31: Cindy Jones
Comentem nessa porra, tá? Estou a pedir com carinho. :)
Alerta de gatilho: sangue, descrição de morte, menção a assassinato e/ou suicídio, só coisas leves.
Não há descanso para os perversos
Até que fechemos os nossos olhos para sempre
Cage the Elephant, em Ain't no rest for the wicked.
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• ALEXA LEBLANC •
Mesmo a alguns metros de distância, no carro, conseguimos ver a enchente na frente da boate do meu tio.
Louis, que preferiu vir a conduzir do que trazer o motorista connosco, decide estacionar em uma vaga pública, para não enfrentar o tumulto lá na frente.
A boate da família está quase sempre cheia, mas não desse jeito, e mesmo sendo sexta-feira, eu ainda acho estranho o facto de ter tanta gente na portaria. E mais estranho ainda, é que ninguém cumpre a fila, todo mundo se espalha pela entrada, tentando passar por cima dos outros.
— Esse Dj é tão famoso assim? — olho para o Lou estarrecido no banco do condutor.
Ele dá de ombros, provavelmente tão perdido quanto eu, e tira as chaves da ignição para guardar na dua bolsa tira-colo com brilhantes.
Descemos ao mesmo tempo e damos as mãos enquanto caminhamos pela calçada, eu com minhas botas de cano alto e Louis com coturnos tratorados.
Decidimos vir combinando, com detalhes em prata. A bolsa do Lou é prateada, a minha preta. O meu vestido é prateado e a blusa com furinhos do dele é preta. A minha maquiagem é preta e a dele é prateada. Parecemos gémeos, e sempre gostamos disso.
Já preparo o celular na câmera para filmar a entrada do clube e colocar nas stories, mas quando chegamos na porta e conseguimos passar pela entrada vip, pois temos cartões dourados, os seguranças do local nos barram e eu juro que posso ver um homem da polícia ao fundo.
Logo pressinto que alguma coisa aconteceu.
Ignoro os flashes cegantes das pessoas que nos fotografam por motivos desconhecidos por mim. Nós frequentamos esse clube com tanta frequência, que já não é novidade nos ver aqui, e contando que somos filho e sobrinha do dono, não há porquê haver tanto alarido com a nossa presença. Porém, os cochichos se mantêm, e as fotografias frenéticas também.
— O que se passa aí dentro? Nós queremos entrar — Louis diz para o segurança, que continua insistindo em não nos deixar passar.
— Recebi ordens explícitas do seu pai para não deixar mais ninguém entrar, senhor — o brutamontes responde mecanicamente.
— Mas foi o tio German que mandou nos chamar. Não foi, Lou? — cutuco o braço do meu primo para ele entrar na onda, e ele assente.
— As únicas pessoas que foram chamadas para cá foram os policiais e os paramédicos. Com todo o respeito, vocês não são um nem outro.
Policiais e paramédicos?! Que raios aconteceu nesse lugar em plena sexta-feira? Isso me parece muito maior do que uma luta recorrente entre
bêbados.
— Quer que eu ligue para o meu pai? — Lou ameaça, balançando o celular no ar — Acho que ele não vai gostar nada de ser incomodado nesse momento.
— Sem contar que já estamos à espera há quê? Trinta minutos — brinco as unhas, tentando driblar o segurança.
Ele suspira e finalmente se afasta, provavelmente não querendo receber uma sanção do dono, ou pior, ser despedido. Odeio ter que usar o meu poder e privilégio para esse tipo de coisas, mas é necessário.
Eu o meu primo nos apressamos a entrar no clube, abandonando uma multidão de curiosos lá fora.
Assim que percorremos o pequeno corredor iluminado da entrada da boate, o que se revela para nós acaba me transportando para a noite que eu tenho batalhado nos meus sonhos para esquecer.
No centro da boate, bem no meio da pista de dança, o corpo de uma garota está estirado no chão. Alguns policiais andam de um lado para o outro, fazendo sei lá o quê, enquanto sangue vaza de um corte no pescoço da garota. Os cabelos loiros são banhados pelo vermelho vivo do sangue e os seus olhos parecem mirar em mim, sem vida, e ainda assim, julgadores.
