24: Quem nunca foi gozado na cara?
Quem nunca, né? :)
Oi, vadia. Sentiu saudades? Já deixa a estrela aí.
Eu queria não ter expectativas
Eu queria tanto poder entrar na sua cabeça
Sem confrontos
Realmente gostaria que pudéssemos conversar sobre isso
Lauren Jauregui, em Expectations.
• • •
• ALEXA LEBLANC •
Uma anemia. É tudo o que eu tenho. A porra de uma anemia.
Eu me sinto desorientada, presa e perdida no tempo e no espaço, sem ar, sufocada na minha própria cabeça, rastejando na minha própria pele. Sinto como se as paredes estivessem caindo ao meu redor. Olho para o relógio uma e outra vez, ansiosa, com medo. Eu odeio isso, mas continuo me alimentando dele. É como se eu precisasse dessa rejeição para respirar. Mas tudo isso, a minha quase morte, se deve a um simples anemia!
Me preocupo mais com o facto dele não querer saber nada de mim, do que com a porra da anemia. E isso deveria ser medonho para mim, mas não é, é apenas como me sinto.
— Doutora, tudo isso por uma simples anemia?! — exclamo, me sentindo ligeiramente melhor — Eu mal consegui sair da cama hoje cedo.
— São esses e muitos mais sintomas que a anemia traz consigo. As tonturas, fraquezas, falta de ar, palpitações...você teve sorte em ter a sua prima por perto — a doutora explica.
— Obrigada, Manon — agarro a mão dela, que estava pousada no meu joelho.
— Não agradeça, ainda bem que está melhor, prima — ela sorri, apertando a minha mão também.
— Posso ir para casa agora? — pergunto à mulher loira.
— Claro, eu vou só passar uma receita e tratar da sua alta.
Aceno com a cabeça e a mulher sai do quarto acompanhada de Manon, que fecha a porta e volta para perto da cama. Pouso a cabeça na almofada e repouso, observando as gotas do soro caírem a pouco e pouco, e penetrarem nas minhas veias para me hidratar.
— Onde está o meu celular? Preciso mandar algumas mensagens — pergunto à Manon.
— Acho melhor você não usar o celular agora — sibila, desviando o olhar para não ter que me encarar.
Franzo o sobrolho, confusa com o que ela disse.
— Por quê? Eu estou melhor — indago, erguendo o braço para mostrar o acesso venoso.
— Acredite em mim — ela se vira na minha direção e pousa a mão no meu joelho — Você não vai querer ver...
E ela se cala, contribuindo ainda mais para a minha curiosidade e fazendo a bola de preocupação que se instaurou na minha garganta, crescer e crescer mais.
— Me diga o porquê ou me dê o meu celular, Manon! — exclamo — É o Lou? Aconteceu alguma coisa com ele?
— O Louis está bem, Lexi. É só que...
— O quê?! — guincho, batendo os braços no colchão, um em cada lado do meu corpo.
Manon suspira, rendida e abre a bolsa tira-colo que carrega, pegando de dentro o seu próprio celular e digitando por alguns segundos. Segundos esses que me parecem horas até que ela me passa o aparelho e vejo que está em um dos sites de notícias mais credíveis da atualidade.
A matéria fala sobre mim. Com uma olhada rápida dá para ver o meu nome em negrito, o que não me surpreende. Estou inteiramente acostumada a estar em sites parecidos, por menor que seja a fofoca em que estou envolvida.
Então suspiro e me preparo para ver que mentira agora eles estão contando sobre mim.
"ALEXA LEBLANC: Parece que a princesinha não é tão princesa assim".
O título me deixa afoita, com o cenho franzido em uma carranca de confusão, o que me faz logo pular para o corpo da matéria.
"A polêmica se deu após o vazamento de uma foto comprometedora da influencer de moda e futura empresária, hoje, sexta-feira, (13)".
— Mas que porra...? — arfo, atônita, meu cérebro dando voltas.
