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44: Cabeça fria, caralho!


Espero que gosteeem! Já deixa o voto no início e um comentário aleatório.

Você pode correr por muito tempo
Cedo ou tarde, Deus vai te punir

Johnny Cash, em God's gonna cut you Down.

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• DAMIANO RUSSO •

Qual é o preço da vingança? A felicidade? A paz? A sanidade? A alma? Ou tudo isso? Porque eu não sei mais o que é ser feliz, estar em paz, com a mente limpa e a alma intacta. Então eu me pergunto, se eu dei tudo de mim e consegui o que quis, por que não recebi o que dei de volta?

Sim, eu me senti momentaneamente satisfeito, e confesso que, de quando em vez, sinto que eles podem, finalmente, descansar em paz, porque o seu assassino foi desmascarado, e em breve pagará por cada dano que causou. Porém, aqui parado na sacada, de frente à cidade, eu sinto falta de algo que tenho receio de nomear. Algo ou...alguém.

Seguro o copo de whisky, meu fiel companheiro nos últimos dias, o único que me consola sem questionar, e dou um gole, enfiando a mão no bolso e tentando não pensar naqueles olhos cor de avelã, claros, límpidos e âmbar, como o líquido quente que raspa a minha garganta, e que, me olharam com tanta mágoa, que podiam abrir um buraco no meu peito ali mesmo e fazer do meu coração míseros pedaços.

Mais um pecado pelo qual pagaria, se existisse um acerto de contas no final.

Se as minhas crenças ateísticas estiverem erradas, e houver de facto um céu, um deus, eu pararei na frente dele após a minha morte, e bom, apenas um de nós terá que implorar por perdão.

E não serei eu.

Mas não existe um deus. Esse é o ponto. Bebês têm câncer, animais são torturados, pessoas não têm comida, apesar de haver que chegue para todo mundo. Se existisse um deus, ele seria um imbecil, e eu lhe diria isso na cara. Afinal, deus pode nos julgar pelos nossos pecados, mas os dele ultrapassam os nossos em número e gravidade.

Cristãos dizem que deus cura. Mas se ele pode me curar, por que não o fez quando perdi os meus pais, já que teve que matá-los tão cruelmente? Não há um deus!

Eu não lembro da última vez em que tentei me convencer de que havia um. Sou cético. Não faço orações. O céu é surdo.
Não existe justiça divina. Na terra fazemos, na terra pagamos. Após a morte, existe o nada. Só uma caixa nivelada para o nosso cadáver e um buraco solitário sinônimo de um descanso que nunca vem.

Coloco o copo vazio sobre o parapeito da sacada, e o som do vidro contra a pedra ressoa pela noite fria. A cidade nunca dorme, assim como eu depois que o outro lado da cama voltou a ficar vazio e frio. Há luzes acesas em milhares de janelas, e por um instante me pergunto quantas dessas pessoas se sentem tão despedaçadas quanto eu.

Talvez ninguém. Talvez eu seja o único idiota que entregou a própria alma a uma causa, apenas para perceber que não tinha ideia de como viver sem ela depois que tudo terminou.

Os meus dedos procuram automaticamente o maço de cigarros no bolso. É um hábito antigo e raro que voltou à tona, um resquício do menino que eu era, que assistia ao pai fumar na varanda de casa antes de tudo desmoronar. Acendo o cigarro e solto a fumaça devagar, observando como ela desaparece no ar, como tudo na minha vida parece fazer ultimamente.

Os olhos cor de avelã voltam à minha mente, implacáveis. Não importa o quanto eu tente afastá-los, eles sempre voltam, sempre me perseguem. A dor que vi neles me destrói mais do que qualquer tiro poderia. Ela confiou em mim. Me amou, com uma intensidade que eu nunca imaginei que merecesse. E o que eu fiz? Transformei aquele amor em cinzas, assim como a ponta do cigarro que agora arde entre os meus dedos.

Por um instante, cogito voltar para ela. Ignorar tudo. Pedir perdão. Implorar, se for preciso. Mas sei que seria inútil. Alexa não é o tipo de mulher que perdoa traições como a minha. Ela não deveria, e eu não mereço.

Ainda assim, a ideia de nunca mais vê-la, nunca mais tocá-la, nunca mais ouvir a sua risada...Essa ideia me mata lentamente por dentro, com uma dor que whisky nenhum consegue anestesiar.

