CAPÍTULO 11.
POV LUDMILLA OLIVEIRA
Na manhã seguinte, acordei com um só objetivo: seguir a minha rotina normalmente.
Porém, era inegável que algo estava diferente, seria uma possível ansiedade para a noite? Mesmo não fazendo nenhum sentido, afinal, era só uma aluna para uma aluna.
Tudo bem. Era uma aula na minha cobertura, onde evito ao máximo a entrada de pessoas com quem não tenho intimidade. Era uma aula com uma aluna que eu julguei no primeiro dia de aula, mas depois de um certo trabalho, comecei a me identificar com ela. Era uma aula para uma aluna que havia me visto aos beijos com uma mulher no meio de uma boate, e, pior ainda, eu havia socorrido dela e trago-a para a minha própria casa. Era uma aula que não foi solicitada pela aluna em si, mas sim pela sua mãe e, assustadoramente, o pedido foi feito quanto eu estava na casa dessa aluna, bebendo uma cerveja com os seus pais!
É por isso que a droga da minha cabeça está confusa. Tudo isso não faz o menor sentido. Eu não sou bondosa ou empática com meus alunos, principalmente com os que tenho atrito logo de cara.
Então, por quê diabos eu estava agindo assim com ela?
É só a merda do sentimento de identificação, Ludmilla.
Ela te lembra quem você foi.
– É isso — suspirei ao terminar o meu exercício, concordando com os meus próprios pensamentos — sentimento de identificação — conclui, tentando recuperar o meu fôlego.
Após o treino, fui direto para a cozinha, já que o meu estômago estava implorando por alimentos. Preparei ovos mexidos, café e mamão, sentando em seguida para consumir item por item.
– Lyon, você já comeu duas vezes — revirei os olhos ao vê-lo chacoalhar a sua vasilha, pedindo mais comida — e nem ainda me olhar assim — fiz uma careta para o mesmo, voltando a comer.
.....
Às 08 da manhã, eu já estava dando entrada no hospital que tanto amo. Enquanto seguia para a sala dos médicos, fui parada por uma paciente antiga.
– Dra. Ludmilla — sorrio ao me ver
– Olá, Eloise — sorri para ela — o que faz aqui? — perguntei, conferindo se fisicamente ela estava bem.
– Vim acompanhar o meu marido — explicou
– Entendo — sorri para ela — e como anda esse novo coração? — questionei
Eloise foi uma paciente e tanto. Talvez um dos casos em que mais me envolvi emocionalmente. Ela estava grávida quando salvei a sua vida, mas não pude fazer nada pelo pequeno que ainda habitava o seu ser.
– Funcionando bem, graças a você — apertou a minha mão
– Você foi uma verdadeira guerreira naquela sala — apertei a mão dela de volta.
– Obrigada, Dra. — ela suspirou — preciso que saiba de uma coisa — me olhou ansiosa.
– Sou toda ouvidos — falei atenciosamente.
– O Fernando veio reverter à vasectomia — contou — vamos tentar novamente — me olhou com os olhos lacrimejando.
Naquele momento, uma emoção tomou conta de mim e imediatamente eu abracei-a. Quando eles souberam que o bebê não havia resistido, duas semanas depois, entraram em contato comigo, comunicando sobre a vasectomia e sobre não quererem mais filhos pelo medo de reviverem aquele pesadelo.
E, por muito tempo, eu me culpei por toda situação. Por mais que eu tenha dado o melhor naquela sala, eu ainda me sentia falha e culpada.
Receber essa notícia trouxe um certo conforto para o meu ser.
– Que alegria ouvir isso, Eloise — suspirei abraçando-a — como já disse, vocês são jovens e ainda tem muito para viver — olhei-a — vai dar tudo certo — apertei a sua mão
– Muito obrigada por tudo, Dra. — ela me abraçou novamente — por tudo mesmo — senti a sua voz embargada.
Depois daquele momento com a Eloise, senti o meu coração mais aquecido. Só Deus sabe quantas noites de sono eu perdi com aquele caso e quantas vezes eu me culpei por destruir uma família.
– Aí está você — Patrícia disse assim que entrei na sala dos médicos. — já encontrou ela? — questionou ao notar que eu estava visivelmente emocionada.
– Já — suspirei negando com a cabeça — eu espero que dê tudo certo, Patty — olhei para ela — eu fiz o que pude, juro — suspirei relembrando aquela noite intensa.
– A culpa não foi sua, Ludmilla — me olhou antes de levantar e me abraçar — você sabe disso, amiga — concordei ainda abraçada a ela.
.....
Depois de um dia bastante intenso no hospital, principalmente com o encontro com a Eloise, retornei para casa.
Eu ainda precisava me arrumar e organizar algo para jantar, afinal, marquei com à Srta. Gonçalves às 19h, e conhecendo a grade da Universidade como eu eu conheço, sei que ela malmente terá tempo para comer, já que duvido muito que ela queira chegar atrasada aqui.