"Nas últimas horas, uma série de teorias e comentários têm surgido em volta da maior bomba já lançada sobre Alexa LeBlanc. Parece que dessa vez nem o seu vínculo com a Dior irá salvar a pele dela, pois, as redes sociais estão alvoroçadas com o que aconteceu.
O assunto está agora no top 1 do ranking dos mais falados no Twitter, e pensando nisso, a CNM está aqui para mostrar com detalhes a confusão. Confira:"
Após esse parágrafo, o que surge envia calafrios pela minha espinha abaixo. Meus olhos se abrem e quase saltam das órbitas quando o meu rosto aparece bem visível cheio de um líquido viscoso e branco, que é, obviamente, esperma.
Uma foto minha coberta de esperma foi vazada e é um dos assuntos mais comentados no Twitter. Aliás, é o mais comentado.
— Você não precisa terminar, prima — Manon tenta tirar o celular de mim. Não deixo.
— Eu quero terminar! — exclamo, subitamente raivosa.
"A adorada do público, que sempre esteve nos holofotes, filha de Maurice e Brigitte LeBlan, dois filantropos e maiores apoiantes do recate social, se vê envolvida no maior escândalo da sociedade. Esperma no rosto de uma mulher nunca foi marcante dessa forma antes. Confira os comentários dos internautas:
_jorge46kl: Quem não gosta de um leitinho?
_poppygirl: a francesinha decidiu mostrar as garras, hahahaha. Parece que a vida dela não se baseia em abrir recebidos e ser bonita com photoshop.
_lily.anne22: Qual é o problema de receber uma gozada na cara? Sério que todo mundo se incomoda com isso? Um pouco de esperma?
_ghost777: Ok, e depois?
_emily: por isso ela anda desligada das redes...Descobriu que pode enfeitar o rostinho bonito com leite hahaha.
_simonperez1: seria bom se desse pra ver os peitos.
_darkprincess: foda-se?"
A cada comentário lido, os meus pulmões se fecham a pouco e pouco, minha mãos ficando trêmulas e os meus olhos se enchendo de agua, que cai em lágrimas grossas e salgadas, molhando o lençol que me cobre. A raiva outrora crescente, agora se transformou em um amontoado de irritação explosiva que me faz jogar o celular o mais longe possível, como se assim eu pudesse me livrar do pesadelo que se iniciou.
– Merda, o meu celular! - Manon guincha, correndo até o aparelho quebrado no chão, perto da porta.
O que eles dizem de mim, coisas que nunca me definiriam e que, definitivamente, estão longe do que eu alguma vez virei a ser. E o pior de tudo nem é isso. O pior de tudo é que eu mal me lembro de quando e como isso aconteceu. Sim, sei que foi com Pierre, mas eu nunca lhe dei o aval de ser fotografada em um momento íntimo.
Pierre se aproveitou da minha distração, fez algo que eu nunca dei permissão e está usando isso para me atingir agora que não estamos mais juntos, como se o nosso relacionamento tivesse chegado ao fim por minha culpa! Ele me traiu, ele acabou com a minha confiança, ele deveria estar a ser linchado nas redes sociais como o traidor de merda que é e um fodido abusador, mas sou eu ali cheia de porra no rosto e a reputação arruinada por algo que nem mesmo sabia que existia.
Juro que seria capaz de matar aquele pedaço de merda agora mesmo, com as minhas próprias mãos!
– Isso é um completo mal entendido. Pierre me fotografou sem a minha permissão - sopro, suando frio e deixando as malditas lágrimas rolarem, já que nada posso fazer para impedi-las.
– Ahm!? - exclama, me olhando como se eu fosse uma alienígena.
– O Pierre me pegou desprevenida e tirou uma foto minha sem que eu permitisse - repito, sentindo a garganta arder e cabeça latejar incessantemente - Consegue me entender? Ele está fazendo essa merda comigo por raiva!
– Eu consigo entender, prima - começa, com a sua calmaria e voz amena de sempre - Mas quem sou eu no meio de centenas de pessoas que acham que você é uma vagabunda?