A fumaça do cigarro se mistura com o ar gelado, e eu me apoio no parapeito, olhando para o abismo lá embaixo. Parte de mim se pergunta como seria fácil acabar com tudo. Resolver a questão de uma vez por todas.

Mas eu sou teimoso demais para isso. Não foi assim que cheguei até aqui.

Não importa o quanto a minha alma esteja em pedaços, a Alexa ainda é minha. Ela não pode ser de mais ninguém. O pensamento é tão irracional quanto possessivo, mas não consigo sufocá-lo. Eu a destruí, mas também a quero de volta.

E vou tê-la. Nesta ou em outra vida.

Apago o cigarro, esmagando a ponta contra a pedra, como se pudesse apagar junto os meus demônios. Amanhã é outro dia, e amanhã eu começo a traçar um novo plano. Porque, mesmo que ela me odeie, mesmo que o mundo me odeie, ela nunca deixará de ser minha.

Nem que eu tenha que queimar o resto do mundo para fazer isso prevalecer.

— Bêbado de novo? — ouço a voz do homem que antes recebia reprimendas de mim, mas que agora eu sou o alvo das suas reprimendas.

— Estou sóbrio — respondo, sem me virar — Apesar de preferir não estar.

Lorenzo suspira atrás de mim e se aproxima poucos passos. Com uma distância mínima, ele permanece às minhas costas, mas sinto que tem algo a me contar, então fico calado, na escuta.

— Estive com a Manon esta tarde — informa, me deixando tirar as minhas próprias conclusões.

— Sortudo — murmuro, sem humor algum — Pelo menos um de nós tem esse privilégio.

Não era isso que queria dizer e o meu primo sabe, tanto que ri de mim como se eu fosse um menino de oito anos acusado de ter uma namorada. Ele sabe que sempre que diz que esteve com a namorada, a minha pergunta é única.

Prendo a respiração.

— Como ela está? — ele sabe que não é à Manon que me refiro.

— Presa — ele diz, resoluto, despertando ainda mais a minha curiosidade.

Viro a cabeça para o lado, o suficiente para vê-lo de canto de olho.

— Presa?! — exclamo, a preocupação incrustada na minha voz.

— O Maurice não a deixa sair do quarto — explica, enfiando as mãos nos bolsos para esconder a tensão que ambos sentimos.

— Cazzo! — o palavrão sai automaticamente, uma resposta ínfima ao caos que se instaurou na minha cabeça e à necessidade de tirar a minha mulher daquele lugar, não importa quanto custe.

Me viro completamente, apoiando as costas no parapeito e passando as mãos nos cabelos desarrumados.

— Por quê? Por que aquele figlio di puttana a mantém presa?! Me diga tudo, Lorenzo — exijo, me segurando para não sair porta afora em resgate dela.

— Ele acha que ela tem envolvimento na sua...vingança, irmão — dá de ombros, como se fosse óbvio — Naquele dia, depois da festa, ele...

A pausa que ele dá só me faz ficar mais possesso de raiva, as minhas mãos em punho são sinônimo da impaciência que escorre pelos meus olhos provavelmente avermelhados.

— Abra a boca e diga, Lorenzo! — ordeno, nem um pouco preocupado em ser educado agora.

— O Maurice a agrediu antes de trancá-la no quarto — solta as palavras rapidamente, e no fim da sentença, tudo no meu campo de visão fica vermelho e a dor latejante no meu ombro dá sinal de chegada — Deixou marcas, a Manon disse que nunca viu o homem tocar na filha antes, mas naquela noite...ele a arrastou, ela bateu com a cabeça...

A última frase de Lorenzo se perde no vazio enquanto o meu corpo se movimenta por puro instinto. Sinto o sangue pulsar nas têmporas, cada batida me leva mais fundo na insanidade. O meu peito sobe e desce rapidamente, e as mãos tremem de um jeito que só acontece quando estou prestes a explodir.

Ele a agrediu. Ele encostou nela.

O ar à minha volta parece rarefeito, como se o mundo tivesse parado, esperando a tempestade que estou prestes a liberar. Mas o ódio não me cega, ele me clareia. Como uma lâmina recém-afiada, tudo se torna mais claro, mais nítido.

