Capítulo 1 - Caindo de Cabeça em Hollywood
Meu nome é Dorothy, e sou uma grande estrela do pop. Verdade é que existem estrelas maiores que eu, mas aposto que nenhuma delas tem uma história tão fascinante para contar.
Nasci no Kansas, em meio à pradaria cinzenta. Meus pais morreram quando eu tinha dez anos, e desde então vivi com meus tios Henry e Ema numa casinha minúscula longe de tudo e de todos.
Mas depois da passagem de um tornado há um ano, minha vida mudou completamente.
Como eu disse, a casa onde morávamos ficava no meio do nada, de modo que, um homem que vinha pela estrada em seu carro, percebendo que não escaparia da tempestade, parou e nos pediu abrigo.
Já era quase noite, e o carro dele havia sido arremessado do outro lado da estrada pelo tornado, então ele só poderia seguir viagem a pé no dia seguinte.
Ele ceou conosco e no fim da noite, como de costume, sentamo-nos todos na varanda por algum tempo. Eu peguei o violão e comecei a cantar as canções de sempre para os meus tios. Aquela parecia ser a única coisa capaz de fazer tia Ema sorrir.
Então aquele homem disse que eu tinha uma bela voz, e nos contou que era produtor de uma grande gravadora de Los Angeles, e me convidou a ir com ele para a Califórnia gravar um CD demo.
Logo minha música estava em todas as rádios, e o meu primeiro álbum vendeu mais que pinheiros de natal em dezembro.
Eu não poderia estar mais feliz. Exceto que, como cantora, ainda havia um sonho a realizar. O mesmo sonho de quase todos os artistas do ramo: se apresentar no palco de Oz, a maior casa de shows do mundo.
Quando meu empresário me disse que tinha agendado o show, eu nem consegui acreditar!
Mas foi então que tudo aconteceu, e por muito pouco, o show com que eu tanto sonhei não teve que ser cancelado.
Eu não morava mais no Kansas, nem meus tios moravam lá. Eu os tinha levado comigo para Los Angeles, mas quando minha carreira explodiu nos mudamos para Nova York.
Por todo o país contava-se a história de que fui carregada por um tornado do Kansas até Los Angeles, e que a minha voz ecoou desde o interior do tornado por toda a cidade, até que ele me deixou às portas da Star FM, uma grande emissora de rádio no centro de Hollywood.
Eu sei, parece loucura, não é? Mas se o pessoal da publicidade achou que isso faria bem à minha imagem, quem sou eu para discordar! Afinal, não era exatamente mentira, foi mesmo um tornado o que me levou aos palcos; não exatamente como contaram, mas, quem se importa? A história é boa de qualquer modo.
Bem, eu parti de Nova York para Los Angeles em meu helicóptero no dia do show. Ao meu lado, o piloto particular, Anthony Thomas, ou como eu prefiro chamá-lo, Totó. E eu não admito que façam especulações acerca da origem deste apelido, até porque é bem óbvio: Anthony Thomas, Tony Thomas, To-Tó! Para desalento de quem imaginou qualquer razão mais ordinária.
Cruzamos o país sem contratempos, porém, quando sobrevoamos Los Angeles, surgiu um problema em uma das hélices. Totó me pediu para ficar calma e disse que ia tentar um pouso de emergência.
Los Angeles estava coberta por uma densa neblina naquela tarde, de modo que era muito difícil distinguir qualquer coisa. Quando ele fez a primeira tentativa de pouso no primeiro heliporto que encontrou, por causa da nebulosidade, bateu numa mureta de concreto antes de descer ao topo do prédio escolhido, e esta arrancou as pás que serviam de base ao helicóptero.
Não olhei para trás, nem seria possível, mas não era difícil imaginar que a mureta onde o helicóptero bateu pertencia a outro prédio que nós não vimos.
Ele fez outra tentativa ao dar a volta, e anunciou, quase com orgulho, que tínhamos pouco combustível. Na hora eu não entendi; só depois ele me explicou que um pouso de barriga poderia explodir o helicóptero se tivesse combustível.
O pouso naquele prédio parecia impossível com a neblina, então Totó baixou um pouco e eu pensei que ele tivesse visto um prédio mais baixo com heliporto. Foi só quando me atrevi a olhar no rosto dele que percebi o que ele não quis me dizer: estávamos caindo... em plena avenida!
Eu fechei os olhos e me pus a rezar, pensando que de fato tivesse chegado o nosso fim, lamentando somente não ter feito o show com que tanto sonhei, quando de repente senti um impacto violento, mas não o bastante para nos matar.
Foi um grande alívio abrir os olhos e constatar que tínhamos aterrissado, numa posição bastante estranha, inclinados, como se houvesse algo embaixo do helicóptero. Pensei que fosse uma das pás que tivesse ficado presa e entortado no pouso – ou na queda, ainda não sei ao certo.
Totó e eu saímos do helicóptero aliviados por estarmos vivos. Tínhamos literalmente parado o trânsito da principal Avenida de Hollywood, e uma multidão se juntava para ver o estrago. Duas viaturas estavam paradas bem perto de nós, e os policiais nos encaravam com uma expressão chocada.
Quando um dos policiais, na verdade uma mulher, se aproximou e nos cumprimentou, senti um arrepio na espinha, pensando que ela nos levaria para o distrito, e isso atrasaria ou impediria o meu show.
– Em nome de todo o povo da Califórnia, quero lhes agradecer... – ela disse.