As palavras da Manon me atingem como um soco imenso no meio da cara, que quebra a redoma de vidro frágil em que eu me coloquei por todo esse tempo. O mundo cor de rosa que construí para mim mesma é a minha ruína, fazendo com que todo o meu trajeto até agora seja questionado por uma maldita foto! Agora eu só quero escapar por entre os cacos afiados sem me cortar, encontrar algum refúgio ou uma forma de acabar com tudo, mas não vejo como. Tudo me parece um tremendo pesadelo do qual o meu cérebro se recusa a despertar, para me trazer a realidade do que era a minha vida perfeita, antes do lixo do Pierre, do cruel Damiano e de mim mesma, pois não consigo me isentar da culpa. Sou culpada por ter sido uma tola apaixonada e não ter me prevenido de tanta enrascada.
Como é suposto sair sem me ferir agora?
– O que vai fazer agora? - ouço a maior festeira da família perguntar.
– O mal já foi feito, certo? - pergunto, no meio de um suspiro audível. Ela acena, esperando eu prosseguir - Afinal, quem nunca foi gozado na cara?
Preciso reunir a coragem de uma vida para parecer fodona como acho que pareço. A verdade é que eu apenas quero sumir, me dissipar no ar, ficar e voltar só quando a poeira assentar e as coisas estiverem nos conformes. Mas temo que isso não vai acontecer tão cedo e que eu preciso me estabilizar para depois estabilizar as coisas ao meu redor.
– Me leve para uma festa, uma das grandes.
– Você quer ir para uma festa? Nessa altura do campeonato? - me fita, embasbacada.
– Se eu não posso reverter essa situação, então vou agir como se fosse a coisa mais normal do mundo — determino — Até que eles se convençam de que não é nada de mais.
Diante da hesitação da minha prima, eu coloco a minha melhor cara de bem resolvida, mesmo que esteja um caos por dentro, só desejando me fechar num casulo agora mesmo.
— Nós vamos à uma festa e vamos beber até eu esquecer dessa merda que aconteceu! — exclamo, rezando internamente para que Manon tope na minha loucura.
E ela, reforçando o apelido de mais festeira da família, que ganha até do Lou, acena em confirmação.
— Tudo bem, então vamos!
Já que recusei ser carregada com uma cadeira de rodas até a parte de fora do hospital, fui obrigada pela doutora a me apoiar no braço de Manon. Agora estamos lado a lado a andar pelo corredor e comigo suando frio, com medo do estágio de futebol que pode estar lá fora. Deve haver uma enchente de jornalistas esperando alguma notícia sobre mim, esperando que eu saia para me atacar tal como na saída da empresa.
Ando de cabeça baixa, com medo de ser capturada por alguma câmera escondida, embora saiba que ninguém precisa ver o meu rosto ou o meu nome para saber que sou eu.
— Estamos quase? — murmuro, agarrando mais a Manon junto a mim.
— Aquele ali não é o Lucca? — ouço ela dizer.
Com essa sentença, cada poro da minha pele se expande e, de um momento para o outro, quase como um passe de magia, uma camada de suor se forma na minha pele, deixando-a entre o frio e o quente.
Meus passos cessam imediatamente, contrastando com o furor que se inicia em minha mente. Todos os questionamentos que me fiz durante todos esses dias, sobre o seu afastamento, algum erro que eu possivelmente cometi, e todo o martírio que isso me causou, voltam com tudo, superando a ansiedade que tinha em vê-lo. Inspiro profundamente, implorando para que os meus pés não me levem até ele, porque eu sei que se eu der um vacilo sequer, estarei acabando com o pouco de dignidade que me sobrou, em questão de segundos.
Mas como é suposto me manter aqui, com ele parado ao fundo do corredor, conversando com um doutor, sem ainda ter notado a minha presença? Eu notaria a presença dele mesmo sem esforço. Eu o sinto, de longe. Se a Manon não me dissesse que ele estava ali, meu corpo me diria, e meu cérebro também.