— Ele vai pagar por isso — declaro, a minha voz baixa, mas carregada de uma promessa que nem o inferno seria capaz de quebrar.

— Ei ei, irmão, calma. Onde você vai? — ele me impede, empurrando-me pelo peito quando tento passar.

— Onde você acha que eu vou?! Acabar com aquele desgraçado e tirar a Alexa de lá! — berro, insistindo em passar, mas ele não me deixa, colocando-se na minha frente e estufando o peito.

— Não é de cabeça quente que se resolvem as coisas, Damiano. Esqueceu o porquê de estarmos nessa situação? O pai dela cometeu crimes bárbaros e você o acusou publicamente por isso. Acha que é uma boa jogada invadir a casa dele à essa altura do campeonato?

— Eu não me importo! — cuspo, mas não tento mais avançar contra ele, apesar de sentir o sangue borbulhar em cada centímetro da minha pele.

— Pois, mas eu me importo, e não vou deixar você fazer uma loucura — devolve, a parte racional disso tudo — Pense nela. Se fizer alguma coisa e der errado, é ela quem irá pagar.

— Porra, porra, PORRA!!! — tenho um acesso de raiva e pego o copo de whisky quase vazio, atirando-o ao chão, tendo um vislumbre dos olhos aflitos dela espelhados no líquido desperdiçado.

— Cabeça fria, caralho! — ele soca o meu peito, tentando me fazer voltar à realidade.

Ele está quase tão alterado como eu, sei que se importa com a Alexa, e apesar de toda a minha revolta nesse momento, vejo o exacto segundo em que a sua expressão exasperada muda para uma aflita, como se tivesse se lembrado de algo importante, algo que o deixa em choque. Vejo nos seus olhos.

— Céus...— ele suspira e passa a mão pelo rosto levemente suado.

— O que foi? — pergunto, a minha voz grave e o meu tom controlado.

— Olha, fica calmo, ok? Eu tenho mais uma coisa para contar — ele estende as mãos e tenta me fazer recobrar o juízo.

Mas a verdade é que qualquer resquício dessa qualidade já se foi. Se foi com ela.

— Eu juro que se você não abrir a boca nos próximos dois segundos, Lorenzo, eu vou regredir o trabalho do médico que realocou a sua mandíbula!

Ele olha para o chão por exactos dois segundos, eu os conto silenciosamente, e quando vou cumprir a minha promessa, ele chuta a sentença com o olhar pesaroso em cima de mim, provavelmente enxergando a fúria que cresce, outrora diminuta, agora invasiva e rebelde.

— A Alexa e o Bryan vão se casar.

O silêncio que se segue é ensurdecedor.

Por um momento, sinto como se o chão tivesse sumido sob os meus pés. Não consigo processar o que o Lorenzo acabou de dizer. As minhas mãos caem ao lado do corpo, os punhos ainda cerrados, mas sem força.

— Repete isso — digo, a minha voz baixa e ameaçadora, como o prelúdio de uma tempestade.

Lorenzo hesita. Ele sabe que está pisando em um terreno minado.

— É o plano do Maurice, Damiano. Ele está pressionando a Alexa a se casar com o Bryan. Diz que é a única forma de limpar o nome da família e afastá-la de você para sempre.

A minha visão escurece. Todo o ódio que eu pensava ter atingido o seu limite agora parece multiplicado. Não é suficiente Maurice tê-la trancado, humilhado e machucado. Ele quer arrancá-la de mim de forma definitiva, amarrando-a a outro homem.

— Sai da frente — decidido, empurro Lorenzo para o lado, que se desequilibra e quase cai.

Só preciso de cinco minutos, cinco minutos.

Ando pela casa, passando pela sala e subindo rapidamente as escadas, em direção ao meu escritório.

— Damiano, o que você vai fazer? Me escuta! — ele vem atrás de mim, mas eu não ouço nada além de ruídos cacófonos.

Só dou vazão aos meus próprios pensamentos e decisões. Ninguém poderá me impedir agora.

Dentro do escritório, respiro como um touro enquanto abro as gavetas da secretária para encontrar a arma que guardei com cuidado desde o último uso. Verifico se está carregada. Três balas. É o suficiente. Não hesitarei em usá-la, se for para libertar a Alexa daquele cativeiro.

