1: O primeiro passo
Para as minhas vadias, um ótimo dia. E para mim, um comentário e uma estrelinha. :)
A liberdade é minha
E eu sei como me sinto
É uma nova manhã, é um novo dia, é uma nova vida
Para mim
Michael Bublé, em Feeling good.
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• DAMIANO RUSSO •
Um aperto de mão formal e uma assinatura breve. O contrato está selado. Não havia muito mais para fazer, o homem está ligado a mim pela eternidade. Está ligado às sombras como eu.
A única diferença é que eu lidei com isso sem problemas, era o meu destino. Mas não posso dizer o mesmo de Maurice LeBlanc, o homem baixinho e pançudo, que aperta a minha mão com um sorriso de satisfação.
Você não sabe o que te espera, filho da puta!
Vou apagar o brilho reluzente e aparentemente bonito que o seu sobrenome carrega, deitar abaixo o suposto império que ergueu sozinho. Vou lhe tirar tudo que tem de mais precioso, tudo!
— É um prazer finalmente fazer negócios com você. Tenho a certeza de que vamos nos dar muito bem nisso.
Um canto da minha boca se ergue. Oh, pode ter certeza de que eu vou me dar muito bem nisso.
— Fique descansado, esse contrato trará muitos benefícios — meneio a cabeça.
— Não tenho dúvidas — tragou o seu charuto, dando um gole no whisky depois — Tem certeza de que não quer uma dose?
— Não, Maurice. Estou bem.
Eu não sou muito fã de bebidas alcoólicas. Consumo apenas em ocasiões importantes, quando sei que é adequado. Porém, se assim não for, prefiro me manter sóbrio e sem um pingo de álcool no sangue.
E nesse momento, eu quero manter a minha sobriedade, para ter consciência de cada palavra e movimento de Maurice.
Meu olhar perscrutador nunca o abandona, ele está tão à vontade, que nem imagina os planos que tenho para ele. Se soubesse, não teria estômago nem pulmões para beber e fumar.
— Vejo que tem origem italiana...— ele quer fazer conversa, enquanto eu estou louco para voltar para casa.
Minha bateria social já está abaixo dos dez por cento. E quando se trata de Maurice, eu mal tenho bateria social. Tudo que faço é me obrigar a socializar.
— O meu nome diz tudo — murmuro o óbvio.
— Lucca Rossi — experimenta na língua — Gosto de como soa, vai ser bom para a campanha. E o seu estilo excêntrico também.
Patético.
Não vejo nada de diferente no meu estilo, quanto mais excêntrico. LeBlanc é só um velho com alma conservadora, que está tentando lamber as minhas bolas para me agradar, dizendo que o meu estilo será bom para a campanha, quando no fundo está horrorizado em ver um homem usando brincos e uma blusa de cetim.
Eu sei o que ele pensa, o que quer. Sei tudo sobre ele, ouço seus pensamentos, os desejos do seu coração podre. Mal sabe ele que o conheço melhor do que ele próprio se conhece, e que de mim, ele não sabe nada, nem meu nome real.
— Meu estilo não é excêntrico. Um homem como você só não está habituado — esclareço, colocando uma perna em cima da outra — E não sabia que eu seria parte da campanha. Sou investidor, não modelo.
— Claro, é investidor, o que implica que terá que participar de festas, algumas sessões fotográficas...eventos no geral — dá outra tragada — Sabe, LeBlanc não é uma agência qualquer. Eu gosto de incluir meus amigos e associados em tudo que tem a ver com os negócios...
Um tique nervoso acomete o meu olho esquerdo, mas rapidamente eu o controlo. Definitivamente, não posso demonstrar fraqueza diante de ninguém, de Maurice menos ainda.
Sou quem tem o controle aqui, ele deve se sentir ameaçado, não eu.
Sim, terei que me mostrar para o público, algo que abomino com todo o meu ser, mas já estou aqui e não tenho disposição alguma para desistir, nem estou disposto a pagar um preço muito mais alto. A vingança é o que eu almejo, e é o meu destino.
— Que diferencial — digo, tentando esconder a pontada de sarcasmo.