Ele está sério, como sempre, além do semblante abatido que pinta o seu rosto nesse momento. Me pergunto o que aconteceu para ele estar no hospital e a preocupação me atinge com força. Não queria estar tão fodidamente necessitada de estar com ele, eu não deveria!
— Vamos cumprimentá-lo, prima? — Manon sugere, me arrancando do transe deliciosamente doloroso.
Com um chacoalhar no ombro, eu ergo o olhar do chão e noto que estamos paradas há tempo suficiente para chamar a atenção, e mesmo que não fosse esse o motivo, Manon faz o favor de acenar e chamar o seu nome.
Custa muito para mim desviar o olhar da sua figura, é quase impossível, tanto que eu luto para olhar para qualquer outro ponto que não seja ele, mas não funciona. Eu simplesmente me vejo vidrada no singelo movimento da sua cabeça virando-se para nós e os seus olhos fitarem os meus com a intensidade avassaladora que me fez falta por dias.
Meu Deus, como eu pude sobreviver sem isso?
— Vamos — Manon me puxa consigo e meus pés nem vacilam.
Em poucos segundos, estamos na frente do meu algoz, que já dispensou o doutor e está agora com as mãos enfiadas nos bolsos e parecendo uma música do Cigarettes After Sex. Damiano é tão fodido de belo quanto Apocalypse. Melancolicamente lindo mesmo estando um pouco pálido e com bolsas escuras em baixo do olhos.
Vejo de perto agora, e a minha preocupação só se torna maior. Quero perguntar, mas o seu olhar duro em cima de mim me captura, criando uma barreira na minha garganta que impede as palavras de saírem.
— Lucca, que bom te encontrar! — Manon guincha, me soltando para tentar beijar as bochechas dele, que apenas se afasta e estende a mão para ela.
Manon esconde o constrangimento com um sorriso maior, enquanto eu tento esconder o sorriso enviesado que brotou nos meus lábios, mordendo o inferior.
Vejo o verde nos olhos do Damiano ganharem uma tonalidade mais escura, enquanto as faíscas levemente douradas brilham diante do meu pequeno gesto. Ele olha para os meus lábios demoradamente, até subir o olhar para os meus olhos, que prontamente olham para ele de volta, sem se desprenderem.
— É bom encontrar vocês também, e curioso, admito, dado o lugar...— ele responde, e eu sou obrigada a empertigar as costas para conter o arrepio que ouvir a sua voz me trouxe.
Uma fodida semana sem isso e eu não sei como raios me aguentei!
— Ah, isso...— Manon suspira, adotando uma postura mais contida e me puxando pelos ombros — Vim acompanhar a Alexa, é que ela...
Reviro os olhos. Ela vai mesmo falar sobre isso!
— Eu tive que renovar o meu anticoncepcional — interrompo, cuspindo as palavras com um certo veneno tendencioso — Já passou um mês, então...
— Prima! — Manon guincha, no seu tom de reprovação que sempre usou, achando que ser um ano mais velha do que eu faria alguma diferença.
— E você? — ignoro ela e umedeço os lábios — Veio fazer o quê? Vasectomia?
Ouço o arfar seguido da ameaça de uma risada ao meu lado, vindos da Manon, mas estou demasiado focada nos olhos de Damiano se incendiarem e a sua mandíbula trincar com a raiva crescente.
Estou suando de medo? Estou. Ele me puniria arduamente por isso? Também. Estou sendo um menina muito, muito má? Com certeza.
Mas ele não pode fazer nada comigo agora, já que tomou a liberdade de se afastar de mim como se eu fosse uma maldita praga.
Quando Damiano vai responder, outra figura surge atrás dele, com o celular na orelha, distraído até que vê a mim e a minha prima.
Nisso, os dois se entreolham e Manon até solta um risinho. Lorenzo devolve com um sorriso e eu não preciso pensar muito para chegar a conclusão de que esses dois têm dormido juntos. Pelos vistos, aquela noite em Las Vegas foi mesmo proveitosa.