A sua cabeça quase foi decepada por um degrau que dá para a área vip e os seus membros estão tortos e quebrados, cheios de marcas roxas. Parece que ela morreu há tempo suficiente para ter manchas de cor tão intensa.
O sangue fluindo pelo chão me lembra da torneira que abri no peito do Pierre naquela noite tenebrosa. Aquela casa tem aparecido nos meus pesadelos e a dor do que eu causei ainda atormenta o fundo da minha mente, e agora que estou tentando viver para me esquecer, essa imagem se revela como o pior lembrete de todos.
— Como vocês entraram? A entrada foi interceptada, essa é uma possível cena do crime!
O policial entra no meu campo de visão, cobrindo a minha vista do corpo da garota, e só então eu noto uma lágrima caindo do meu olho. Imediatamente a limpo.
— Quantas vezes vamos ter que dizer que essa não é uma cena do crime? A garota pulou e se matou — meu pai surge atrás do policial, que o fita com a expressão neutra.
— Vamos confirmar isso quando tivermos acesso às câmaras de segurança, senhor LeBlanc. Até lá, essa é só uma suposição — policial rebate, com as mãos no coldre na cintura.
— Assim como a sua suposição de que ela foi morta — meu pai devolve e ergue o queixo, mesmo sendo mais baixo que o outro.
— A isso eu chamo olhar analítico. É o que eu pude concluir da minha análise da cena.
Ficando cada vez mais confusa sobre como a garota morreu, eu decido intervir na conversa, que já começa a evoluir para um debate acalorado.
— O que aconteceu aqui, Papa? Quem é ela?
— Posso falar a sós com a minha filha, senhor agente? — meu pai fala para o homem, com uma sobrancelha erguida e o olhar cínico.
— Claro, isso eu não posso impedir, desde que não interfira na investigação — o policial responde, e antes que a boca grande do meu pai possa responder, eu o puxo comigo para um canto do clube.
Louis nos segue, horrorizado com a cena e sem conseguir proferir uma só palavra. Acho que o choque foi maior que o meu, afinal, é a primeira vez que ele vê uma pessoa morta tão de perto. Já eu não posso dizer o mesmo.
— Onde você estava? Não voltou para casa. Estava com aquele...estava com Lucca, não estava?! — meu pai bombardeia.
— Me impressiona que esteja mais preocupado com a pessoa com quem eu estava, do que com a garota morta a dois metros de nós, papa — cruzo os braços, indignada pela sua falta de compaixão — Quem é ela e como isso aconteceu?
— Vai abrir uma investigação também? — ele decide brincar justo agora, mas não recebe uma só reação positiva de nós, o que o faz continuar — Cindy Jones, dezassete anos...
— Espera...— estendo a mão para que ele pare de falar —...Cindy Jones? Uma das garotas escaladas para a minha campanha?!
— Ela mesma — meu pai suspira, olhando para trás onde os paramédicos começam a preparar o corpo para ser levado.
— Mas como ela entrou aqui? Ela é menor de idade! Como isso aconteceu? — as palavras saem da minha boca como uma chuva.
Ainda ontem eu tive uma reunião com as modelos da minha campanha e parecia tudo bem com ela, nenhum indício de tristeza ou desespero. Pelo contrário, ela estava estonteante porque falta apenas uma semana para o lançamento da campanha.
E hoje, apenas um dia depois, a garota aparece morta no chão da boate do meu tio, aparentemente vítima de suicídio?!
Não consigo engolir isso, não importa quanto eu tente.
— Provavelmente subornou o homem da segurança ou usou uma identidade falsa. Os jovens de hoje tentam de tudo...
— Não, papa, eu conhecia essa garota e eu sei que ela não é assim! — minha voz falha, ficando subitamente embargada.
— Parece que nem sempre conhecemos as pessoas a cem por cento — ele diz, me olhando de um jeito enigmático.
— Como isso foi acontecer? — levo a mão à boca, desacreditada, e me apoio na parede quando sinto a minha pressão descer — Ela se jogou?