A mesma dúvida passou pelo meu rosto e pelo de Totó ao mesmo tempo.
– Nos agradecer... Pelo quê? – perguntei.
– Há meses nós perseguíamos Martha Owens, mais conhecida como Bruxa do Leste, e hoje a perseguição chegou ao fim.
Totó e eu nos entreolhamos confusos.
– Bruxa do Leste? – perguntei. – O que é isso? Caímos por acaso num conto de fadas?
– Ela era conhecida por este apelido porque veio desde o leste do Estado nos últimos dois meses – explicou a policial –, envenenando hoteleiros com uma substância ainda não identificada, possivelmente um preparado desenvolvido por ela, sabe-se lá com que tipo de coisa, e saqueando suas caixas registradoras e cofres. Todas as forças policiais do Estado estão envolvidas no caso. Nós a perseguíamos de perto em nossas viaturas quando seu helicóptero caiu sobre a motocicleta que ela pilotava.
Eu me virei devagar, e então vi porque o helicóptero estava inclinado. Debaixo da estrutura metálica, tudo o que se podia ver eram os pés calçados com sapatos caros. A moto estava caída alguns metros à frente. Com o impacto, a bolsa ou os bolsos da jaqueta lançaram para fora vários objetos que estavam agora jogados por toda parte na avenida: um canivete, um revólver pequeno – trinta e oito milímetros, se não me engano; era igual ao que o tio Henry levava no cinto quando ia recolher os animais ao celeiro no meio da madrugada de inverno –, um vidro marrom quebrado sobre a poça de um líquido verde como absinto, possivelmente o veneno de que falaram, e o telefone celular prateado.
– Foi um acidente – desculpou-se Totó.
– Não importa – disse a policial. – O povo de Los Angeles é grato a vocês.
Neste momento uma campainha soou pausadamente no chão, a alguns metros do helicóptero. A policial pegou o celular da Bruxa e olhou no visor:
OESTE.
Clicou ATENDER e encostou o telefone no ouvido.
– Onde você se meteu? – perguntou uma voz de mulher do outro lado da linha. – Eu estou te esperando há uma hora!
A policial reconheceu imediatamente a voz de Geena Owens, a assassina conhecida como Bruxa do Oeste, cúmplice da assassina que agora estava morta embaixo do helicóptero.
A policial tentou fazer sua voz ficar parecida com a da Bruxa do Leste, para conseguir a localização da outra assassina, mas ela desligou rapidamente, talvez depois de ter percebido que não era a parceira quem lhe falava ao telefone.
De súbito, ouvimos um barulho altíssimo, como uma explosão ou um tiro de arma pesada e grande, e os vidros do helicóptero se quebraram.
A policial se aproximou enquanto os outros policiais lhe davam cobertura, preparados para o caso de o atirador atacar novamente. Eu me encolhi e agarrei o braço de Totó, assustada.
– Os controles estão destruídos, e o buraco no painel tem o formato da cabeça de um lobo – disse a policial aos seus companheiros.
– Foi ela – concluiu um policial, à frente dos demais. – Ainda vamos descobrir como ela faz isso.
– Receio que não – disse a policial.
O celular da Bruxa do Leste tocou mais uma vez, uma campainha dupla e breve. A policial verificou a tela.
"Você tem uma nova mensagem de texto".
Clicou em LER.
"Desgraçados! Vocês mataram a minha irmã, agora eu vou matar vocês!"
A policial nos fitou por um segundo e se voltou para os policiais.
– Ela pode nos ver, está bem perto – disse. – Façam uma busca minuciosa nos arredores e peçam reforços.
A policial abriu a tampa da bateria do celular da Bruxa do Leste e inseriu um pequeno chip. Em seguida se dirigiu a nós, que permanecíamos assustados, junto de alguns policiais, até então, sem saber o que estava acontecendo.
– Eu não quero assustar vocês – começou a policial –, mas há outra assassina na cidade, comparsa desta; a Bruxa do Oeste. Ela viu vocês e sabe que mataram a irmã dela.
De repente me senti nauseada de medo.
– Vamos levá-los para um lugar seguro, e cuidar para que nada lhes aconteça – prosseguiu.
– Eu não posso – protestei. – Eu vou me apresentar em Oz, não posso decepcionar os meus fãs.
– Eu já lhe havia reconhecido – disse a policial. – Dorothy Tornado...
– Sim.
– Bem, Oz fica na Avenida das Esmeraldas. Não é muito longe daqui. Vou pedir a um dos agentes que os acompanhe, mas quero que fiquem atentos. À menor atitude suspeita, interrompa o show! Nós estaremos por perto.
Assenti com a cabeça, concordando. A policial me estendeu o celular da Bruxa do Leste.
– Coloquei um rastreador GPS neste aparelho, então sempre vamos saber onde você está. Se a Bruxa do Oeste fizer contato, avise-nos imediatamente. – E me estendeu seu cartão.
– FBI?! – surpreendi-me.
– Sim. Meu codinome nesta operação é "Fada do Norte". Parece que alguém achou engraçado que as Bruxas fossem perseguidas por Fadas... – Fez uma careta ao pronunciar este comentário. – Enfim, caso eu não possa ajudá-los, enviarei minha parceira, a "Fada do Sul".
– Certo – assenti, sentindo-me perdida num livro infantil.
A Fada do Norte chamou David, um dos agentes que estava com eles, e mandou que nos escoltasse até Oz.
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