— O que é isso? Uma arma?! — Lorenzo adentra o escritório, afobado, e paralisa na porta.

Não respondo. Pego um elástico atirado na mesa e prendo o cabelo de qualquer jeito. Apenas o suficiente para não me dificultar ao ver aquele verme se rastejar aos meus pés quando se atrever a me impedir de pegar a minha Fadinha.

Lorenzo dá um passo à frente, os olhos arregalados, o medo evidente na sua expressão.

— Damiano, isso é loucura! Você vai se matar, vai matá-la também! É exatamente isso que o Maurice quer. É tudo uma armação!

Ignoro as palavras dele, ajustando a arma na parte de trás dos jeans enquanto pego o meu casaco pendurado na cadeira. Não há tempo para argumentos inúteis.

— Se ele acha que pode tomar a Alexa de mim, ele está prestes a descobrir que o inferno que criou para ela vai parecer um paraíso perto do que eu vou fazer com ele.

O meu primo me agarra pelo braço, a sua força surpreendente, mas não o suficiente para me deter. Ele está desesperado, o medo e a lealdade conflitantes em cada gesto.

— Escuta, irmão, você sabe que eu quero tanto quanto você tirar a Alexa daquele lugar, a Manon está arrasada, fala sobre isso todo dia, mas fazer isso assim, de cabeça quente, com uma arma na mão? Isso não vai libertá-la, só vai colocar uma cruz na sua testa.

Dou um sorriso frio, cruel.

— Talvez seja isso o que eu mereça, Lorenzo. Mas vou morrer sabendo que ela está livre.

Tento passar por ele, mas ele me empurra de volta contra a mesa com força.

— Você acha que é o único que se importa com ela? Eu também quero salvar a Alexa, mas não desse jeito! Se você aparecer armado na casa do Maurice, ele vai usar isso para destruir qualquer chance que você tenha de tirá-la de lá. Você vai jogar o jogo dele!

— E o que você sugere, então?! — grito, batendo a mão na mesa, fazendo os papéis voarem — Que eu fique aqui, sentado, enquanto ele maltrata e casa a minha mulher com outro homem?!

— Não. Sugiro que usemos a cabeça! — Lorenzo grita de volta, o rosto vermelho de frustração — Não é só ela que está em risco, Damiano. Você sabe o que o Maurice é capaz de fazer. Se você for agora, ele pode machucá-la de novo só para te atingir.

Essas palavras me acertam como uma faca. A minha respiração acelera, a raiva transbordando, mas a lógica delas se infiltra, mesmo que eu relute em aceitá-la.

— Então o que você propõe? — pergunto entre dentes, a minha voz tão baixa que mal parece minha.

Lorenzo dá um passo para trás, aliviado por finalmente ter a minha atenção.

— Primeiro, precisamos saber exatamente onde ela está e o que acontece dentro daquela casa. Não podemos agir no escuro. Se você quer salvá-la, precisamos de um plano, algo que não dê ao Maurice a vantagem.

A minha mandíbula trava, os músculos do meu corpo tensos enquanto encaro o Lorenzo. Ele está certo, e isso me irrita ainda mais.

— Isso vai levar tempo — resmungo.

— Sim, mas vai garantir que ela fique bem — ele responde, firme.

Aperto os punhos, a minha cabeça girando com a necessidade urgente de agir, mas a frieza nas palavras do Lorenzo começa a me alcançar. Eu não posso errar. Não com o bem-estar dela em jogo.

— Certo — digo finalmente, embora cada fibra do meu ser queira correr para a casa dela agora mesmo — Mas se algo acontecer com ela enquanto esperamos, Lorenzo, eu vou usar essas balas com você.

Ele assente, sem hesitar.

— Não vamos esperar tanto assim, irmão. Confia em mim.

Enquanto ele sai do escritório, deixo o meu corpo cair na cadeira, encarando a arma sobre a mesa. Ainda não me sinto em paz, mas pela primeira vez em horas, sinto que estou no controle.

Alexa, eu vou te tirar de lá. Custe o que custar.

— Você parece mais calmo — Lorenzo entra no escritório outra vez, após me deixar respirar e colocar os pensamentos em ordem.

Não saí do escritório porque sabia que se eu saísse, seria para descer esse prédio e fazer aquele desgraçado conhecer a minha fúria. E eu sei que o meu primo tem razão, por mais contrariado que eu me sinta.

