Capítulo 4 - Tudo Bem Quando Termina Bem
Fui para o camarim me preparar para o show, e meus amigos foram levados a um dos poucos camarotes que restaram da reforma do antigo Teatro Oz, para assistir ao show.
Como obviamente ninguém está interessado na minha escolha de figurino, e os acontecimentos do camarim antecipariam algumas surpresas na história, vou descrever os últimos momentos da apresentação do incrível Mágico de Oz, que não tive a oportunidade de assistir ao vivo, mas meus fãs maravilhosos postaram alguns vídeos na internet, e meus amigos me contaram tudo depois com riqueza de detalhes, inclusive o que sucedeu ao show do Mágico.
Todo o interior do prédio era iluminado por lâmpadas esverdeadas. No palco, no entanto, luzes verdes e brancas giravam o tempo todo ao redor da estrutura.
A apresentação do Mágico prendia a atenção da multidão. Quando meus amigos se colocaram no camarote, ele estava retirando espadas do estômago de sua jovem assistente Mona. Chegava a causar calafrios nos espectadores.
O grand finale ficou por conta de um truque inacreditável. O Mágico se sentou numa almofada no centro do palco. Usava um terno preto sobre um colete cinza bordado com um mosaico preto, e sobre a cabeça um turbante roxo com uma esmeralda de duas polegadas bem no centro. Os olhos pareciam de vidro e não possuíam pupilas nem íris. Ele cruzou os braços diante do corpo e fechou os olhos, concentrando-se. Foram quase cinquenta segundos de expectativa, então Mona apanhou uma espada e, com um só golpe da nuca para a garganta, separou a cabeça do Mágico de seu corpo.
Ele, porém, não se moveu.
O público já pensava que o truque havia terminado, quando de repente a cabeça do Mágico começou a levitar acima do corpo. E à medida que subia, a cabeça crescia, até atingir o tamanho de um balão. Então a cabeça, com o turbante, a esmeralda, e os grandes olhos brancos, agora abertos, explodiu, e da explosão se formou uma nuvem vermelha com o formato de uma grande fera com nove olhos, sendo o do meio maior do que todos os outros. Uma lança afiada saía da ponta de sua longa cauda. Ele possuía presas e garras enormes e pontiagudas e rugia alto como um trovão.
A multidão se apavorou por um instante, mas quando a fera abriu a boca e mergulhou com voracidade em direção à plateia, Mona cortou sua cabeça com a espada, e então a nuvem foi ao chão. E quando ela se dissipou, em pé no centro do palco, com os braços cruzados à frente do corpo, a cabeça intacta envolta no turbante, sem um arranhão na esmeralda, o Mágico encarou o público com uma expressão imponente.
Mas o show ainda não havia terminado. A assistente Mona abraçou-se aos ombros do Mágico, que a envolveu pela cintura, e começou a levitar com ela. O público não desviava nem por um instante os olhos do casal no centro do palco. Então eles começaram a girar, rápidos como um tornado, e desapareceram.
Um enorme falcão branco alçou voo desde o centro do palco e passou por cima do público, para fora do teatro.
A multidão aplaudiu calorosamente.
Então, o mais estranho aconteceu. Todos os seguranças visíveis ao redor do pavilhão apanharam os rádios comunicadores praticamente ao mesmo tempo. O palco estava silencioso. Havia uma coisa errada.
– O que está acontecendo? – indagou Ernie aos amigos.
Um segurança passou por trás do palco, e então um murmúrio circulou entre a multidão.
– Dorothy já devia estar no palco – sibilou Totó apreensivo. – Ela devia ter entrado com o redemoinho do Mágico.
Os amigos olharam aflitos para o centro do palco vazio. Os músicos aguardavam o sinal para começar a tocar.
– O que isso significa? – perguntou o Homem de Lata.
Um calafrio percorreu a espinha de Totó com sua terrível conclusão.
– A Bruxa do Oeste!