— É, não é? — abriu os braços, orgulhoso, se levantando da sua cadeira e contornando a secretária para se sentar no sofá comigo — E falando em eventos, minha filha está regressando da França, acabou de se formar e voltará para perto da família. Está convidado para a festa de boas-vindas, será no sábado.
Já até tinha me esquecido da LeBlanc Júnior. A princípio, quando comecei a me preparar para colocar meus planos em ação, cogitei fazer dela um peão no meu tabuleiro, mas ao me dar conta de que seria só tempo gasto, já que ela mal visita os pais, descartei-a do molde. Não preciso de uma pirralha recém formada para dar cabo do inimigo, terei como agir contra Maurice apenas, afinal, ele é o meu alvo e não ela. Posso estar cercado das sombras e com o coração escurecido pelo ódio, mas sei quem atingir e quem deixar de lado. O diabo é sujo comigo, mas eu ainda tenho o controle das minhas escolhas.
— Parabéns para ela e para vocês, farei os possíveis de ir prestigia-la.
Eu não irei, mas não precisava dizer isso. Meu objetivos estão muito bem traçados, e nenhum deles é participar de convívios amigáveis organizados por Maurice.
— Ótimo. O convite chegará no seu endereço ainda hoje.
LeBlanc continua jogando conversa fora, enquanto eu apenas aceno e digo algumas poucas palavras. Ao fim de tudo, meu peito já pesa e a minha mente está em parafuso. A força invisível está me obrigando a sair a passos largos, como se alguém estivesse me empurrando pelas costas.
Cambaleio ao cruzar a porta de saída do prédio da empresa e puxo o ar com força.
— Merda, merda... — solto, aflito, meu ombro começa a dar indícios de dor — Estou na rua, porra, não pode esperar que eu chegue em casa, pelo menos?!
— Senhor, está tudo bem? — um dos seguranças do prédio se aproxima, me seguindo.
Tiro a mão do ombro dolorido e faço sinal para que ele pare de me seguir.
— Sim, sim...está tudo bem.
Sabendo que não posso conduzir assim, apenas me sento no carro e reclino o banco para me acalmar. Me amaldiçoo por ter deixado a cartela de comprimidos em casa. Maldita doença!
Eu sou um maldito também. Sei que toda a dor não é só causada pelo ombro congelado, mas também, é uma consequência das minhas escolhas. Ele é sujo comigo, e embora eu tenha controle das minhas escolhas, ele tem controle das minhas reações, do meu corpo. O filho da puta está sedento por uma alma.
Meu celular toca e eu o puxo do bolso frontal da calça. Giada. Atendo e levo à orelha.
— Estou conduzindo — minto, tentando não soar dolorido.
— Preciso ficar no seu apartamento por alguns dias. Tenho que desocupar o meu — ela diz, do jeito decidido dela.
— Não — suspiro, sentindo a dor minimizar — Sabe que odeio coabitar com pessoas, e você não é a mais indicada para isso.
— Au, assim você me ofende — finge mágoa — Mas é sério, ao que parece o filho do proprietário vai se casar e precisa de um lugar pra' morar com a esposa e essa merda toda.
— Você tem toda uma infinidade de possibilidades, Gia. Não é como se todos os apartamentos de Nova Iorque estivessem ocupados por recém casados.
— Ok, eu posso procurar um apartamento, mas isso implicaria me abster das atividades como sua ajudante. Não posso fazer os dois ao mesmo tempo.
— Filha da mãe...
Ouço a sua risada endiabrada do outro lado da linha e pondero por breves segundos. Quero dizer, talvez não seja tão mau assim dividir o meu espaço com Giada, a mulher que me assedia e claramente está apaixonada por mim desde que me conheceu. Certo?
Claro que não, porra! Eu não sou burro, e ela também não. Tenho a certeza de que vai aproveitar esse período para tentar ter alguma coisa comigo, mas eu que eu consiga me controlar, não me sinto atraído por ela dessa maneira.
— De quanto tempo precisa? — dou o braço a torcer.
— Dois meses.
— Não é tempo demais? Não sei se vai dar muito certo...— faço uma careta. Vai ser horrível — Três semanas.
— Um mês e meio — barganha.
— Um mês e não se fala mais nisso, Gia — determino, sério.