Só não consigo parar de pensar nela trancada num quarto, sozinha, envolta em dor e tristeza que eu mesmo causei. O sentimento é conflitante e pesa no meu peito.

— Acredite, irmão, eu só pareço — murmuro, recebendo a chávena de café que ele me passa, dou um gole e ele faz o mesmo com o seu.

— Forte e puro, como você gosta — ele tenta sorrir, mas me olhando com certa preocupação.

— Acho que preferia um whisky — respondo, pousando a chávena da bebida amarga na mesa.

Lorenzo se senta e suspira, recostando-se no assento, demonstrando uma calma que nenhum dos dois aqui sente.

— Não é momento disso, Dami. Você precisa estar sóbrio. Precisamos conversar sobre como vamos tirar a sua namorada das garras do pai.

Trinco o maxilar, sentindo os meus músculos enrijecerem novamente, fazendo a minha pele avermelhar-se. Pego o café insosso que o Lorenzo fez e dou outro gole. Está horrível, mas ao menos tenho algo mais amargo que os meus pensamentos em que me concentrar.

— Eu pensei em...— passo os dedos pelos cantos da boca, limpando os resquícios de café —...dar um telefone para ela, escondido, um descartável talvez, que não possa ser rastreado.

— Ela está sendo vigiada. A Manon me disse que o pai não fica um dia sem revistar as suas coisas — Lorenzo responde, contribuindo negativamente no meu desconforto.

— A Alexa é inteligente e esperta, primo. Acredite, ela não vai se deixar ser pega.

— Certo, mas para quê seria o telefone? Se o foco agora é o resgate — ele dá outro gole no café, parecendo realmente gostar do veneno que fez.

— Ela precisa saber o que está acontecendo fora dali, e o que vai acontecer. Ela precisa saber do resgate. Precisamos da colaboração dela ou não poderemos fazer nada — explico, gesticulando mais do que costumo, certamente porque cada músculo do meu corpo está enervado.

Lorenzo me observa por alguns segundos, escondendo parte do rosto atrás da chávena de café, até que a pousa de volta na mesa, revelando um pequeno sorriso de escárnio.

— Tem noção do que fez com aquela pobre menina, não tem? — semicerra o olhar, cuspindo as palavras — Se o pai não a trancasse no quarto, ela mesma se trancaria, porque não é humanamente possível viver uma vida normal depois do que você a fez passar. Então eu preciso mesmo que me diga se entende a gravidade de tudo isso, irmão, porque nesse momento, parece que não.

— Por que diz isso? Acha que eu enxergo isso como uma brincadeira?! — devolvo, já sentindo a respiração se alterar a pouco e pouco, mas tento ao máximo manter a calma. Não há nada de bom no caos, já provei isso por mim mesmo.

— Não, Damiano, longe de mim — ergue os braços em rendição — Mas você sugere dar um telefone à ela como se ela fosse aceitar de bom grado ser resgatada pelo homem que a colocou no meio do fogo cruzado. Isso não é muito inteligente, se me permite dizer.

Eu estou tão empenhado em tirá-la daquela casa, que nem pensei na possibilidade dela não querer vir comigo e preferir permanecer trancada do que segurar a minha mão. O pensamento é lacerante e extremamente incômodo, mas eu sei que o meu primo tem razão. Eu não posso simplesmente esperar que ela volte comigo como se eu não a tivesse despedaçado na frente de milhares de pessoas.

— Então peça à Manon que o faça, que diga que comprou o aparelho para que elas possam conversar sem que o Maurice saiba — penso rápido, paciência é algo que nunca foi o meu forte.

— E depois? — ele pergunta, dando de ombros — A não ser que o telefone seja um Transformer que vai realizar o resgate depois, não nos serve de nada.

Massageio as têmporas, pensando seriamente em pegar o que restou do meu café e enfiar na sua goela abaixo, junto com a chávena.

— Faça o que eu mandei, eu cuido do resto — determino — Compre o telefone, dê à sua namorada e explique que vamos tirar a Alexa de lá, e mande o número do telefone para mim.

— Posso ficar com essa coisa? — ele aponta para a arma ainda atirada na secretária.