O clube tem escadas que levam para a parte de cima, que é onde os acionistas e suas amizades mais próximas ficam quando vêm aqui. É como uma área vip plus. Enquanto eu e Louis preferimos ficar na área vip do cartão dourado, meu pai, tio German, seus sócios, amigos e convidados, nem precisam de um cartão para ter o melhor lugar do estabelecimento.
— Isso mesmo — ele confirma — Eu, German e August estávamos lá em cima, aproveitando um whisky, quando do nada ela surgiu, gritando para o nada, parecia drogada. Não levou muito tempo para ela ameaçar se jogar. Eu ainda tentei impedi-la, mas de nada adiantou, ela pulou e o resto você já sabe...
Sinto a bile revirar o meu estômago em uma intensa ânsia de vómito, mas consigo segurar.
Louis segura o meu braço, se agarrando como se eu fosse o seu bote salva vidas, eu faço o mesmo.
— Alguma coisa não bate certo. Como ela entrou? Quem a drogou? Por que queria se matar? — eu faço as perguntas para o nada, tentando entender como aquela garota de energia radiante e apenas dezassete anos acabou espatifada no chão de um clube noturno.
— Essas são perguntas que o seu velho não poderá responder. Esperemos os profissionais fazerem isso — meu pai pousa a mão no meu rosto e acaricia, mas o seu toque me traz uma sensação gélida e áspera, não o calor bom que outrora trazia.
Me dou conta de que Maurice citou o nome de um agressor, e pior ainda, do agressor de Louis, e isso me deixa ainda mais desesperada.
— August não é nome do pai do Travis? — eu pergunto e Louis prontamente confirma — Por que ainda mantém a sociedade com ele, papa? Você garantiu que ia desfazer quando Louis foi agredido por aquele monstro. August Freeman quase matou o seu sobrinho e você ainda se senta para beber whisky com ele?!
— Ele não sabia que Louis é meu sobrinho, tesouro — ele tenta apaziguar os ânimos, o que só piora — August é um dos meus maiores parceiros...
— Não importa, papa. Ele agrediu o meu primo e o fez parar no hospital em estado grave. Você tem que desfazer todos os vínculos com esse homem!
— Vamos conversar sobre isso noutra altura, está bem? — Maurice pousa a mão no meu ombro, mas eu desvio do seu toque.
Noto que o meu celular ainda está filmando, então paro o vídeo e o devolvo na bolsa.
É nesse momento que o meu pai é chamado. Eu e Louis o seguimos, e eu só me arrependo disso quando os paramédicos movem o corpo de Cindy de um jeito que faz a sua boca abrir e sangue escorrer dela.
Não consigo mais segurar o líquido ácido no estômago, me viro, apoiando-me na parede e vomito no chão, chamando a atenção de Louis, que prende o meu cabelo e afaga as minhas costas. O vómito sai enquanto lágrimas escorrem. É tudo tão intenso para mim.
— Pronto, pronto. Está tudo bem — ele me conforta quando finalmente termino, e me passa um guardanapo — Vamos para casa?
— Eu não...não posso — balbucio, ainda tendo pequenos espasmos — Eu preciso saber o que aconteceu com ela, é uma das minhas meninas, Lou.
— Eu sei, Lexi. Mas é óbvio que você não está bem, e tenho a certeza de que receberemos notícias logo. Enquanto isso, é melhor irmos para casa.
Contra a minha vontade, sou tirada do clube. Mas não saio sem antes olhar para trás e encarar o rosto pálido de Cindy enquanto é colocada dentro do saco e depois, ver o zíper sendo fechado.
Tenho a sensação de que há muito por trás dessa história, e inconscientemente, me sinto na responsabilidade de fazer alguma coisa para que o que quer que haja por trás, seja descoberto.
Cindy era cheia de luz, e mesmo que agora esteja apagada, eu preciso fazer com que não seja em vão.
As pessoas permanecem fora do clube, agora eu entendo o porquê. São as pessoas que já estavam dentro e foram evacuadas quando tudo aconteceu.
