assunto deixa-me ainda mais curiosa.
— Então, vocês não são… vampiras?
A outra, alta, magra, cabelo comprido preto, solta uma gargalhada.
A mais velha aproxima-se e puxa-me com cortesia para perto da mesa. Agora, próxima a ela, percebo as suas maçãs do rosto rosadas com ligeiras sardas e os olhos, serenos, que fundem vários tons de azul. – E como devo chamá-la?
— Beatrice.
— Beatrice. – Ela repete com um sorriso. — O meu nome é Trish. E ela é Johanne. — Sorri para a morena. — Somos humanas, como a Beatrice.
Neste preciso momento sinto que encontrei as minhas novas melhores amigas. Será através delas que irei encontrar forma de sair daqui, viva.
— Como conseguem estar aqui? Também são prisioneiras? O que aconteceu? Porque…
— A mais velha sorri com ternura e nega com a cabeça. -- A nossa família tem tréguas com Drácula. Em troca de paz, nós prestamos-lhe serviços.
— Paz? Ou seja, ele não vos mata se trabalharem para ele?!
— Exatamente isso. – Joanne diz. – Aqui tem a sua sopa. – Johanne coloca um prato com sopa na mesa à minha frente. – Não devia julgar tão prontamente. Nunca sabe quando poderá ser você. Oh, não, espere, você já está nessa posição.
Agarro a minha garganta pelo pensamento.
— Não tenha medo. São demasiado afiados. Assim que passarem a primeira camada de pele não dará pelo resto.
— Johanne!
— O que foi? – Inquire Johanne retoricamente. — Ela está debaixo do mesmo teto que nós. Seria imprudente não se preparar.
— O que quer isso dizer? – Pergunto alarmada.
— Que, se te queres safar aqui, precisas escolher as tuas amizades com muito cuidado.
Reconheço de imediato a voz. Olho para trás e encontro o mesmo homem do corredor, na entrada da cozinha, de faca na mão, a cortar uma maçã em pedaços que come de seguida.
— E quem és tu mesmo? – Questiono.
Ele gargalha e encolhe os ombros.
— Posso ser o teu melhor amigo, se souberes escolher.
Ergo o sobrolho esquerdo com escárnio. Pego no prato e dirijo-me para a saída, que ele está a bloquear. Fito-o. — Nesse caso, ainda bem que sei escolher. Agora, importas-te de sair da frente?
Ele afasta-se e eu saio com o batimento cardíaco acelerado.
Talvez este tenha sido o meu primeiro erro. Desafiar aqueles que dividem o teto comigo sem saber quem são, o que são ou se poderão ser-me úteis de futuro. Seria irónico morrer pelas mãos deles e não pelas presas do Monstro.
Paro numa encruzilhada e expiro frustrada.
– Mas é claro que esta casa tinha que ser um labirinto.
— Perdida? - Assusto-me quando oiço a voz de Drácula quase no meu ouvido esquerdo e por reação largo o prato. Com uma destreza única, Drácula coloca a mão sob o mesmo, impedindo que este caia no chão e devolve-mo. – E assustadiça.
— Não deverias aparecer do nada, então. E muito menos falar ao ouvido como se fosses uma alma penada. – Drácula sorri e estica o braço para me ceder passagem para o corredor da direita. – Porquê uma mansão?
-- Por que não?
— Gostas de andar?
Ele gargalha. – Nem por isso. Sou muito sedentário. – Fito-o desconfiada e ele continua. – Indica grandeza.
-- Para quem? Ninguém vê a mansão.
Ele sorri, como se soubesse algo que eu não sei, mas não contesta. Permanece em silêncio até parar e me indicar a porta do quarto. — Chegámos. Amanhã Thomas irá mostrar-te a mansão e garantir que não te perdes. Tem uma boa noite.
Rendo-me, por fim, e fito a porta. O que me espera? Um caixão? Um armário? Sem janelas? Abro a porta com cautela na esperança de que a realidade seja gentil comparada à minha imaginação e começo a perceber o padrão atrás de portas fechadas.
Os castiçais espalhados por várias superfícies iluminam o espaço. O meu quarto deve caber aqui duas vezes. O papel de parede com padrões ornamentais em tons cremes e vermelhos combina com a colcha creme da cama, à minha direita. Um conjunto de almofadas bordadas em linha dourada está disposto na cabeceira da cama. Numa das mesas de apoio estão dois livros e na parede à minha frente, duas janelas que cobrem a parede do chão ao teto estão abertas, permitindo que os cortinados, também bordados no mesmo padrão das almofadas, esvoacem com o vento.
À minha esquerda, de frente para a majestosa cama, há uma lareira em pedra negra com vários lobos esculpidos. Duas poltronas estão estrategicamente colocadas de frente para esta.
Imediatamente à minha esquerda, na parede da porta, está uma cómoda com um enorme espelho em cima, vários utensílios de beleza e um pequeno arranjo de flores.
Fecho a porta atrás de mim e caminho pelo quarto. Deslizo a ponta dos dedos pela superficie dos móveis imaculadamente limpos. Observo, atentamente, os quadros e todos os pormenores decorativos. O quarto está preparado porque ele sabia que me ia trazer?