— O quê? Por quê!? — pego a arma e devolvo na gaveta onde estava guardada.

— Até há aproximadamente duas horas, você estava como um touro enfurecido, prestes a descarregar um cartucho no seu inimigo. Acha que vou ficar tranquilo vendo você dizer "eu cuido do resto"?

Eu suspiro, fechando os olhos por um momento. Eu sei que o Lorenzo tem razão, mas a raiva que me consome me impede de pensar com clareza. O simples acto de me ver tão fora de controle me assusta, mas ao mesmo tempo, me dá a sensação de que estou finalmente a tomar as rédeas de tudo, quando, na verdade, estou apenas a afundar mais fundo.

— Você está certo — Falo com um tom mais calmo, tentando controlar a minha própria frustração — Eu não posso ir atrás de tudo isso sem mais uma ponta de sanidade. Não vou deixar que a minha raiva tome decisões erradas.

Lorenzo fica em silêncio por um momento, talvez esperando que eu me acalme ainda mais antes de fazer algo impulsivo. Por mais inconsequente que ele seja em alguns cenários, ele é o tipo de pessoa que pensa antes de agir em situações urgentes, algo que eu, infelizmente, não sou.

— Vamos fazer o que você sugeriu, Dami — Ele balança a cabeça, como se me aceitasse no controle, mas com uma vigilância constante — Mas você vai ter que me prometer uma coisa.

Eu o encaro, sentindo o meu corpo relaxar um pouco ao perceber que ele não está me desafiando, mas simplesmente tentando me ajudar a não ir em direção a algo destrutivo.

— O quê? — pergunto, a minha voz agora mais tranquila.

— Você vai ser paciente. Não vai pressioná-la. Se ela aceitar o resgate, ótimo. Se não, precisamos ter um plano B — Ele pausa, me olhando nos olhos, e então adiciona: — Não faça nada que possa destruí-la ainda mais.

Eu respiro fundo, consciente de que o Lorenzo tem um ponto. Tudo o que fiz até agora foi movido pela urgência e pela raiva. Não estou pensando nela, estou pensando em mim e no que eu quero. E isso não pode ser assim. Eu tenho que ser mais do que isso para ela.

— Eu prometo — murmuro, sentindo o peso das palavras.

Lorenzo dá um pequeno sorriso, satisfeito com a minha resposta, mas ainda preocupado. Ele sabe que não posso controlar tudo, mas pelo menos agora estou disposto a tentar. Para Alexa, para nós dois.

— Agora, vamos tirar ela de lá, irmão. Vamos fazer isso da forma certa.

— Fazer o quê da forma certa? — ouço a voz surgir da porta e quando olho para a madeira, a cabeleira loira avermelhada e o olhar de quem sabe que aprontamos alguma coisa me recebem.

Amélia entra no escritório como se fosse seu, cruzando os braços acima do peito e ficando parada perto do Lorenzo.

— Está difícil me acostumar com o fantasma que temos em casa — Lorenzo diz, afundando na cadeira e fazendo a Amélia soltar um muxoxo.

— Cuidado, posso puxar o seu pé quando for dormir — ela responde, observando todo o perímetro com atenção, como sempre fez.

Olho para a mulher que não vejo há vários meses, que tanto me fez falta e que, apesar da dificuldade que é lidar comigo, nunca se deixou levar pelo desgaste. Amélia Rossi é como uma segunda mãe para mim, por isso decidi usar o seu sobrenome quando adotei outra identidade. Assim, seria mais fácil não ser descoberto, e se isso acontecesse, teria como justificar.

Amélia me encara com um olhar que mistura carinho e firmeza, o mesmo olhar que sempre usou para me fazer baixar a guarda quando criança. Ela tem essa habilidade peculiar de entrar numa sala e, em poucos segundos, tomar controle de tudo sem precisar levantar a voz. É irritante e fascinante ao mesmo tempo.

— Você tem algo a dizer, Amélia? Ou só veio nos lembrar de como éramos melhores antes da sua ausência? — pergunto com uma ponta de sarcasmo, mas um meio sorriso me escapa.

Ela estreita os olhos, como se decidisse ignorar a provocação.

— O que está acontecendo? — pergunta, inclinando a cabeça e olhando de mim para Lorenzo, que tenta disfarçar bebendo o café.