Quando saio, de braço dado com Lou, posso ver também alguns paparazzi, que tiram fotos de nós e tentam fazer perguntas. Felizmente, um dos homens da segurança nos escolta até o carro e Louis pisa fundo no acelerador, para que possamos fugir o quanto antes de toda essa confusão.
Tentando afastar momentaneamente a névoa do choque e inevitável luto, eu pego o celular e decido enviar uma mensagem para Damiano.
Sei que hoje cedo aquela discussão com o meu pai foi muito feia e que agora eles devem gostar menos um do outro, mas eu não quero ter que escolher entre os dois. Um é meu pai e o outro é meu namorado. Ambos desempenham papéis fundamentais e diferentes na minha vida, e não é justo eu estar no meio do fogo cruzado.
"Posso ir para a sua casa? Preciso de você".
Eu mando a mensagem e poucos segundos depois, ela é lida.
"Claro, pequena. Aconteceu alguma coisa?".
Ficamos trocando mensagens a tarde toda quando tive que sair para me arrumar com Louis. Ele está preocupado com o meu estado emocional e não quer me deixar sozinha por muito tempo, o que por si só aquece o meu peito.
"Conto quando chegar" — respondo e guardo o celular, apoiando a cabeça no vidro do carro.
Depois de dar as indicações do prédio onde está o segundo apartamento de Damiano, Lou me deixa de frente ao edifício e se oferece para me acompanhar até lá em cima. Eu digo que não e o incentivo a procurar Travis, pois, por mais que ele aparente estar bem, sei que está com saudades do namorado e estar com ele o fará sentir melhor depois desse choque emocional tão grande.
Nos despedimos com um abraço e logo depois eu subo de elevador até o andar que eu já conheço bem. Diante da porta, dou duas batidas e logo Damiano abre a porta para mim. Com seus óculos de leitura e calça de moletom cinza, ele abre os braços para me abraçar e eu me entrego.
Era disso que eu precisava.
Eu podia pedir para qualquer pessoa no mundo que me abraçasse, mas nada ia se comparar ao abraço revitalizante do Damiano. É como se ele estivesse sugando toda a minha dor para fora do meu corpo, só afagando as minhas costas, beijando o topo da minha cabeça e me passando o seu calor.
Em silêncio, ele me faz entrar, e me encaminha até o sofá, onde nos sentamos lado a lado, com a minha cabeça no seu ombro.
— Ela foi ontem ao meu escritório só para me mostrar uma ideia para implementar em um dos vídeos publicitários. Como pode ser que, de um dia para outro, ela tenha decidido começar a se drogar e se jogar de uma altura de dez metros?
Eu balanço a cabeça, sem uma resposta plausível para essa pergunta. Nem eu entendo como uma garota tão jovem e talentosa teve um fim tão trágico.
Damiano passa a mão no cabelo, visivelmente frustrado e começa a andar de um lado para o outro. Eu permaneço sentada no sofá, tentando lutar contra o sono.
— Alguma coisa não bate certo nisso tudo — ele murmura — Ela não se drogou sozinha, alguém fez isso. E se esse é o caso, quem? Quem deixou uma menor de idade entrar?
— Essas foram as mesmas perguntas que eu fiz ao meu pai.
— E o que ele disse? — Damiano olha para mim, com as mãos na cintura e um olhar impenetrável.
— Que essas são perguntas que ele não pode responder.
— Ele esteve lá o tempo todo?
— Acho que sim — dou de ombros — Eles costumam se reunir às sextas para um whisky e conversar.
Damiano fica calado por longos segundos, matutando todas as informações que recebeu enquanto eu só quero saber o que ele está pensando.
— Eu acho que o seu pai sabe mais do que contou — ele dispara, como se não fosse um absurdo completo ele dizer isso.
— O que quer dizer com isso, Damiano? Acha que o meu pai tem parte nesse caso? — ergo uma sobrancelha inquisidora.
— O que eu acho não interessa agora — nota que fez merda e tenta se redimir, mas eu já estou muito além disso.
— Para mim, interessa. Você acabou de insinuar que ou o meu pai está escondendo informações para alguém, ou tem culpa no cartório!
