37: Por merecer
Alerta de crise emocional e existencial.
Não me quebre
Eu tenho viajado por muito tempo
...
Tenho tentado arduamente não entrar em confusão
Eu tenho uma guerra na minha mente
Então eu só dirijo
Lana Del Rey, em Ride.
• • •
• ALEXA LEBLANC •
Não há nada pior do que sentir enganada. A sensação de ser deixada de lado, de ter os sentimentos desconsiderados e a sensibilidade, mais uma vez, sem ninguém para se importar.
Mais uma vez, fui embolada em uma teia de mentiras pelo homem que eu amo. Antes, não foi tão difícil para mim superar e me levar à aceitação, Pierre abriu uma ferida que rapidamente foi cicatrizada por alguém com o qual eu nunca imaginaria me relacionar, e no entanto, ele soube me atrair como uma serpente atrai a sua presa, como o íman atrai o metal, como o fogo atrai a mariposa. Damiano era irresistível, com a sua presença sombria e seu charme devastador. Ele me consumiu, me fez esquecer de todas as mágoas anteriores, de toda a dor que Pierre causou. Mas agora, essa sensação de traição volta a corroer meu peito, talvez até pior do que antes. Com Pierre, foi uma decepção. Com Damiano, é um abismo.
Eu me deixei envolver, cegamente. Fui levada pelas palavras dele, pela promessa de que estaríamos juntos, de que eu poderia confiar. Mas agora, tudo o que resta são mentiras. E o pior de tudo? Eu ainda o amo. Apesar de tudo, eu ainda o amo como se ele fosse o ar do qual eu dependo para respirar. O amo com o fervor que me corrói e ferve o meu sangue em uma ebulição dolorosa, quase estourando as minhas veias, quase inibindo o meu ser.
Essa é a pior parte. Amar alguém que te destrói aos poucos. É como se cada mentira dele fosse uma nova faca cravada em meu coração, onde mais dói, mas ao invés de recuar, eu continuo me aproximando, desejando mais, implorando para que ele me dê uma razão para ficar.
É isso que é o amor? Pois, se for, eu nunca amei ninguém assim desde o início da minha existência. Nem a mim mesma. Ninguém.
A sensação de estar presa em um ciclo vicioso, de se dar e se entregar, mesmo sabendo que pode ser em vão, é agonizante. A cada sorriso dele, a cada olhar profundo que parece penetrar a minha alma, eu me esqueço do que realmente sou, do que realmente desejo. Tudo se torna um borrão de emoções conflituosas, onde a linha entre amor e dor se desfaz.
Lembro-me de momentos em que a vida era mais simples. Onde eu poderia ser eu mesma, sem a sombra de Damiano pairando sobre mim. Mas agora, ele é uma parte intrínseca de quem eu sou, uma essência que se entrelaçou na minha identidade. E a verdade é que, apesar do sofrimento, há uma chama que arde dentro de mim, uma chama que não se apaga.
A sensação de traição se mescla com a paixão, criando um paradoxo insuportável. Como posso amar alguém que me feriu, que alimentou minhas inseguranças e me deixou vulnerável? É uma dança mortal, e eu estou perdida na música.
Eu me pergunto se um dia serei capaz de me libertar dessa teia que eu mesma ajudei a tecer. Se algum dia poderei olhar nos olhos de Damiano e ver o amor que desejo, ou se, ao invés disso, encontrarei apenas reflexos de mentiras. O futuro parece incerto, como uma estrada nebulosa à minha frente, mas a esperança ainda se agarra a mim, uma faísca em meio à escuridão.
No fundo, eu sei que deveria me afastar, que a razão me grita para não me deixar levar por suas palavras sedutoras. Mas o coração, esse traidor, insiste em me levar de volta a ele, em me fazer acreditar que, desta vez, ele será diferente. Que as promessas não serão quebradas. Que o amor que ele diz sentir por mim é verdadeiro.
Mas a cada dia que passa, essa esperança se torna mais tênue. E eu me pergunto se algum dia serei capaz de libertar o meu coração desse labirinto emocional. Se algum dia poderei voltar a me amar o suficiente para deixar para trás quem me faz sentir assim.
E assim, mesmo sabendo dos riscos, eu continuo na dança.