– O cheiro está bom, Lyon? — questionei ao senti-lo se enroscar nas minhas pernas enquanto eu cozinhava — eu também amo comida italiana — suspirei ao provar o molho.
Optei por aquela velha e deliciosa massa italiana.
Céus, até cozinhando para aquela garota eu estava. Que diabos estava acontecendo comigo? Porquê não pedi uma pizza ou uma comida de restaurante?
Após terminar o jantar, fui tomar um banho e me arrumar.
Às 18:59, a minha campainha tocou. Respirei fundo e segui até a porta.
– Que pontual, Srta. Gonçalves — balancei a cabeça antes de abrir a porta.
E lá estava ela, parada na minha porta. Com aqueles olhos castanhos me fitando fixamente, me causando um arrepio estranho. Bom, cortei o momento estranho e ela entrou, sentando-se aonde eu indiquei, e mais uma vez o silêncio se fez presente.
Não é possível que o gato tenha comido a sua língua, não é?!
– Sim, claro que sim — respondeu um pouco desesperada ao meu questionamento, começando a abrir a sua mochila e tirar o seu material
Enquanto ela se organizava, eu caminhei e sentei na poltrona, ficando de frente para a mesma.
– No que tem tido dúvidas? — questionei, encarando-a.
– ECG — respondeu, colocando uma mecha do seu cabelo atrás da sua orelha.
– Em tudo sobre ECG? — perguntei, respirando fundo.
– Em tudo não — respondeu — na interpretação em si — suspirou — eu acabo me atrapalhando muito — olhou-me.
Segurei um sorriso. Ela estava preocupada com a interpretação do ECG, sendo que ainda não exploramos essa parte da maneira que eu costumo explorar. Era por isso que ela estava com dificuldades, o assunto ainda não foi abordado como deveria, mas, ela já estava bem à frente da turma.
– Tudo bem — resolvi não comentar sobre o fato dela estar muito adiantada nesse conteúdo — vamos lá — respirei fundo, antes de começar a explicar algumas coisas para ela.
Comecei a explicar ela tudo sobre a interpretação de um ECG, e fiquei feliz ao vê-la prestar atenção e absorver tudo rapidamente.
Ela realmente tem uma mente inteligente e esforçada.
Em um dado momento, acabei sentando no sofá ao seu lado, já que estávamos avaliando alguns ECG'S.
– Exatamente isso — concordei, ao vê-la explicar uma parte do ECG que estávamos analisando — essa distância entre os QRS são semelhantes e a onda P está sendo gerada no nó sinusial, então?! — sugeri, olhando-a.
– O coração está em ritmo segurar e sinusial — concluiu — o intervalo PR está girando em torno de 0,14s — calculou rapidamente — já o QT está em 390ms — disse atenta — ou seja, tudo está dentro do padrão esperado — eixo normal — avaliou — ST isoelétrico — concluiu, me olhando em seguida.
Respirei fundo ao ver aqueles olhos castanhos me olharem tão de perto e com tanta intensidade. Não estávamos estudando nem a 2 horas, e ela já havia pego praticamente todo o conteúdo, e melhor ainda, havia realmente entendido e absorvido tudo.
– Acho que você mentiu sobre ter dificuldades nesse conteúdo — falei, sem desviar o meu olhar do seu.
– Eu não menti — ela respondeu rapidamente — mas as suas explicações tornam tudo mais fácil para o meu entendimento, Sra. Oliveira — falou baixo demais.
Baixo demais mesmo, Brunna.
Baixo ao ponto de me causar um arrepio? Que porra é essa, Ludmilla? Perdeu a cabeça??
Engoli em seco, vendo que a mesma continuava me encarando, então, resolvi quebrar aquele clima que estava começando a ficar estranho demais para mim.
– É, eu vou — levantei rapidamente — vou preparar o jantar — avisei.
– Não há necessidade — disse me olhando — não quero atrapalhar — falou gentilmente.
– Quero o diagnóstico desse ECG — ignorei a sua fala, lhe entregando mais um exame — detalhado e exato — avisei — um erro pode custar uma vida, lembre-se disso — falei antes de deixá-la sozinha na minha sala.
Caminhei para a minha cozinha, ainda sentindo algo estranho no ar. Neguei com a cabeça, a única coisa que eu devo estar sentindo é loucura, isso sim.
Depois de esquentar e organizar tudo, retornei para a sala, vendo a mesma concentrada no ECG. Resolvi não atrapalhar, então continuei parada apenas observando.
– Temos um diagnóstico? — questionei assim que vi que a mesma havia terminado.
– Eletrocardiograma com ritmo sinusal — começou a falar — frequência cardíaca de 70 bpm — mostrou atentamente — onda P positiva em todas as derivações, exceto aVR — disse sem pestanejar — QRS largo, com eixo elétrico do QRS normal, cerca de 45°; intervalo PR considerado normal, em 0,15 s – QT corrigido normal em 400 ms;
segmento ST é isoelétrico e sem alterações relevantes – continuou falando, prendendo a minha atenção — onda T é positiva em todas as derivações, excetuando aVR;
não há onda Q patológica – ressaltou — ou seja, exame dentro dos limites da normalidade. — concluiu me olhando.