— Nada que seja do seu interesse — corto, tentando manter o foco.

Amélia arqueia a sobrancelha, claramente não convencida. Ela cruza a sala com passos firmes e para na minha frente, apoiando as mãos na mesa entre nós dois.

— Damiano Russo, não me trate como uma forasteira. Eu sei quando algo está errado, e o facto do Lorenzo estar aqui, bebendo esse café horrível que ele mesmo fez, é um sinal claro de que vocês estão planejando algo — ela lança um olhar rápido para o Lorenzo, que dá de ombros como se fosse inocente.

— É um assunto delicado — Lorenzo diz, tentando apaziguar.

— Delicado ou não, vocês dois estão a agir como crianças que partiram um vaso e tentam esconder os cacos. Me contem agora, porque eu vou descobrir de qualquer forma.

Solto um suspiro pesado, sabendo que lutar contra a curiosidade da Amélia é uma batalha perdida. Além disso, se tem alguém que pode ajudar, é ela.

— Alexa — Digo finalmente, olhando diretamente nos seus olhos.

Amélia franze a testa, mas permanece em silêncio, me incentivando a continuar.

— Maurice a trancou em casa e está forçando um casamento com o Bryan Durant para afastá-la de mim de vez. Estamos a planejar tirá-la de lá.

Ela mantém o olhar fixo em mim por um momento antes de soltar um longo suspiro e se recostar na cadeira à frente.

— Eu sabia que o Maurice era um monstro, mas forçar um casamento? Isso é baixo, até para ele — ela balança a cabeça, incrédula — E qual é o plano?

Lorenzo e eu trocamos olhares rápidos antes de responder.

— Estamos a trabalhar nisso — admito, relutante — Ainda estamos a alinhar os detalhes.

Amélia revira os olhos, claramente irritada.

— Isso significa que vocês dois estão apenas a improvisar? — ela pergunta, e quando não respondo, continua: — Tudo bem, eu vou ajudar. Mas, Damiano, você precisa entender algo: A Alexa está magoada. Muito magoada. Você não pode aparecer como um herói à espera que ela caia nos seus braços.

— Eu sei disso — a minha voz sai mais firme do que eu esperava, mas a dor nela é evidente — Mas não importa o que ela sinta por mim agora. Eu só quero tirá-la de lá. Depois, ela decide o que fazer.

Amélia me observa por um momento, então dá um leve aceno.

— Nesse caso, vou ficar e ajudar a colocar a cabeça de vocês os dois no lugar. Porque, francamente, sozinhos vocês são um desastre.

— Ah, Meli, como eu senti a sua falta...— Lorenzo suspira, recostado na cadeira, evidenciando o toque de ironia na voz.

— Queria poder dizer o mesmo de você, Lore, mas admito que a minha vida ficou muito mais tranquila depois que me escondi — ela devolve, piscando um olho para o meu primo, que sorri em resposta.

Resumindo, a Amélia foi ameaçada de morte pelo Maurice assim que ele soube que ela era a advogada dos meus pais e que estava empenhada em descobrir como ele conseguiu se apropriar de tudo que era nosso. O meu pai tinha o sonho de fazer o que o Maurice fez, se tornar grande no mundo da publicidade, e se não fosse a ambição de alguém que ele achava ser o seu melhor amigo, ele teria conseguido.

Maurice não só destruiu o sonho do meu pai como destruiu a nossa família. Ele sempre foi um parasita, um homem que se alimentava da generosidade dos outros, esperando pelo momento certo para atacar. E foi isso que fez com o meu pai: roubou a sua confiança, o seu trabalho, e, no fim, a sua vida. A Amélia desconfiou de tudo, investigou e tentou expor a verdade, mas o Maurice foi mais rápido. Ele ameaçou acabar com ela, e eu a convenci de que se afastar seria a única forma de protegê-la. Desde então, ela tem vivido nas sombras, mas nunca deixou de ser uma aliada.

— Você sabe que voltar para esse caos é perigoso, não sabe? — pergunto, cruzando os braços enquanto a encaro.

Ela sorri de lado, um sorriso que mistura teimosia e coragem.

— Claro que sei, mas já que estamos colocando as cartas na mesa, vou ser sincera, Dami. Não voltei por você. Voltei pela Alexa. Ela merece uma chance de sair disso com a dignidade intacta. E se isso significa que preciso me expor novamente, então que seja.