A dança tem gosto de canela queimando na língua, quente e ardente, como a paixão que sinto por Damiano. É agridoce, como cereja madura, o sabor do desejo e da traição que ele plantou em mim. A cada mentira, é como se eu sentisse o toque ácido do limão em minha boca, cortante, amargo, enquanto minha mente é inundada por pensamentos controversos, nublada como uma tarde chuvosa. O gosto de Pepsi-Cola me lembra os momentos doces, fugazes, que ele me deu - promessas vazias embaladas em um amor que nunca foi real. Agora, enquanto as músicas da Lana Del Rey ecoam pelo quarto, me envolvendo em uma melodia melancólica, sinto o peso do que ele me faz engolir, como vodka, fria e anestesiante, trazendo uma sensação de perda e devastação.
Manon, sentada ao meu lado, me observa em silêncio, mas nem ela pode entender o caos que ele deixou em mim. Porque Damiano é como uma serpente, atraindo-me de volta, enquanto o veneno corre nas minhas veias, e mesmo com o gosto da traição na boca, eu ainda o amo com uma intensidade que me destrói.
A melodia suave de Ride preenche o quarto, e sem perceber, os meus lábios começam a seguir a letra. A cada verso, é como se as palavras da Lana fossem minhas, um reflexo da minha própria dor.
- I've been out on that open road...You can be my full-time daddy, white and gold... - a minha voz sai baixa, trêmula, como se cada palavra carregasse um pedaço do meu coração.
As lágrimas escorrem, silenciosas, sem som de choro, apenas um rastro de dor.
Manon observa, preocupada, mas eu nem ao menos consigo olhá-la nos olhos. Estou presa em um mundo só meu, atormentada por forças maiores do que consigo suportar. A música é a minha única âncora agora.
- Don't break me down...I've been travelin' too long... - continuo, com a voz se partindo. As lágrimas vêm, mas não choro. É como se meu corpo se recusasse a liberar o que sinto de verdade.
Manon tenta suavemente me puxar de volta à realidade, a sua voz delicada, mas carregada de preocupação.
- Alexa, você precisa comer alguma coisa... - ela diz, aproximando-se com um prato de comida que sequer noto.
- Não... - sussurro, balançando a cabeça lentamente, como se isso fosse a única coisa que pudesse controlar - Não quero comer. Só...canta comigo, Manon...canta comigo.
Manon hesita, mas o som da música parece me puxar cada vez mais para dentro de mim mesma. Eu fecho os olhos e continuo.
- I'm tired of feeling like I'm fucking crazy...- minha voz treme, as palavras saem de mim como confissões. E então, num gesto quase desesperado, eu me viro para Manon - Por que não canta também? Por que não sente isso?
Ela me encara, surpresa, sem saber o que dizer. Tento sorrir, mas o sorriso não vem. Só a dor.
- I just ride...I just ride... - sussurro, quase num estado catatônico, o olhar perdido enquanto o refrão ecoa pela sala.
Cada verso parece me puxar mais fundo, me afundando em um mar de sentimentos conflitantes. As lágrimas continuam a cair, mas o meu coração permanece estilhaçado, incapaz de encontrar saída.
- Por que não me diz o que aconteceu? Eu estou disposta a ouvir, prima...de verdade - Manon interceder outra vez, tentando me fazer falar.
Eu falaria se conseguisse reproduzir em palavras todos os sentimentos e acontecimentos recentes. A maneira como Damiano me tomou na noite passa, fez de mim o que quis, o que eu quis. A sua preocupação em fazer o café enquanto eu descansava na banheira. Aforma com que Giada se referiu a ele, tão intimamente, zombando do que eu achava que tínhamos e me fazendo questionar a minha própria existência, o meu lugar ao lado do homem que amo. E depois, o pior de tudo, foi a incapacidade dele de dizer três simples palavras que mudariam tudo. Se ele dissesse que me ama, ao menos uma vez, eu desmoronaria ali mesmo, mas nem disso eu sou merecedora, de ser amada como qualquer uma...nem disso...
- Sabe, prima...- me viro para Manon, que me observa atentamente, e ergo a mão para acariciar o seu rosto - Tenho a certeza de que o Lorenzo nunca faria algo assim com você.
- Não tenha tanta certeza, Lexi. Os homens são...imprevisíveis - ela desvia o olhar, mas não se afasta.