Perfeito, Brunna, perfeito. Mostrou domínio em todas as partes que são necessárias para avaliar o ECG. Não gaguejou, como havia feito no primeiro que analisamos e em nenhum momento demonstrou insegurança.
– Vamos jantar — acabei sorrindo para ela, negando com a cabeça e retornando para a sala de jantar.
Assim que sentei, ela fez o mesmo, sentando de frente para mim. Começamos a nos servir e a comer em um silêncio confortável, eu diria.
– Está muito bom — ela falou enquanto finalizava o seu prato.
– Sei que está — respondi voltando a comer.
Em alguns momentos, vi que ela tentava começar alguma conversa, mas desistia antes mesmo de emitir um som. Tive que me segurar para não rir.
– Gosta de suco de laranja? — questionei após servi-la.
– Sim — ela respondeu olhando para a minha taça de vinho.
Vamos lá, Brunna! Pergunte!
– Posso fazer uma pergunta? — ela questionou receosa.
– Já está fazendo, não? — respondi voltando a beber.
– Porque está bebendo vinho e eu suco de laranja? — perguntou, me fazendo novamente prender uma risada.
Que criança malcriada! Querendo beber álcool?!
– Adultos bebem álcool, crianças bebem suco. — respondi sucintamente enquanto bebia novamente na sua frente.
Diferente da reação que eu esperava, Brunna arqueou a sobrancelha para mim, como se me desafiasse??
E antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ela levou suas mãos até a garrafa de vinho, pegando a taça vazia ao seu lado e enchendo.
– Não quero ofendê-la, mas talvez esteja precisando usar óculos ou lentes, Sra. Oliveira— disse enquanto me olhava — aqui não tem nenhuma criança — ressaltou bebendo do meu vinho.
Ninguém bebe do meu vinho sem autorização, Brunna.
Sua atitude e sua fala me deixaram mais estática do que eu podia imaginar. Ela havia mesmo me afrontado dentro da minha própria casa? E ainda tinha a coragem de sorrir enquanto bebia do meu vinho sem a minha autorização?
E por que infernos, no fundo, eu estava instigada com essa situação???
– Brunna — balancei a cabeça, negando enquanto olhava para ela — não vá por esse caminho — avisei, bebericando o meu vinho sem tirar os olhos dela.
– É um excelente vinho — respondeu sorrindo, ignorando totalmente o que eu havia dito.
Calma, Ludmilla. Respira. É só assumir o controle da situação. Eu não sei o pq dela achar que está tendo alguma liberdade comigo, mas eu precisava cortar isso, antes que fosse tarde demais.
Ela bebeu todo o vinho que estava na sua taça e, pasmem, serviu mais para si mesma.
– Você é uma criança muito atrevida — falei enquanto olhava para ela.
– Eu não sou criança, nem atrevida — respondeu basicamente — só sou contra injustiças — deu de ombros ainda me olhando enquanto bebia.
– Injustiças? — questionei, ainda sem entender.
– Sim, é injusto que esteja bebendo vinho enquanto eu tenho que me contentar com um suco de laranja — concluiu, me fazendo arquear a sobrancelha com o seu atrevimento.
Respirei fundo e levantei, caminhando para o outro lado da mesa, mais especificamente, caminhando para ficar ao seu lado.
– Alguns goles de álcool e você já está assim, criança?! — questionei rindo e encostando o meu corpo na mesa, ficando ao seu lado.
– Por quê gosta tanto de me chamar de criança? — ela questionou, novamente secando a sua taça.
Eu não sei o que estava acontecendo com aquela garota. Muito menos com o clima daquela sala de jantar. De repente tudo ficou quente demais, será que a porcaria do ar condicionado havia quebrado?
Bom, vi Brunna levar, novamente, a sua mão até a garrafa de vinho, mas antes que ela concluísse o ato, a impedi, segurando no seu pulso e sentindo uma vibração estranha.
– Acho melhor você parar por aqui — falei baixo, sentindo a minha garganta um pouco seca — não quero ter que te dar banho e te colocar para dormir — fiz menção ao que aconteceria caso ela se embebedasse.
– Foi tão ruim assim me dar banho? — ela questionou, mais uma vez, me pegando de surpresa.
Ora ora, o que algumas gotas de álcool podem fazer, certo?
Respirei fundo, com a sua pergunta, ainda sentindo algo estranho não só dentro de mim, mas no ar.
Não, Brunna. Com certeza não teria sido ruim ter lhe dado banho.
Seus olhos pareciam mais brilhantes do que quando ela chegou, provavelmente com o efeito do álcool. Pelo visto, ela é fraca para bebida.
Não consegui me conter ao estar tão próxima dela, então levei minha mão até o seu queixo, tocando levemente no mesmo.
– Hora de ir para casa, criança — falei baixo, olhando para aqueles olhos castanhos.
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