— Você sempre teve um senso de justiça irritante, Meli — Lorenzo comenta, fingindo estar ofendido.

Ela dá de ombros, ignorando a provocação.

— Precisamos ser estratégicos — Amélia diz, mudando o tom para algo mais sério — A Alexa não pode simplesmente ser retirada à força. O Maurice está cercado de advogados e seguranças. Se fizermos algo impulsivo, você será acusado de sequestro, e ela será obrigada a voltar para ele.

— Então o que você sugere? — pergunto, com a voz firme, embora saiba que preciso ouvir.

Amélia se inclina para frente, apoiando os cotovelos na mesa.

— Primeiro, precisamos de um documento que prove a coação. Uma testemunha disposta a depor que o Maurice está mantendo em cativeiro e forçando a Alexa a esse casamento. Segundo, precisamos de um plano de retirada que não a comprometa. Algo que faça parecer que ela está deixando aquela casa por vontade própria, não sob pressão.

— E quem poderia testemunhar contra o Maurice? — Lorenzo pergunta, franzindo a testa.

— Alguém de dentro da casa dele — Amélia responde rapidamente — A sua namorada Manon pode ser a chave. Ela é leal à Alexa, e acredito que faria qualquer coisa para ajudá-la.

Eu fico em silêncio por um momento, processando tudo. Amélia tem razão. Forçar a saída da Alexa não só colocaria todos nós em risco como poderia piorar a situação dela.

— Certo — digo, por fim — Lorenzo, encontre um jeito de falar com a Manon o mais rápido possível. Explique a situação e descubra se ela está disposta a nos ajudar.

Lorenzo assente, já pegando o telefone para colocar o plano em prática.

— E você, Amélia? — pergunto — Qual será o seu papel nisso?

Ela sorri, aquele sorriso calculista que sempre a acompanhou nos tribunais.

— Vou fazer o que sei fazer melhor, Dami. Encontrar brechas na lei para garantir que, quando tirarmos a sua Fadinha de lá, Maurice não tenha poder algum para trazê-la de volta.

Eu assinto, sentindo pela primeira vez em muito tempo, uma parte do peso excruciante abandonar o meu peito e sumir no ar. Suspiro, erguendo a chávena da mesa e engolindo um pouco mais do café, e notando que, por mais horrível que a bebida esteja, ela me deu a energia que eu precisava para colocar os neurônios em funcionamento.

Não sei o que me espera nos próximos dias, mas não me interessa saber. A única coisa que eu preciso é a consciência de que a minha mulher está bem e que ninguém poderá tocá-la novamente. Eu me sinto hipócrita quando penso assim, mas a verdade é que se for para ser hipócrita e mantê-la a salvo, eu serei até pior.

Amélia observa o meu silêncio com aquele olhar analítico que sempre teve. Ela sabe o que se passa na minha cabeça, sabe que não vou descansar até tirar a Alexa daquela prisão. Mas também sabe que, ao contrário do que digo a mim mesmo, isso não é só sobre protegê-la. É sobre reparar o que eu fiz. Ou, pelo menos, tentar.

— Dami — a voz da Amélia interrompe os meus pensamentos — Você pode ser um desgraçado, mas ainda tem algo de bom aí dentro — ela aponta no meu peito, um lugar que eu achava estar podre e vazio até aquela menina chegar — Não estrague isso.

Lorenzo ri baixo ao fundo, e eu lanço um olhar para ele, que levanta as mãos, fingindo inocência.

— Só estou dizendo que ela tem razão. Você precisa manter a cabeça no lugar. Não queremos que você se torne uma versão pior do Maurice.

Eu me levanto, caminhando até a janela do escritório. A cidade lá fora parece tão pequena vista daqui de cima, e eu me pergunto como algo tão vasto pode ser tão opressivo. Respiro fundo, tentando organizar os pensamentos.

— Não vou me tornar como ele — digo, sem olhar para trás — Mas também não vou recuar. Se ele acha que pode vencer, está enganado. Vou tirar a Alexa de lá e acabar com o império dele, pedra por pedra.

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Confesso, até eu estou com medo...

Gostou? Espero que sim! Não se esqueça da estrelinha e de dizer o que achou nos comentários. ; )

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