- Disso eu tenho até provas - fungo, sorrindo completamente sem graça - Tomara que o Lorenzo também não tenha dormido com a Giada. Sabia que eles não são primos?
Manon arregala os olhos, surpresa com minha última frase. O silêncio dela é tão pesado quanto o que sinto no meu peito, e vejo a inquietação passar pelo seu rosto, ainda que ela tente manter a compostura.
- Como assim, não são primos? - ela pergunta com a voz baixa, como se não quisesse acreditar no que acabei de dizer.
- Foi o que a própria Giada disse. Eles cresceram juntos, mas não são parentes de sangue - Reviro os olhos ao lembrar do jeito presunçoso com que ela falava, como se soubesse de algo que eu não sei- Ela falou como se isso justificasse a maneira como se comporta ao redor dele, como se ela tivesse mais direitos do que eu...e ele não fez nada para contradizer.
Manon fica quieta, absorvendo as minhas palavras. A tensão no quarto aumenta, quase palpável, enquanto a música da Lana Del Rey continua ecoando ao fundo, me prendendo em um estado entre a realidade e os devaneios que a minha mente cria para tentar suportar a dor.
- E você acha que...- Manon começa, hesitante - ...eles têm alguma coisa? Quer dizer, além do que a Giada deixa transparecer?
A pergunta paira no ar, e eu respiro fundo, lutando para não desmoronar outra vez. É como se a Manon tivesse verbalizado o meu maior medo, aquele que eu tento desesperadamente empurrar para longe, mas que sempre volta com força.
- Eu não sei...- a minha voz falha, quase um sussurro - Mas cada vez que olho para eles, parece que ela sabe algo que eu não sei. Que tem um pedaço dele que eu nunca vou alcançar.
Manon suspira e se ajeita ao meu lado, mas, desta vez, é como se ela também estivesse lidando com seus próprios fantasmas.
- Giada parece sempre estar onde não é chamada, não é? - murmura Manon, quase como se estivesse pensando alto.
- Sempre - concordo, a amargura na minha voz evidente - Ela tem essa maneira de se inserir na vida das pessoas como se fosse um veneno lento, intoxicando tudo ao seu redor, e o pior é que ninguém percebe até que seja tarde demais. Nem mesmo ele...que nem consegue dizer que me ama, e isso só dá razão a tudo que Giada afirmou!
Manon suspira, mexendo nos próprios cabelos como quem tenta organizar os pensamentos que estão bagunçados demais para serem colocados em ordem.
- Ele não te diz que te ama... - ela finalmente fala, de maneira direta, mas sem julgamento - Isso dói mais do que qualquer coisa, não é? Porque, no fundo, você ainda espera...mesmo depois de tudo, você ainda espera que ele te diga essas palavras.
Minhas lágrimas ameaçam cair novamente, mas eu as seguro. Porque dessa vez, eu sinto que vou chorar. Não quero chorar na frente dela. Não agora.
- Eu não sei por que espero, Manon. Depois de tudo o que aconteceu, por que ainda me iludo com essa ideia de que ele pode me amar? Ele já me fez tanto mal...e ainda assim, aqui estou. Implorando por migalhas.
Manon estende a mão, tocando levemente o meu ombro. Ela não tenta me consolar com palavras vazias, mas o seu toque me diz que, de alguma forma, ela entende. Talvez mais do que eu imagino.
- O Lorenzo e eu...- ela começa a dizer, a voz um pouco trêmula, como se estivesse hesitante em revelar algo - Nós também temos os nossos problemas, Lexi. Nenhuma relação é perfeita. Mas acho que, no fundo, todos tentamos encontrar algum tipo de paz, mesmo quando isso parece impossível.
Olho para ela por um momento, tentando decifrar o que está por trás de suas palavras, mas estou cansada demais para mergulhar em outra confusão. Tudo que quero é sair dessa espiral de dor que Damiano me colocou, mas parece que cada vez me afundo mais.
- Eu só queria que ele me amasse como eu o amo - confesso, a minha voz baixa e cheia de ressentimento.
Manon me observa por mais um tempo, e então sussurra, quase como se estivesse falando consigo mesma:
- Talvez o problema não seja o amor, Lexi. Talvez seja a forma como ele ama.