— Olha, primo, que surpresa mais agradável — Lorenzo rodeia os ombros do Damiano com um braço, ficando apoiado no seu corpo mesmo sendo um pouco mais baixo do que ele — Ainda bem que está melhor, Alexa.
— Obrigada — forço um sorriso e cruzo os braços acima do peito — Devo dizer o mesmo? Algum de vocês está doente?
— Erh...— Lorenzo parece um pouco desconcertado — O meu primo aqui teve...
— Nada de mais, não tive nada de mais. Estou bem — Damiano rosna, cortando o primo de forma brusca — Venha comigo, por favor.
Puxo o ar com força diante do seu pedido nada discreto. A essa altura do campeonato, Lorenzo e Manon já devem ter notado que eu e Damiano somos mais do que colegas de trabalho, e que não estamos nada felizes um com outro.
— Eu e a Manon precisamos ir para casa, temos planos para mais tarde — continuo com uma muralha erguida entre eu e ele, mesmo que com uma só palavra, Damiano possa destruir essa muralha em segundos.
— Ah, sim, vamos à uma festa. Querem ir connosco? — minha prima intervém.
Uma veia do pescoço do Damiano salta, e os olhos fervem em cima de mim. Posso até sentir o calor incrustado na minha pele, e a vontade dele de proibir que eu vá à uma festa.
E eu sou louca por querer que ele me proíba. Quero que ele se sinta ainda no direito de ditar o que posso ou não fazer, porque quando ele fazia isso, eu me sentia pertencente a ele, e agora é só...nada. Não é nada.
— Eu quero — Lorenzo diz, empolgado — Vamos, primo?
— Não — cospe Damiano, agarrando o meu cotovelo — Você vem comigo.
Cambaleio, sendo puxada pelo chão polido do hospital e tentando, em vão, me soltar do seu aperto.
— Lorenzo! — Damiano chama, o primo vem.
Os dois nos seguem, tentando acompanhar os passos do desgraçado que me puxa consigo. E eu tento ao máximo não tropeçar, nem escorregar.
Quando penso que vai me levar pela saída principal, o meu medo se torna uma bolha enorme que se aloja no meu peito, mas fazemos um caminho diferente, entramos no elevador, fazendo uma viagem extremamente desconfortável, e saímos no andar subterrâneo, que é o estacionamento privado do hospital.
Damiano não larga o meu braço em nenhum momento, e a dor, que deveria ser incômoda para mim, me faz arfar de tão mole que me torno diante do seu toque.
Estou prestes a pedir que ele rasgue as minhas roupas e me toque do jeito selvagem que meu corpo anseia, só para ver se sacio esse desejo louco, impuro e insano.
No meio do estacionamento cinzento, Damiano faz um sinal para o Lorenzo, indicando que eu e ele iremos para o seu carro. Então Manon sugere que ela e Lorenzo vão no seu carro, no qual viemos para cá.
— Eu não vou entrar! — berro, minha voz fazendo eco — Me solte.
— Quantas vezes eu tenho que dizer para parar de ser malcriada comigo, garota? — grunhe, forçando ainda mais a minha entrada no carro.
— Quantas você quiser, porque eu não vou parar — devolvo, enganando a mim mesma.
A verdade é que eu quero que ele me coloque no meu lugar, meu subconsciente faz isso de propósito. Gosto de sentir o medo e ansiedade excruciantes em ser ensinada a não ser malcriada.
— Tenho quase a certeza de que tem meia dúzia de fotógrafos escondidos entre os carros aqui, e você não está em uma posição muito favorável, não acha?
Olho em volta, me lembrando da recente notícia espalhada para ferrar com o meu couro. A vergonha pesa em mim como toneladas, e de repente, eu não tenho mais a arrogância de encher o peito para enfrentá-lo. Mas também não consigo baixar a guarda e entrar no carro como ele quer.