E correu para o camarim, seguido pelos amigos. A porta estava trancada, e tudo lá dentro era o mais absoluto silêncio. O policial David tentava arrombar a fechadura.
– O que houve? – perguntou Totó aflito.
– A Bruxa do Oeste prendeu Dorothy no camarim e abriu o gás! – respondeu David, atropelando as palavras, enquanto lutava com a fechadura. – Se eu não conseguir abrir logo a porta, ela morrerá asfixiada.
– Por que não estoura a fechadura com um tiro? – apressou o Homem de Lata agoniado.
– Porque ela pôs uma bomba do lado de dentro. Se eu atirar, ou fizer qualquer movimento brusco na porta, e ela estiver conectada ao detonador, pode explodir.
Frustrado com suas inúteis tentativas de arrombamento, ele olhou com esperança para Leão e perguntou:
– Ainda tem aquele grampo?
– O grampo que vá para o diabo! – gritou Totó, empurrando o policial para o lado, e jogando toda a força de seu corpo contra a porta três vezes, apesar dos alertas de David sobre a possibilidade de que a bomba fosse detonada com a pancada.
Quando a porta finalmente se abriu eles me viram desmaiada no chão. Totó me tomou nos braços e correu para fora. David avisou aos reforços que chegavam sobre o ataque da Bruxa do Oeste, enquanto meus amigos me levavam para fora do teatro.
Uma ambulância esperava na porta, e tão logo me trouxeram para fora, os paramédicos colocaram uma máscara de oxigênio sobre meu nariz e boca, antes mesmo de me deitarem na maca.
Recobrei os sentidos antes que me colocassem na ambulância, e uma agente do FBI estava ao meu lado.
– Quem é você? – perguntei, ainda entorpecida pelo gás, minha voz abafada pela máscara de oxigênio.
– Sou a Fada do Sul – respondeu a policial. – Eu sei que é difícil dizer qualquer coisa agora, mas eu preciso que faça um esforço e me diga do que você se lembra?
Respirei fundo atrás da máscara e pisquei com força, organizando as palavras no pensamento.
– Eu tinha acabado de me vestir – comecei –, e quando olhei no espelho, ela estava em pé atrás de mim, com uma máscara de gás no rosto, e os vidros do camarim estavam fechados. Eu não vi por onde ela saiu porque ela me deu uma coronhada e eu desmaiei.
– A Bruxa do Oeste? – certificou-se a Fada do Sul.
– Acho que sim, pois ela disse que eu ia morrer porque matei a irmã dela.
De repente ouvimos uma gritaria no interior da casa de shows.
– Eu preciso me apresentar – lembrei, livrando-me da máscara de oxigênio e me erguendo da maca.
– De jeito nenhum! – protestou a Fada do Sul. – Você precisa ir para o hospital, respirou muito gás...
– Eu me sinto bem agora – insisti. – E não posso desapontar o meu público.
Os gritos soaram ainda mais alto. Parecia que a multidão assistia a um grande show. O rádio da Fada do Sul emitiu um apito.
– Você precisa ver isso – disse a voz de um policial pelo rádio.
– O que está acontecendo? – perguntou a Fada do Sul.
– Nós a pegamos – disse a Fada do Norte pelo rádio. – Ou melhor... O Mágico a pegou!
Então todos – inclusive eu, que me esquivei dos paramédicos – entramos na casa de shows. Pendurada acima do palco, presa num emaranhado de cordas e cabos de aço, a Bruxa do Oeste agitava-se para se libertar da fera vermelha, que na verdade não era tão grande quanto pareceu refletida na nuvem do truque do Mágico.
– Era uma vez uma Bruxa derrotada... – comemorei, de alma lavada.
– Ai meu Deus! – Uma mulher gritou da multidão, olhando em direção aos meus amigos; mais especificamente para Ernie, o Espantalho, que imediatamente ruborizou de vergonha.