— Por favor, Dam.
— Um mês — finalizo e desligo a chamada.
Já posso imaginar ela batendo o pé no chão como uma criança birrenta, mas logo sorrindo com a constatação de que vai dormir debaixo do mesmo teto que eu por um fodido mês.
Giada não é muito normal, então eu tenho que me precaver com a morena para não acabar fodendo ela e estragar a nossa amizade. Já tenho problemas que cheguem.
Tenho dois quartos vagos e uma sala de estar que quase nunca uso. Minha rotina caseira consiste em basicamente acordar, tomar o café, trabalhar, fazer alguma coisa que serve de almoço e jantar e fechar o dia trabalhando novamente.
Sei que agora as coisas vão mudar drasticamente e talvez ter alguém mais em casa será útil, a não ser que eu queira passar os dias pedindo comida de fora para jantar, o que não me parece uma boa ideia. Comida caseira não tem comparação, e modéstia à parte, eu sou um ótimo cozinheiro.
Coloco as chaves no aparador e solto os cabelos do elástico, sentindo o formigar no couro cabeludo.
Minha dor passou, mas isso não me deixa menos preocupado. A cada dia que passa, é tudo mais exigente, ele quer me ver agindo logo, para que não se arrependa de ter me ajudado. Prometi uma alma além da minha quando recorri aos seus serviços. Uma alma podre e obscena, tão perdida quanto a minha, e eu costumo cumprir com os meus tratos, por mais que demore muito tempo. O que importava é que já havia dado o primeiro passo, agora só precisava prosseguir.
Bebo um copo de água na cozinha e vou me certificar de que o quarto que Giada ocuparia estava nas devidas condições. Faço uma nota mental de reforçar a fechadura do meu quarto, não queria surpresas.
Mal desço as escadas para pegar a minha maleta no sofá da sala de estar, a campainha toca. Olho para o meu relógio de pulso e constato ser cedo ainda para que o convite da festa de boas-vindas da LeBlanc Júnior já tenha chegado.
Fora isso, não estou esperando mais nada, nem ninguém.
Abro a porta e dou de caras com a morena de cabelos channel.
— Cheguei! — ela diz, entusiasmada, arrastando duas malas de rodinhas para dentro e com uma bolsa grande no ombro.
— Você não disse que viria hoje — apontei, irritado.
— Mas também não disse que não viria hoje — sorriu, se esticando para beijar o meu rosto. Me afastei.
— Giada, não brinque comigo. Não estou de bom humor.
— Nunca está, querido, nunca está. Agora me ajude com as malas, não preciso das suas calorosas boas-vindas.
— Não vou ajudar com nada, se vire.
— Ei, grosso! — protestou, batendo o pé no chão.
Dou um toque na porta e ela vai se fechando, mas uma mão surgida do nada impede que isso aconteça.
— Senhor Rossi? — o rapaz chama e eu abro a porta novamente, vendo que é das entregas e tem uma sacola — Entrega para si, do senhor LeBlanc.
— Ah...— o convite. Pego a sacola — Obrigado.
Vou fechando a porta mais uma vez, mas a voz do rapaz me impede. Sem paciência, suspiro. Mal assinamos um contrato de merda e Maurice já está dando cabo dos meus nervos.
— Senhor, tem que assinar aqui para confirmar que recebeu o pacote — ele explica, se encolhendo diante do meu olhar de poucos amigos.
Pego a caneta da sua mão e assino a folha na prancheta, fechando a porta na cara dele. Minha bateria social já nem existe mais.
— O que é isso? Encomendou um vinho pra' nós? — Giada pergunta num tom provocativo, tentando ver o que tem dentro da sacola.
— Baixa a bola, Gia. Eu nem estava te esperando, não sei se você se lembra — passei por ela, largando a entrega no sofá e pegando a minha maleta.
— Então o que é? — ela me segue, pegando a sacola preta para inspecionar — Uh, chique.
Ignoro a sua curiosidade incessante e me dirijo para as escadas, querendo me trancar no escritório e trabalhar.
Me sento na cadeira acolchoada diante da secretária e abro o meu laptop, indo direto aos documentos da empresa aos quais tive acesso.