• DAMIANO RUSSO •
Eu a observei de longe, sentindo o peso do silêncio que preenchia o espaço entre nós. Alexa está ferida, mais uma vez por minha causa. Eu vi isso nos olhos dela, mesmo que ela tente esconder. Ela quer ouvir as palavras que nunca consigo dizer, e essa incapacidade me destrói de dentro para fora. Eu a amo, com uma intensidade que me assusta. Mas o amor, para mim, sempre foi algo distante, um conceito que destruiu mais vidas do que salvou.
É por isso que nunca consegui falar. Como dizer a alguém que você a ama quando, toda vez que você se permitiu sentir isso no passado, perdeu tudo? Minha mãe me amava, e foi morta. Meu pai morreu tentando me proteger de um destino que ele não podia evitar. Amar alguém é entregar uma arma nas mãos dessa pessoa, e eu nunca fui bom em ser vulnerável.
Alexa, porém...ela é diferente. Desde o início, ela conseguiu me ver, além da fachada que construí para me manter intacto. Ela me provocou, me desafiou, e agora, ela espera algo de mim que eu não sei se posso oferecer. Não porque não sinto, mas porque não sei se sou capaz de sobreviver a isso. Se eu abrir essa porta, deixar essas palavras escaparem, o que me resta?
Eu viro o rosto, tentando afastar esses pensamentos, mas é inútil. Cada vez que a vejo, algo dentro de mim se desmorona. Eu sou o responsável pela sua dor. Se ela soubesse a verdade, sobre Giada, sobre tudo...talvez não me perdoasse. Talvez fosse melhor assim.
Mas a ideia de perdê-la me corrói. Eu a quero ao meu lado, quero protegê-la, mantê-la segura, mesmo que isso signifique que nunca vou ser capaz de dizer o que ela quer ouvir. Eu faria tudo por ela - mas talvez, no final, nada disso importe. Talvez o que ela precise não seja o meu controle, a minha proteção, mas o meu coração.
E o que faço com isso? Como posso dar a ela algo que eu mesmo perdi há muito tempo?
Eu a amo...como eu a amo. Mas as palavras...elas ficam presas na minha garganta, como uma corda sufocante que me impede de soltar qualquer coisa que possa consertar o que fiz. No final, o silêncio sempre parece a escolha mais segura. E, porra, como eu odeio isso.
Eu engulo as palavras, de novo. Faço o que sempre faço: me afasto. Acredito, estupidamente, que o melhor agora é deixá-la com alguém que não vai piorar as coisas, que não vai machucá-la como eu fiz. Tentei ligar para Louis, o primo dela, mas não atendeu. Então só restou Lorenzo, que estava com Manon, e pedi que ela viesse. Foi o mais próximo de ajudá-la que eu consegui chegar.
Agora, estou aqui, andando como um idiota por essa casa. Cada maldito passo que eu dou me leva direto para a porta do quarto. Eu paro em frente à porta, de punho levantado, pronto para bater, pronto para entrar. Mas eu não posso. Ela não precisa de mim agora. Ela precisa de paz. E eu sou a última pessoa capaz de dar isso a ela.
Viro as costas e caminho de volta, deixando a distância crescer entre nós. Vou para o escritório, que deveria ser meu refúgio, mas hoje parece mais uma cela. A garrafa de Brandy está ali, e eu bebo como se o álcool fosse me ajudar a esquecer por um segundo o que fiz. A cada gole, parece que a merda toda só piora. Eu vejo a Alexa nos meus pensamentos, lembro do jeito como ela me olhou na noite passada, como se eu fosse o mundo dela. Mas agora? Agora, o mundo dela deve estar desmoronando por minha causa.
Giada. Ela age na minha vida como um veneno, e sem que eu possa evitar, está destruindo o que eu tenho com Alexa. Não era para ser assim. Mas eu sou um covarde. Não consegui dizer o que ela precisava ouvir. Três palavras. Três malditas palavras que mudariam tudo. Mas eu? Eu fiquei em silêncio. Como sempre.
Cada gole de Brandy me afunda mais fundo nesse abismo, e a cada minuto que passa, o silêncio no outro lado do corredor me enlouquece. Será que Alexa ainda me quer aqui? Será que ela vai me chamar? Qualquer coisa... qualquer sinal de que não estou completamente perdido.
Mas tudo o que recebo é esse silêncio insuportável. E agora eu estou aqui, preso entre o desejo de ir até lá e arrastá-la para mim, e o medo de que se eu fizer isso, vou destruí-la ainda mais.