Ao contrário do que pareceu à emissão do grito, a mulher não estava assustada. Cortou a multidão o mais rápido que pôde e foi até ele. Assim que se chegou, começou a apalpar o rosto dele e fitou ternamente os olhos dourados do rapaz, que tinham o tom exato dos seus.
Todos a reconhecemos imediatamente.
– Melanie Morris! – exclamaram o Homem de Lata e Alexia em uníssono.
Ernie ficou imóvel, fitando a mulher, que agora chorava, sem tirar os olhos dele.
– Eu te procurei por toda parte – disse Melanie. – Todos esses anos...
– O quê?... – ele começou a indagar, mas ela o interrompeu.
– Você é meu filho, Ernest – revelou Melanie, sem hesitação.
Várias perguntas passaram pela mente do rapaz, mas ele não conseguiu pronunciar nenhuma delas, apenas se deixou ser envolvido pelo abraço de sua mãe.
– Mas a senhora nunca me quis – sibilou ele, confuso com a atitude dela, muito diferente de tudo o que ele havia imaginado.
– Por favor, não diga isso, querido – implorou Melanie. – Eu sofri todos esses anos pelo que aconteceu. Você não se lembra porque era muito pequeno. Quando você nasceu era a criança mais linda deste mundo...
Ernie fez uma careta de descrença.
– Não é exagero de mãe – corrigiu Melanie, como se visse os pensamentos através dos olhos do filho. – Você era lindo de verdade. Tinha uma doce pele de pêssego e os meus olhos dourados... Mas um dia, enquanto eu negociava meu próximo filme com o diretor, você foi levado do carrinho.
Melanie fez uma breve pausa para tomar fôlego e enxugar as lágrimas.
– Eu fiquei desesperada – prosseguiu. – Foram muitos dias esperando pelo contato dos sequestradores. Eu concordei em pagar o que eles me pediram para devolver você, mas quando eu fiz o pagamento no lugar combinado, eles ligaram e disseram que você estava morto. Eu sabia que era mentira... Eu sentia... A mãe sente o que acontece ao seu filho.
"A polícia prendeu um dos bandidos: uma mulher, no mesmo dia – prosseguiu Melanie –, e ela confessou que eles tinham jogado você numa lixeira porque pensaram que você tinha morrido quando caiu uma panela de água fervente no seu rosto. Eu fiquei horrorizada! Ela disse que foi um acidente, que eles pretendiam devolver você quando eu pagasse o resgate...
"Eu sofri todos esses anos por não saber direito o que havia lhe acontecido. Ela disse onde tinham te jogado, mas quando cheguei com a polícia, você não estava lá. Eu pensei que tinha te perdido para sempre...".
Ernie chorava de emoção à medida que ela contava sua história, chorando também.
– Essas cicatrizes no seu rosto comprovam que você é o meu filho, a criança que teve o rosto queimado – continuou Melanie. – Mas não se preocupe. Eu vou te levar aos melhores médicos e cirurgiões plásticos do mundo, e eles vão conseguir remover estas marcas.
– Melanie... – chamou uma mulher atrás da atriz.
Ela se afastou um pouco, ainda segurando a mão do filho.
– Esta é sua tia Tamara, minha irmã. Ela é cirurgiã.
Tamara se aproximou e examinou superficialmente as cicatrizes no rosto de Ernest, sem se abalar com sua figura.
– A boa notícia é que eu posso remover estas cicatrizes – disse com um sorriso doce. – A má é que depois disso você não vai aguentar o assédio das garotas, porque Brad Pitt invejará a sua beleza!
Ernie deu um risinho emocionado, os olhos cheios de lágrimas.
– Que bom que tudo se resolveu no final – sibilei, quase chorando também. – E você, Alexia, venha para o palco comigo. Esse gás me deixou tonta, então você vai dançar no meu lugar, enquanto eu canto.
– Não senhora – deteve-me Totó. – Você precisa ser examinada por um médico.