Movo uma das cadeiras contra a porta do quarto prendendo o puxador nas costas da cadeira. Tento abrir a porta para testar a minha protepção improvisada e quando vejo que a porta não abre, sento-me na cama satisfeita. É agora, no silêncio do quarto e ao olhar em redor que a realidade do que está a acontecer cai sobre mim. Drácula raptou-me.
A primeira lágrima rola pelo meu rosto e quando a dor no meu peito se torna impossível de suportar, arfo por ar e deixo todas as lágrimas rolarem.
Puxo o corpo para cima do colchão e abraço as pernas. É nessa bola de medo e desespero que adormeço.
Acordo com uma batida na porta.
Ergo a cabeça com os olhos semiabertos, confusa sobre a realidade em que me encontro, mas a luz que entra pelas janelas que não cheguei a fechar na noite anterior, esclarece que não foi um sonho. Deixo cair a cabeça novamente na almofada e expiro com pesar.
Uma nova batida na porta.
— Posso entrar? – Uma voz feminina pergunta do outro lado da porta.
Ergo a cabeça repentinamente fitando a cadeira contra a porta. Quando vejo a maçaneta rodar, sento-me na cama, o meu coração acelerado.
Se eles souberem como bloqueio a porta vão tirar todas as cadeiras do quarto e deixarei de o poder fazer.
-- Não! – Apresso-me a dizer e saio da cama. – Um momento! Por favor.
Tiro a cadeira o mais rápido que consigo, voltando a colocá-la perto da lareira.
-- Pode entrar.
Uma mulher jovem, muito provavelmente da minha idade, entra no quarto. A primeira coisa que se destaca nela é o cabelo loiro caído sobre um dos ombros.
— Bom dia! – Ela diz com um sorriso. – Como dormiu? – Quem é ela?! Perante o meu silêncio, ela avança na minha direção e eu recuo. Ela para nesse exato momento. Mágoa passa pelo seu olhar, mas ela rapidamente se recompõe e sorri. - O meu nome é Evangelline. O Conde pediu-me que viesse ajudá-la e que fosse…o seu guia durante a sua estadia na mansão.
-- Acho que não percebi.
— O Conde não quer que você esteja sozinha na mansão. – Ela esclarece.
— Está com medo que fuja? A ideia já me passou pela cabeça.
Ela sorri. – Não é tão mau quanto parece. – Fito-a em descrença. - Mas eu sou suspeita.
-- E porque seria isso?
-- Porque vivo com ele desde que ele me salvou quando eu tinha seis anos.
-- Salvou? É essa a sua expressão para raptou?
Evangelline olha-me perplexa. — Não! – Exclama ofendida. - Ele protegeu-me dos lacaios de Sir Spolt.
— De quem?
— O homem que… - Mas detém-se. — Logo saberá do que falo. - Evangelline caminha até à cómoda e retira um verde com bordados em linha dourada. — Venha, vamos vesti-la.
— Se vais ser a minha sombra aqui dentro, sugiro que me comeces a tratar por tu e Beatrice.
Evangelline sorri.
— Combinado. Podes tratar-me por Eva. Evangelline soa a reprimenda.
-- Também estás aqui porque…
Eva olha-me expectante. – Porque…?
-- Tréguas em troca de serviços.
Eva enruga a testa confusa, mas então o seu olhar abre em pavor. – Pelos Deuses, não! Não! – Ela balança a cabeça como se tentasse afastar os pensamentos. – Como disse, ele salvou-me. Eu não tinha… - Eva limpa a garganta. – Não tinha mais ninguém.
- E ele deixou-te ficar… porque não tinhas mais ninguém?
- Uhmuhm.
-- Não faz sentido.
-- O quê?
- Sabes o que estou aqui a fazer? Porque eu tenho uma família à minha espera. – Eva nega. - Todas as histórias que fizeram parte da minha vida me instruíram para fugir. Fugir dele sem nunca questionar se as minhas pernas aguentariam a corrida e aqui estou eu, a dormir na mansão do monstro e nem fiz um escândalo. Ainda.
Eva sorri. — Pareces-me ser uma pessoa racional. Sabes que um escândalo não mudaria nada. Além disso, histórias são algo que as pessoas contam para manter viva uma ideia. Nem sempre elas são a verdade, são apenas baseadas em fatos verídicos. Quem conta um conto, acrescenta um ponto.
Ela até pode ter razão, mas estamos a falar de um monstro imortal.
— O que me sabes dizer acerca das cozinheiras? – Pergunto-lhe enquanto caminhamos por um dos corredores.
— Johanne e Trish? - Confirmo e Eva sorri. — Vejo que já tiveste um encontro com as irmãs.
— São irmãs? – Questiono incrédula. – Não são minimamente parecidas.
— A familia delas também tem uma história complicada.
— Por trabalharem para Drácula?
— A família delas foi perseguida há uns séculos. Drácula prometeu proteção em troca dos favores e serviços da família aqui na Mansão. Johanne não aceita o fato de ter de se submeter às ordens de Drácula. Trish não se importa. Tal como eu, ela está grata por ter um teto e não ter de dormir com um olho aberto e outro fechado. É um trabalho como tantos outros.
— Por que estás tão empolgada em defender a honra de Drácula? Estás sob alguma influência do seu poder?
Eva não responde e limita-se a sorrir.
Depois de quase ser forçada a usar o vestido que Eva tirou, caminhamos para o salão porque Eva queria garantir que eu tomava o pequeno almoço.
Mas Drácula aparece à nossa frente.
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