Eu estou a perdendo. Eu sei que estou. E tudo é uma grande merda nevoando a minha mente já danificada.
Com o gosto forte ardendo na minha língua, sou arrancado da minha sessão de autoflagelação pelo som de passos pelo corredor, que logo cessam assim que a figura para diante da porta entreaberta. Manon.
Ela cruza a entrada, a expressão impassível. Seus braços caem soltos ao lado do corpo, uma postura aparentemente relaxada, mas sei que ela tem muita coisa acumulada na cabeça. Vejo isso no brilho inconfundível de seus olhos, aquele olhar calculista que só alguém como ela consegue carregar.
- Como ela está? - pergunto num sussurro, a pergunta saindo arrastada pela língua.
- Melhor - diz, resoluta, com uma voz firme - Ao menos, ela não precisa de whisky para lidar com os problemas.
A resposta dela ressoa em mim como um golpe. Uma mistura de culpa e raiva brota no meu peito, a verdade ecoando em suas palavras. Eu deveria estar lá, ao lado da Alexa, mas aqui estou, me afundando em bebida enquanto ela tenta juntar os cacos da própria vida.
- Por que saiu de lá? Pedi que não a deixasse sozinha - desviei da vergonha, que quase me atravessou como uma faca afiada.
- Ela adormeceu - explica, observando quando dou um gole no whisky - Qual é o seu problema, Lucca?
Manon pergunta, e o nome falso que ela usa faz meu estômago revirar. Esse nome que criei para me esconder de quem realmente sou, agora parece tão pesado quanto uma âncora me arrastando para o fundo.
- Você quer saber qual é o meu problema? - digo num tom zombatório, ela ergue uma sobrancelha inquisidora - Logo você?
De todas as pessoas que eu imaginei que poderiam me olhar com um pouco sequer de reprovação, definitivamente, nenhuma delas era Manon Dauphin. Ela semicerra os olhos na minha direção e adota uma postura que se impõe diante de mim, como se fosse tão correta e pura quanto a mulher que repousa no quarto ao lado, quando, na verdade, ela adoraria estar no lugar da prima. Lembro bem dos olhares fugazes, dos toques atrevidos, da forma que ela se insinuava para mim e passava por cima dos calos do próprio sangue, da própria prima, para chamar a minha atenção.
Ela pode ter desistido agora, mas sei que, num passado não muito distante, ela arrancaria os olhos da Alexa só para ter o que ela tem. Não confio na sua mudança repentina, nem no seu suposto senso de proteção recém adquirido. Manon tem sangue frio, e isso se nota de longe.
- Alexa é minha prima, Lucca. Antes de ser o que quer que ela seja para você, ela é minha prima! - Manon rebate, a voz fria, mas firme. Seu olhar permanece fixo no meu, sem desviar, sem tremor.
- Quando ela passou a ser tão importante assim? - Minha voz sai áspera, carregada de sarcasmo - Antes ou depois de você ter tentado tomar o lugar dela?
Ela estreita os olhos, mas mantém a compostura. Sei que a atingiu, mas Manon sempre foi uma profissional em esconder emoções, uma habilidade que a torna ainda mais perigosa.
- Não vire o foco do assunto para mim. Isso é passado, Lucca - Suas palavras são afiadas, cada sílaba medida, como se estivesse tentando me controlar com um simples argumento.
- Claro, eu concordo - Dou um passo à frente, sentindo a fúria crescer dentro de mim, lutando para me manter controlado - Só prefiro que reserve esses nervos para quando for realmente necessário - Meu tom é ácido, e vejo que isso a atinge - Você não me engana, Manon!
Ela me encara, os lábios comprimidos, mas não diz nada. Sei que toquei em algo que ela preferiria manter enterrado, longe de qualquer discussão. Mas a verdade é que ela sempre quis algo mais, e essa fachada de protetora leal nunca vai apagar isso. A sua frieza, o seu sangue frio...tudo grita perigo. E o pior é que, por mais que eu a despreze, não consigo deixar de ver o reflexo de mim mesmo nela.