– Estou bem – garanti. E me voltei para Alexia. – Você vem comigo.
A garota abraçou brevemente o Homem de Lata, empolgada, mas ele parecia distante.
– O que você tem? – perguntou.
– Eu me lembrei... – murmurou ele, ainda com o pensamento distante. – Eu já estive aqui antes.
Todos nos detivemos para ouvi-lo.
– Eu era assistente do Mágico, junto com a minha irmã, Mona. Um dia nós nos apresentamos num circo em Sacramento, e quando eu desmontava tudo para irmos embora, caí de uma altura de mais de quinze metros, em cima de um trailer do circo. Acho que só deram por mim horas ou dias depois, mas já estávamos muito longe. Minha irmã e o Mágico não tinham seguido viagem com eles. O pessoal do circo somente me deixou em um hospital em Los Angeles e seguiu para o Texas.
– Você é irmão da assistente do Mágico? – espantou-se Alexia, animada.
– E filho do Mágico! – completou o Homem de Lata.
– Que bacana! – exclamou a namorada. – E você lembrou seu nome?
– Ramón – comemorou ele, assentindo com um sorriso.
– Ramón! – Alexia o abraçou empolgada.
– Por onde eles foram? – perguntou Ramón, olhando para todos os lados, procurando na multidão.
– Você está bem? – perguntou-me Penélope, chegando-se ao grupo, atrasada demais para ter ouvido as novidades.
– Estou sim – comecei a dizer.
– Você viu para onde o Mágico foi? – perguntou o Homem de Lata, abordando Penélope, eufórico.
– Está desmontando o truque para que o FBI possa levar a Bruxa do Oeste para a prisão – respondeu a assessora.
– Obrigado – ele deu um beijo na bochecha de Penélope e gritou para Alexia enquanto cortava a multidão para ir encontrar sua família: – Te encontro mais tarde!
Totó segurou meu braço e disse:
– Acho melhor você ir para o hospital.
– É sério, estou bem – garanti.
– Ele tem razão, Dorothy – insistiu Penélope. – Vamos adiar o show para amanhã. Todo mundo vai entender. Você ficou presa numa câmara de gás, correndo o risco de voar pelos ares...
– Como assim, voar pelos ares?... – indaguei, realmente surpresa. – Do que você está falando?
– Da bomba que aquela Bruxa colocou no seu camarim.
– Nós já averiguamos isso – disse a Fada do Sul, que passara os últimos minutos falando com a Fada do Norte pelo rádio. – A bomba foi um blefe para não abrirem a porta imediatamente. Fizeram bem em arrombá-la.
Lancei um sorriso agradecido para Totó.
– Agora, será que a senhora pode colocar um pouco de juízo na cabeça desta teimosinha? – disse Totó à agente do FBI, me abraçando de lado. – Ela insiste em fazer o show, mesmo depois de ter respirado todo aquele gás...
– Não – disse a Fada do Sul. – É melhor você ir para o hospital, fazer alguns exames, repousar... Seus fãs podem esperar até amanhã.
Depois de muita insistência, finalmente concordei em adiar o show. E quando me apresentei no dia seguinte, todos os meus amigos estavam lá. Alexia dançou como se já fizesse parte do grupo há muito tempo. Ernie, o Espantalho viu o show do camarote, acompanhado de Melanie, sua mãe, e Tamara, a cirurgiã que iria operá-lo em poucos dias. Ramón, o Homem de Lata, também estava no camarote, ao lado de Mona, sua irmã, seu pai o Mágico de Oz, e Doug Leão.
O show de Dorothy Tornado no Teatro Oz foi o evento mais comentado da semana. Os críticos diziam que aquele foi o verdadeiro show de mágica, com direito a captura de uma Bruxa por duas Fadas bondosas. Algumas pessoas até disseram que, ao fim do show, um tornado veio e me levou de volta para Nova York. Mas é lógico que não se pode acreditar em tudo o que dizem. Afinal, isso é o show business!
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