— Entre no carro, Alexa — ordena novamente, sua voz diminui o tom, ficando ainda mais grave. Não me movo um milímetro — Olha só, você pode entrar de livre vontade ou eu posso te carregar pra' dentro. Escolha.
Abro a boca num arfar indignando. Ele não parece nem um pouco incerto das suas palavras. Pelo contrário, sua postura grita autoridade e sei que cumprirá o que prometeu.
— Você não seria capaz — murmuro, estreitando os olhos.
— Ok, tudo bem — solta e avança na minha direção.
Vejo ele se curvar na minha frente e ameaçar me colocar no colo. Dou um gritinho quando ele quase consegue, mas esperneio e ele me solta no chão.
— Tudo bem, tudo bem. Eu entro! — exclamo, o meu cabelo cobre o meu rosto pelos movimentos bruscos que fiz.
— Ótimo — diz ele, seus lábios numa linha dura que não me dá outra opção a não ser entrar no carro e sentar a minha bunda no banco.
Damiano fecha a porta num estrondo, visivelmente irritado, e contorna o carro para tomar o seu lugar no banco do condutor. Quando fecha a porta ao seu lado, o ar fica mais pesado do que já estava desde que o vi. Sinto uma necessidade imensa de abaixar os vidros e colocar a cabeça para fora, mas ele liga o carro e em seguida, o ar condicionado, o que não é muito, mas já ajuda no fluxo de ar.
Durante toda a viagem, ele não diz nada, nem olha para mim, sequer pelo canto de olho. Ao contrário de mim, que estou incapacitada de desviar o olhar da sua figura altiva comandando o volante, enquanto veias grossas enfeitam a pele das suas mãos. A palidez sumiu e a sua pele voltou a corar, no belo tom oliva que o italiano naturalmente possui. A água na minha boca faz uma poça e quase escorre pelo canto.
É durante a minha observação minuciosa dos seus traços, afundada no banco do passageiro, que ele estaciona na frente de um prédio, que julgo ser o mesmo de sempre, mas não é. É diferente, e está em uma rua diferente também.
Decido não dizer nada, não quero lhe dar motivos para achar que estou curiosa ou que quero fazer coisas que o gelo que ele me dá simplesmente não vai permitir.
O sigo, em silêncio, abaixando a cabeça de leve para o caso de alguém ter nos seguido do hospital para cá, ou ter alguma pessoa escondida tirando fotos e filmando, embora eu saiba perfeitamente que já deve haver umas duas dúzias de fotos e vídeos meus rolando por aí.
Mas eu sei que não posso me esconder por muito tempo, tenho que aparentar estar bem, mesmo que esteja rachando por dentro.
— Onde estamos? — pergunto, quando saímos pelo corredor. Ele não diz uma só palavra em resposta.
Ele segue na frente, andando à passadas largas com suas longas pernas, e eu, com minhas pernas curtas e pouco magras para ajudar, quase corro para alcançá-lo.
— Responda a minha pergunta! — insisto, afobada pela quase corrida — Se você não vai falar, eu não vou andar.
Faço birra, parando no meio do corredor, no exato momento em que um senhor e a sua mulher saem de uma das portas e ficam olhando para nós com estranheza. E não é por menos, comigo aqui e com Damiano a uns cinco passos de mim.
— Seja o que for que aconteceu, ela tem razão — o senhor fala com o Damiano e aponta para mim.
Estufo o peito para mostrar que estou em concordância com o senhor, e a mulher ao seu lado sorri.
— Seja o que for que aconteceu, já sabe como resolver — a senhora mais velha passa por mim e pisca um olho cúmplice, depois de afagar o meu ombro.
Sinto as minhas bochechas imediatamente corarem com a insinuação da mulher. Sim, eu passei a viagem toda pensando em montar no Damiano até cair desmaiada, mas uma desconhecida propondo que eu o faça é muito estranho, principalmente quando ele me olha como se eu fosse uma criança rebelde.
— Eu sempre aturei as suas birras, mas hoje não é um bom dia, Fadinha — fala quando o elevador se fecha com o casal lá dentro — É a última vez que aviso: não.seja.malcriada.comigo.