- E você? - Ela finalmente quebra o silêncio, a voz firme, mas com um tom de desdém - O que está fazendo por ela? Afundado nessa garrafa? Você acha que isso vai resolver alguma coisa? Que isso vai ajudar a Alexa? Porque, até agora, tudo que eu vejo é um homem perdido, sem saber o que fazer com os próprios sentimentos.
As palavras dela perfuram minha armadura, e, por um breve momento, sinto a verdade nas suas acusações. Afinal, só um gémeo pode falar tão mal do outro.
Eu respiro fundo, tentando controlar o impulso de jogar a garrafa na parede, de me levantar e sair porta afora. Mas essa raiva, essa frustração, é exatamente o que me mantém preso aqui, afundando cada vez mais no meu próprio abismo.
- Você acha que sabe de tudo, não é? - murmuro, o peso das palavras quase me esmaga - Você acha que pode julgar, como se estivesse acima de mim, como se nunca tivesse errado?
Ela cruza os braços, o olhar frio e calculista nunca vacila.
- Eu não preciso estar acima de você para ver o óbvio, Lucca. Você está destruindo a Alexa da mesma forma que está se destruindo. A diferença é que ela não escolheu isso, mas você... - Ela se inclina ligeiramente para a frente, como se estivesse me desafiando - Você escolheu cada passo desse caminho.
Eu sinto o sangue pulsar nas minhas têmporas, cada palavra dela alimentando a minha raiva e a minha culpa. Manon pode ter muitos defeitos, mas uma coisa é certa: ela sabe como atingir o ponto fraco de alguém. E, por mais que eu odeie admitir, ela não está completamente errada.
- Eu vou embora agora. Ela finalmente adormeceu, então não perturbe a paz dela. Fique com a sua garrafa, se isso o fizer sentir melhor - Manon dispara, por fim, suas palavras afiadas cortando o ar.
E como se não tivesse cuspido litros de veneno na minha direção, ela ajeita a bolsa no ombro, se vira e sai do escritório. Seus passos ecoam pelo carvalho até que cessam, seguidos da batida da porta de entrada, que anuncia que ela finalmente se foi.
A fúria explode em mim como um vulcão prestes a entrar em erupção. Olhando para a garrafa de whisky nas minhas mãos, sinto o peso da responsabilidade e a pressão do desespero me esmagar. O que a Manon disse ainda ecoa na minha mente, e, de repente, não posso mais suportar. A garrafa voa da minha mão, atingindo a parede com um estrondo ensurdecedor, o vidro se estilhaçando em mil pedaços, a bebida espirrando pelo escritório. O som é como um grito de dor, e eu consigo sentir a liberdade que deveria trazer em meio ao caos.
A mistura do cheiro forte do álcool com o aroma da madeira do escritório e o odor de poeira e desgosto se intensificam. O cheiro é penetrante, quase como uma essência de derrota. Com a adrenalina pulsando nas minhas veias, fecho os olhos, tentando me livrar da sensação de estar perdendo tudo.
- Merda! - grito em italiano, o desespero ecoando nas paredes. O meu próprio grito reverbera como um lamento, uma declaração de impotência que se desdobra em ecos pela sala.
Sinto a pressão subindo, e o meu corpo se torna um campo de batalha. O coração começa a acelerar, os batimentos reverberando na minha cabeça. É como se um tambor tivesse sido ativado dentro de mim, e a sensação se transforma em dor. O ombro começa a arder, uma lembrança brutal daquele dia fatídico que levou os meus pais. O peso do passado se torna insuportável, e a dor do presente me derruba.
Caio de joelhos, o chão de madeira fria contra a minha pele. Os olhos se enchem de lágrimas, mas não permito que elas escorram. O que sou eu, afinal? Um homem que se esconde atrás de uma fachada de controle, mas que, na verdade, se desfaz a cada segundo que passa.
As palmas das minhas mãos batem contra o chão, tentando encontrar algum apoio, alguma âncora que me mantenha na realidade. A dor no meu ombro se intensifica, como uma agulha se cravando na minha carne, e, por um instante, tudo parece girar. O que mais posso perder? Eu não consigo respirar. As respirações ficam curtas, e cada inalação é uma luta.
- Non posso farcela! - grito novamente, a voz embargada pela dor e pelo desespero, como se as palavras pudessem invocar algum tipo de ajuda. Mas tudo o que recebo em troca é o silêncio, um eco sombrio da minha própria falha.