Damiano não responde nem olha para mim. Levo isso como uma afirmação do que acabei de dizer. Damiano realmente desconfia que o meu pai está envolvido.
— Eu não acredito...— rio nervosamente e me levanto do sofá — Eu entendo que tenha as suas diferenças com o meu pai. Ele não aceita o nosso relacionamento e isso deixa vocês num clima tenso, mas daí acusá-lo de estar envolvido em algo tão...macabro...isso é demais, Damiano. Você tem noção do que colocou em causa?
— Eu não afirmei, nem tenho a certeza de nada. Já disse que a minha opinião não importa. Só acho que ele sabe mais do que fala — ele determina, erguendo os braços em rendição.
— Achei que vir para cá seria uma boa ideia, mas está se revelando a pior coisa que eu deveria ter feito — cuspo, pegando a minha bolsa, pronta para ir embora.
Damiano não me permite chegar até à porta, se colocando na minha frente com o sobrolho franzido.
— Onde você vai a uma hora dessas? Já passou da meia noite. Você só sai daqui quando amanhecer!
— Não tente mandar em mim, não agora...
— Não estou aberto à negociações, Alexa — me interrompe, incisivo — Você só vai sair daqui quando estiver de manhã. Até lá, mantenha essa bunda aqui dentro.
— Quem você pensa que é?!
— Seu dono — ele diz, sem mais — Acho que nós os dois concordamos com isso.
Abro a boca para responder, mas ele me impede ao agarrar o meu rosto com as duas mãos e me beijar profundamente. Sua língua invade a minha boca com volúpia e se entrelaça à minha. Eu tento lutar contra a vontade de ceder, mas não consigo. Em poucos segundos, eu já estou puxando os seus cabelos, prensada contra a porta e gemendo roucamente. Damiano morde o meu lábio inferior até que o gosto metálico do sangue surja, então ele me agarra pelo pescoço e lambe o sangue, segurando o meu lábio entre os seus. Eu gemo de dor e prazer interligados, esfregando as coxas para aplacar a minha excitação.
Quando partimos o beijo, eu o empurro pelo peito, disposta a não ir mais além. Estávamos no meio de uma discussão séria e acabamos por ceder a um momento de fraqueza, e eu, no estado em que estou, sei que não vou resistir com ele tão perto.
— Eu não vou dormir com você! — cuspo, ele encrispa os lábios, visivelmente incomodado, mas não discute.
— Isso eu não posso te obrigar a fazer — dá de ombros — Sinta-se à vontade para ocupar outro quarto.
— Eu te odeio, sabia? — passo por ele, tentada a bater nele com a minha bolsa.
— Diz isso porque está chateada — rebate — Durma bem, pequena.
Me viro e apenas mostro o dedo do meio antes de alcançar o corredor dos quartos. Ouço o barulho da porta sendo trancada e os meus planos de sair quando ele já estiver dormindo vão por água abaixo.
Então me conformo em entrar no quarto, trancar a porta, descalçar as botas e me jogar na cama. As camisetas de Damiano que eu costumo usar para dormir estão no outro quarto, e eu não vou me prostrar à humilhação de pedir uma roupa para dormir.
Por mais incómodas que as lantejoulas desse vestido sejam, eu vou permanecer com ele.
Quando fecho os olhos, duas batidas na porta me despertam.
— Tenho aqui uma camiseta para você. Vai ficar mais confortável com ela.
Meus olhos reviram nas órbitas. Por que ele tem que ser tão atento aos detalhes mesmo quando nos desentendemos?
Levanto da cama num pulo e vou até à porta. Quando a abro, ele está sem camiseta e estendendo a peça que estava a usar mais cedo. Semicerro o olhar, sabendo qual é a intenção dele. Não digo nada, apenas pego a camiseta e fecho a porta antes que ele possa dizer alguma coisa.
Troco o vestido pela camiseta e não consigo evitar inspirar profundamente o cheiro dele na peça. Ao me deitar na cama, nem fechar os olhos eu consigo mais. Queria que ele estivesse aqui.