A forma pausada com que diz as palavras, marcando um passo no intervalo de cada uma, até parar na minha frente, me faz estremecer. Meus braços cruzados se desfazem e caem rente ao corpo. Os joelhos fraquejam, e tudo o que eu mais quero agora é me ajoelhar.
— Vamos, passe na frente — ordena, mas eu não movo uma palha.
Porém, dessa vez, não é por malcriação. Dessa vez, é porque eu simplesmente me mantenho estática diante da sua imponência e aura extremamente hipnotizante. Olho para ele e só sei fazer isso, olhar.
— Parece que vou precisar te carregar mesmo — estala o pescoço duas vezes, uma de cada lado, e flete os joelhos para me pegar.
E ele consegue dessa vez, me agarra e me joga como um saco de batatas no seu ombro.
Meus cabelos descem como uma cortina nas laterais do meu rosto e eu só começo a me debater quando já estamos chegando ao fim do corredor.
Dou socos descontrolados nas costas dele, como se assim ele fosse me soltar, mas ele não move um só milímetro para isso. Pelo contrário, recebo um tapa estalado na bunda que arde de um jeito delicioso, e as lágrimas se acumulam, não por estar magoada, e sim por ter sentido tesão a ponto de ser capaz de chorar só para receber outro.
Dentro do apartamento, que aparentemente não estava trancado, eu grito para ele me colocar no chão, mas minha fala é interrompida por passos que descem as escadas.
— Vocês chegaram! — ouço a voz feminina, mas não consigo ver a dona, pois, estou ainda jogada no ombro do Damiano, que me segura firme — Oh, eu não estava à espera de ver isso...
A voz parece um pouco desapontada e eu vejo que é a prima dele quando me coloca no chão. Bagunçada e toda amassada, eu sorrio, tentando passar uma boa imagem, apesar da minha imagem nesse momento estar tudo, menos boa, em todos os sentidos.
— Olá — cumprimento com um aceno — Jada, não é?
— Giada — corrige, sem esboçar um só sorriso de volta — Dami, onde está o Lorenzo?
— Com a namorada — ele responde, dando as costas para nós e entrando por um corredor atrás de mim.
— E você, a outra namorada, está aqui — ela sibila, andando em cima das all-stars até mim.
— Eu não sou...— tento dizer que não sou namorada do Damiano, mas ela me interrompe.
— Diga a ele que saí e fui resolver os nossos assuntos.
Então, Giada pisca um olho para mim e sai, batendo a porta com muita força.
Franzo o cenho, confusa com o seu comportamento e não gostando do facto dela ter dito "nossos assuntos" com aquele tom de cumplicidade.
Giro pelos calcanhares e percorro o mesmo corredor que Damiano outrora percorreu, encontrando-o ocupado com o fogão.
Dois ovos foram quebrados na frigideira, vejo as cascas no balcão e o cheiro já se espalha pelo ar, fazendo a minha barriga imediatamente roncar.
— Não tenho comida pronta aqui, vai ser uma omelete mesmo — informa, sem tirar os olhos da frigideira.
E eu parada no meio da sua cozinha, me perguntando que raios estou fazendo aqui e porquê ele age como se nada tivesse acontecido!
— Obrigada, mas estou sem fome — murmuro, e ele olha para mim por fim — Acho melhor eu ir embora, Damiano. Eu...
— Gosta de queijo de cabra? — interrompe, indo até a geladeira para pegar o bendito queijo.
— Eu já disse que estou sem fome — digo um pouco mais alto, mesmo com os dedos trêmulos.
— Gosta ou não? — insiste — Não tenho o normal aqui...
— Qual é o seu problema?! — exclamo, sentindo a garganta arranhar.
— Nenhum — encolhe os ombros, muito descontraído, virando a omelete na frigideira — Só quero saber se você gosta de queijo de cabra.