A sensação de morte súbita paira sobre mim como uma sombra, e o coração dispara. O medo e a dor se entrelaçam, um turbilhão que ameaça me engolir. Não, não agora. Não posso deixar que isso aconteça.
Meus pensamentos se tornam uma névoa, uma massa indistinta de angústia, enquanto o mundo ao meu redor desaparece. A única coisa que sinto é a dor. A dor e a perda. E, enquanto estou ali, ajoelhado, à mercê da minha própria desgraça, percebo que não sou mais apenas Damiano Russo. Eu sou um homem em ruínas, um homem lutando contra fantasmas que nunca vão embora.
A porta do escritório se abre abruptamente, e a luz do corredor inunda o ambiente em penumbra. Alexa aparece no limiar da porta, o seu rosto pálido e preocupado, e, por um breve instante, o tempo parece parar. Os seus olhos se encontram com os meus, e, mesmo em meio ao desespero, sinto um ímpeto de esperança se acender em meu peito.
- Damiano! - ela chama, a voz embargada de preocupação.
O modo como diz meu nome, como se fosse uma súplica, faz meu coração disparar ainda mais. Ela corre em minha direção, descalça, os cabelos desgrenhados e a minha camisa que a faz parecer uma visão quase etérea.
Alexa se agacha ao meu lado, e o olhar que ela lança em mim é uma mistura de amor e angústia, como se tentasse entender a profundidade da dor que estou sentindo.
- O que aconteceu? - pergunta, as mãos se movendo rapidamente para me tocar, como se estivesse tentando me ancorar de volta à realidade - Te ouvi gritar...está com dor?
- Você não devia estar aqui - consigo balbuciar, mas a intensidade da minha própria dor me torna incapaz de me levantar.
A fraqueza me aninha contra o chão, e, pela primeira vez, percebo quão vulnerável me sinto diante dela.
Ignorando totalmente as minhas palavras, ela se aproxima ainda mais e me envolve nos seus braços, de um jeito delicado, mas decidido.
- Damiano, olha para mim - ela pede, firma, porém delicada como sempre - O que você tem? O que é isso que tanto se recusa a me contar? Por favor, fale comigo!
O seu abraço é um abrigo em meio à tempestade. A pressão no meu peito começa a se aliviar um pouco, mas a dor persistente ainda pulsa. Eu fecho os olhos, permitindo que a sensação dela me envolva, mesmo que apenas por um instante. Sinto seu calor, o seu cheiro, e isso me faz querer acreditar que, talvez, eu não esteja tão perdido assim.
- Você me deixa vulnerável, Alexa - murmuro contra o seu colo, os olhos fechado como se o peso das palavras fosse diminuir - Me faz perder o controle.
- E-eu...não entendo - sibila, a confusão na voz.
- Nem eu entendo - continuo, a dor pulsante craveja - Eu só sei que não consigo viver sem você...eu não posso te perder, Fadinha...
Um breve momento de silêncio se instala. Nos braços dela, me vejo tranquilo, e aos poucos, consigo me livrar de toda a dor e pressão no meu organismo. A respiração dela, a sua proximidade, é bálsamo suficiente para cada um dos meus males. O calor do seu corpo se mistura ao meu, e eu me permito sentir, mesmo que por um instante, que a vida pode ser suportável.
- Então não me perca - a sua voz falha, se quebra ao meio, fraca, inconsolável - Não me perca...tudo só depende de você.
- Eu não mereço você...
Como uma criança indefesa, eu me escondo nos seus braços, o meu rosto contorcido em uma expressão de angústia que me consome de dentro para fora, a ânsia se fazendo presente a cada respiração forçada.
- E ainda assim, eu estou aqui - seu tom me consola como ninguém seria capaz - Sempre estive. Não tome isso como garantido. Faça por merecer.
Eu não mereço nada disso...
- Sinto muito, Fadinha...eu sinto muito, eu...
- Shh, eu estou aqui - ela me abraça mais apertado - Estou aqui.
Nesse momento, sinto a solidez da presença dela e, paradoxalmente, a fragilidade da minha própria condição. Com a testa apoiada em seu ombro, a respiração dela se torna um ritmo que me embala, e a dor, por um instante, se torna suportável.
E esse é só o começo...
Gostaram? Espero que sim. Já deixa o like e diz o que achou!
Beijoooosss.
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