Prólogo
Novembro de 1980
De grande alegria enchia-se o meu coração.
Saio da igreja sentindo-me leve e pensando no quão grata eu era por tudo que Cristo já havia feito em minha vida. Como eu podia merecer tanto? Eu havia recebido essa semana a maravilhosa notícia de que havia passado pra uma das melhores escolas de dança do mundo: Juilliard. Sonho escondido e guardado por muitos anos.
Deus sabia do meu anseio, e ouviu as minhas preces. Meu maior sonho estava prestes a se realizar, e quanto à pergunta que eu acabara de fazer, acho que a resposta emana o grande pilar do evangelho. Eu não merecia.
Saio do culto inerte em minhas próprias emoções, e não me incomodo ao perceber que as ruas estavam mais escuras que o normal. A luz do poste havia se queimado. Eu não precisava nem me surpreender mais, por aqui era assim mesmo.
Acelero meus passos no caminho de volta pra casa, e tento fazer com o que a escuridão não me assuste tanto. Não se preocupe Esmeralda, você conhece esse caminho, sua casa está muito perto e não vai acontecer algo justo no único dia em que você veio a igreja sozinha.
Chuto uma pedrinha que estava em minha direção e continuo andando a passos largos e leves, cantarolando o louvor do culto de hoje que permanecia vivo em minha cabeça. Sinto um leve incômodo, então, quando um forte vento bate em meu vestido longo.
Um pequeno calafrio se escorre pela minha espinha, mesmo apertando meu curto casaco jeans que me envolvia por cima da roupa. Aperto-o contra meu corpo e tento andar ainda mais rápido.
Não era nada Esmeralda, apenas um vento.
Meu corpo gela, então, quando ouço passos pesados atrás de mim. Alguém estava me seguindo? Não consigo olhar para trás.
Passo a alça da minha bolsa sobre a frente do meu pescoço e a aperto em minha frente. O barulho dos passos estava mais rápido. Ainda faltavam dois quarteirões para que eu chegasse em casa. Céus, porque não há ninguém na rua meu Deus?
Olho para trás completamente assustada e ao ver a silhueta de dois corpos masculinos, eu começo a correr. Meu coração se aperta de forma incontrolável e a adrenalina invade cada parte do meu corpo.
Eles começaram a correr atrás de mim, e eu sabia que eu não iria conseguir ser mais rápida do que eles. Porque senhor? O que esses homens querem comigo?
Minha respiração some quando sinto um forte aperto em meu braço. Um dos homens me alcançou. Meus olhos se enchem de água e um forte desespero invade cada célula do meu corpo.
-Moço, por favor, me deixa ir pra casa, eu não tenho nada aqui, por favor...-digo sentindo a minha voz tremer e o meu coração bater freneticamente.
-Passa a bolsa. AGORA. -grita o homem com camisa vermelha e olhos negros. O outro permanecia ao seu lado a uma distância pequena, sorrindo da minha face agoniante.
-Eu na..não...tenho...na-nada. -digo chorando e tirando a bolsa. Eu não conseguia segurar os meus sentimentos. Eu nunca havia sido assaltada antes. Eu nunca senti tanto medo em toda a minha vida.
-CALA A BOCA VAGABUNDA. -grita o homem que apertava o meu braço e ele arranca a minha bolsa com força, jogando a mesma pro seu colega. Meus olhos se arregalam em choque pelo grito e pelo que ele me chamou.
Eu só queria sumir...gritar por socorro...porque não há ninguém...porque não há ninguém...?
-Ei cara, olha só, a vagabunda só tem uma bíblia na bolsa. Que ridículo, é a santinha cristã. Você devia ter reparado antes pela roupa de beata, quem em sã consciência usa um vestido grande desse no calor do inferno do Rio de Janeiro? -ironiza o segundo homem.
Meu coração se aperta ainda mais, e eu sinto que já estava começando a ficar tonta. Isso só pode ser um pesadelo...acorde Esmeralda...acorde...
-Bem que a gente podia tirar a roupa dela pra ver o que tem por baixo, o que você acha Z? -pergunta sorrindo o homem que agora, apertava tanto o meu pulso que eu tinha certeza que quando ele soltasse, uma enorme marcha roxa se estabeleceria ali.
Ele sorri e uma enorme sensação de nojo se apodera sobre mim. Então, em uma atitude impensada e desesperadora, eu começo a gritar.
-SOCORRO, SOCORRO. -grito virando meu corpo e puxando o máximo de ar que conseguia dos meus pulmões.
Paro quando ouço o barulho de um tiro.
Meu corpo imediatamente encontra o chão e minhas lágrimas começam a secar, dando lugar a um silêncio duro e vazio. Uma dor profunda e agonizante faz o meu cérebro delirar, e a última coisa que consigo ver é a silhueta dos dois homens correndo pra longe.
Minha visão fica turva, e eu não vejo mais nada.
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