— Foda-se o seu queijo de cabra e foda-se você! — cuspo, com os nervos à flor da pele e a nuca a pinicar ardentemente.
Porém, me arrependo no segundo seguinte, quando ele larga o garfo de qualquer jeito e joga a embalagem do queijo no chão, que vem parar justamente aos meus pés. Olho para a embalagem e depois para ele. Engulo em seco diante da sua imagem contida, de olhos fechados e uma mão na cintura.
— Olha aqui, menina — ele diz entre um suspiro e outro, massageando o topo do nariz — Será que você pode se acalmar e por um minuto, só por um minuto, tentar ser menos malcriada?! — atira, me olhando com dureza — Na viagem, quando você passou mal, eu disse que não lido bem com pessoas doentes, e você está doente agora e mesmo assim, eu estou a tentar lidar e a fazer o meu melhor, porque você não é qualquer pessoa, então por favor, me diga se gosta ou não de queijo de cabra!
Não sei se me coloco em posição fetal e choro, se sorrio porque ele está obviamente preocupado comigo, ou se simplesmente dou meia volta e vou embora.
Nenhuma das opções me parece certa.
— Eu não pedi nada disso...— balanço a cabeça de um lado para o outro, sentindo que se continuar, as lágrimas não vão pedir licença, e mesmo assim, eu preciso continuar — Não pedi...isso! Desse jeito, tão estranho. Eu não pedi!
— Me lembro muito bem de você ter invadido o meu escritório há um mês, e quase ter implorado para ser minha — ele fala, como se não fosse nada, tirando a omelete da frigideira para colocar num prato — E lembro também de ter dito para você se afastar. Você não me ouviu.
Um caroço doloroso se forma na minha garganta e eu o engulo com violência. Ainda tenho muito a dizer.
— Porque eu não sabia que seria assim! — exclamo, observando-o seguir até a mesa e lá pousar o prato — Eu não sabia que você é assim. Que iria fugir de mim. Por quê, Damiano? Por que fugiu?
— Eu não fugi — grunhe.
— Então o que aconteceu? Você simplesmente decidiu não responder mais as minhas mensagens? O que eu fiz? — atiro tudo de uma vez, sentindo o meu corpo inteiro doer.
— VOCÊ. ME FAZ. SENTIR! — berra, respirando pesadamente entre cada pausa nas palavras — Não é sobre o que fez e sim, sobre o que faz, e você me faz sentir, porra!
Balanço a cabeça em negação, já não posso mais evitar as lágrimas de escorrerem sem freio pelo meu rosto. Elas vêm, grossas e lentas, deixando um rastro quente por onde passam.
— Eu não entendo...— choro as palavras, abraçando o meu próprio corpo diante do sentimento de desolação.
— Você me faz sentir! — repete, ainda berrando aos quatro ventos — E eu não gosto disso. Quero que pare, faça parar. Agora!
Eu olho para ele, está tão vulnerável nesse momento, respirando erraticamente com os olhos em brasa e me lembro da noite em que disse que o amo. E não é muito diferente agora. Eu o amo. Eu simplesmente o amo. E isso me aterroriza, as coisas que eu faria por ele...
— Coma — ordena, a voz trêmula, pousando o prato da omelete na mesa.
A minha barriga não ronca mais.
— Damiano...— chamo, chorosa, vendo-o passar por mim sem sequer me olhar.
— Apenas coma — repete, cessando os movimentos, mas sem olhar para trás — Me obedeça dessa vez, por favor.
E sai da cozinha, me deixando desolada, a bolha se formando novamente ao meu redor.
Dói imenso lembrar que eu nunca ansiei tanto por atenção até ter a atenção dele. Há um mundo inteiro lá fora, alguns me idolatram, outros aproveitam para destilar o seu veneno com palavras de ódio para mim. Eu sempre tive toda a atenção do mundo, boa ou má. Mas aqui estou eu, querendo a atenção de uma única pessoa.
Sou tão fodidamente fraca quando se trata dele.
Eu também sou fraca pelo Damiano, me julguem.
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