Minha intenção é acabar com o império aparentemente indestrutível que Maurice construiu às custas do sangue alheio, e para isso, tenho que estudar meticulosamente cada ponto importante da empresa, cada detalhe, saber de cada resquício de informação.
Giada é uma hacker muito competente, uma das melhores que já tive. Ela conseguiu os documentos para mim ao invadir a base de dados da LeBlanc, mas logo a anomalia foi descoberta pelo algoritmo deles, o que nos obrigou a parar as invasões por um breve período. Podemos ser bons, mas também temos que nos resguardar quando é necessário.
Espero que possamos retomar o trabalho logo, me aproveitarei dela enquanto a tiver aqui em casa. Estou obcecado por isso, e não pararei até conseguir o que quero, e quanto mais rápido melhor.
Estou começando a achar que a presença da minha ajudante aqui será uma mais valia para...
— Maurice e Brigitte LeBlanc convidam Lucca Rossi para a festa de formatura e boas-vindas de sua herdeira, Alexa LeBlanc.
— Estou ocupado sendo produtivo, deveria experimentar — a corto, fulminando-a.
— Parece que além de sócios, você e Maurice viraram amigos. Era suposto ser uma festa intimista — balança o convite no ar.
— Você sabia dessa festa? — me recosto na cadeira.
— Sabia — dá de ombros — Não é essa uma das minhas funções? Saber de cada passo deles? Só não te falei porque você disse que a vingança era contra Maurice, e que não queria saber da filha dele.
— E não quero — pontuo, determinado.
— Então por que vai à festa?
— Não vou, não quero saber dessa merda.
Giada fica calada por alguns segundos, apoiada no batente da porta. Eu volto à minha tarefa inicial, revisando os documentos no laptop, isso sim me daria algum resultado, não uma conversa sobre uma festa idiota.
— Gostaria que estivesse falando da vingança — ela murmura.
— O quê? — olho para ela, meio confuso.
— Gostaria que desistisse, que dissesse que não quer saber dessa merda se referindo à vingança.
— Certo, tudo bem — me levanto da cadeira lentamente, ela se encolhe, mas não vacila — Eu desisto.
— Mesmo? — seu semblante se ilumina, esperançoso.
— Claro, Gia. Eu desisto de fazer o homem que acabou com a minha vida pagar. O homem que tirou tudo de mim quando eu mal entendia o mundo. Desisto de vingar a alma dos meus, arrancado a dele. Desisto do meu propósito de vida, desisto de mim!
— Eu entendo o seu sofrimento, Dam — ela murmura, a voz trêmula pela minha iminente explosão.
— Não, você não entende. Se me entendesse, não me pediria para desistir. Eu já fui longe demais para dar pra' trás e você já sabe muita coisa para pensar em me abandonar, então você fica e para de tentar me mudar!
Quando me dou conta, estou diante dela, com o dedo em riste no seu rosto e o peito subindo e descendo de raiva.
Giada engole em seco e se afasta, percorrendo o corredor para voltar à sala.
Exalo, agarrando os cabelos e puxando-os violentamente, me repreendendo. Odeio ver Gia assustada ou com medo de mim. Não é que eu não goste dela, muito pelo contrário, eu tenho um carinho enorme, pois, ela esteve lá para mim nos meus piores momentos. Uma verdadeira amiga. Mas o seu amor por mim não a deixa enxergar quem eu realmente sou, um homem tomado pelo ódio e que foi capaz de se render a um pacto para ter a vingança que deseja. Gia acha que eu ainda posso mudar, que posso acordar do sonho horrendo e sombrio e desistir de tomar tudo de volta, mal sabe ela que se eu não for até o fim, o prejudicado serei eu.
Não posso me render. O primeiro passo já foi dado, a minha satisfação começou e só vou estar completamente satisfeito quando eu acabar com o que Maurice chama de vida. Eu serei o pior pesadelo dele, afinal, todos nós temos demônios, eu só decidi alimentar o meu.
E sim, eu sou o vilão desta estória.
• • •
E aí, vadia? O que achou?
Nada melhor do que começar com o ponto de vista dele, né?
Não esquece do voto e aproveita pra' me seguir, senão o demônio da tesão não vai fazer visita. :)
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