Que idiotice a minha achar que conseguiria dormir sabendo que Damiano está no quarto ao lado, e pior, com uma camiseta dele que está coberta com o seu cheiro.
Desisto de tentar parecer durona. Eu vim aqui para estar com ele, para encontrar conforto depois da cena horrível que encontrei na boate quando era suposto me divertir com Louis. Eu vim porque precisava do seu colo, do colo do meu amor.
Encontro a porta do outro quarto aberta, então apenas entro. Não vejo Damiano na cama, ela ainda está devidamente arrumada, então decido ver no banheiro, que é onde ele está.
Parado na frente do espelho, o vejo contemplar a sua figura, mas não de um jeito agradável. Posso ver nas suas íris o misto de sentimentos tumultuosos, uma luta interna por algo que eu infelizmente ainda não fui permitida saber.
Devagar, eu caminho para dentro do banheiro, parando atrás dele. Nos olhamos através do espelho, ele força um sorriso quando vê o meu. Passo as mãos pelo seus ombros, vagarosamente, pelas costas, até chegar na cintura e passar para a barriga. Exploro os seus abdominais trincados e tento passar a ponta do dedo indicador no seu peito, por cima da cicatriz. Ele agarra o meu pulso antes que eu consiga e me lança um olhar de advertência. Eu suspiro, conformada, enquanto ele se vira para mim, apoiando-se na pia.
— Sabe que não pode — sussurra, seu hálito morno e mentolado contra o meu rosto.
— Eu sei — digo, sentindo ele afrouxar o aperto no meu pulso para pousar as mãos na minha cintura — Quem fez isso com você? Como isso aconteceu?
Eu não consigo imaginar quão doloroso foi para ele ter o peito rasgado dessa forma. Dói em mim, mesmo que não tenha sido comigo. E eu sei que ele sofre todos os dias por isso, e só queria que ele se abrisse e pudesse me contar, talvez eu conseguisse aplacar um pouco da dor pela qual ele passa sozinho.
Essa cicatriz é grande demais para se carregar o fardo por si só. É uma cicatriz que se reflete na alma.
— Não pense nisso, Fadinha. Já tem muito com que se preocupar — ele repete o mesmo discurso de sempre.
— Se essa cicatriz fosse minha e eu me recusasse a falar sobre ela, o que você faria?
Olho bem no fundo dos seus olhos, já sabendo a resposta. Damiano faria de tudo para me fazer falar, e a dado momento, me conhecendo como me conheço, eu falaria. Não conseguiria esconder nada dele. Só queria que ele pensasse assim, e que o nosso relacionamento não se baseasse em segredos.
— Eu faria o que fosse preciso para que você me contasse, e depois caçaria a alma condenada que fez isso com você. O resto nós já sabemos — ele diz, sua voz subitamente sombria e pesada.
— Então por que não se abre para mim? Por que não me deixa entrar? — eu insisto, meu peito dói a cada palavra dita, como se a cicatriz também fosse minha — Eu quero poder te ajudar, me deixa entrar.
Instintivamente, eu tento pousar a mão no seu peito de novo. E tudo se repete. Ele me impede, agarrando o meu pulso, e dessa vez, beija a palma da minha mão, pousando-a no seu rosto depois.
Sinto a aspereza da sua barba em contraste com a suavidade da sua pele. Assim como a sua personalidade, áspera por vezes e suave em outras.
— Você já me ajuda estando aqui. Só peço que confie em mim e não me abandone.
Para mim, por enquanto, isso é suficiente. Se ele se sente confortado com a minha presença, pode contar com ela sempre e quando precisar.
— A minha permanência só depende de você — digo, por fim — Eu serei sua sempre e enquanto você permitir.
Nada poderá me afastar de Damiano a não ser ele mesmo. Estar ao seu lado é uma escolha que eu fiz, da qual nunca me arrependerei, contanto que ele permita. Deixo tudo nas suas mãos, pois, do meu lado eu entrego tudo.
Sou tão dele, que nada em mim me pertence mais.
• • •
Teoriaaaaasss?
O que vai acontecer com quem não comentar: 🤰.
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