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4 - Unidade Nacional do Outro Mundo


Atualmente

- Espero que esteja melhor, Torres, porque hoje vai ser um dos primeiros dias da sua vida.

- Isso tudo porque vi setenta e um cadáveres?

- Também, mas sobretudo porque é a nossa agente principal e a melhor naquilo que faz. E porque sinceramente é a única pessoa que vejo tão à vontade com uma situação do gênero desde... - Bernardo não se permitiu dizer o resto, porque revelaria um segredo que Melinda ainda não estava pronta para descobrir, mas ele iria dizer no futuro, ele apenas precisava do momento certo.

Setenta e uma pessoas. Lembrou-se. No livro de Luana Almirante haviam setenta mortes, mas ela não contara com o garoto. Se ele também morrera, para acabar a propagação do vírus, então tinham sido setenta e um mortos. Ela devia ter pensado nisso. Até isso se assemelhava à história do livro O inimigo invisível que Sara estava lendo.

- Sente-se, Torres - Bernardo estendeu a mão para a cadeira à frente de sua escrivaninha - Esta vai ser uma conversa longa.

- Você quer dizer um monólogo, n'é?

Bernardo prefiriu ignorar e deixá-la sem resposta. Ela era muito inteligente e isso às vezes irritava-o. Ela tinha razão, o papel dela naquele momento seria essencialmente ouvir e não falar, mas não tinha intenções de admitir que estava certa, isso inflaria seu ego e não queria isso. E provavelmente ela iria interrompê-lo várias vezes, porque isso era muito a cara dela. Ele acabava de dizer que ela era a melhor agente dali, já estava de bom tom, por hora.

- Enfim. Abra a mente, porque está prestes a ouvir o que poucos acreditariam, tão pouco entenderiam. Você viu tal como eu que aquelas pessoas no hospital morreram queimadas, mas só as veias queimaram, como um incêndio que só atingiu o sangue, isso não é uma coisa normal, por isso... - saiu de sua cadeira ergonômica e foi até uma das estantes de seu escritório de onde tirou um dossier preto e o jogou em uma batida na sua mesa e com uma mão o aproximou de Melinda - É melhor ficar com isso durante um tempo para estudar.

Melinda já se ía levantar, quando ele apenas com o olhar a fez parar.

- Eu disse que era uma longa conversa, Torres. Este dossier é só uma amostra de algumas coisas que acontecem e parecem saídas de outro mundo. Escolhi esse dossier porque contém os casos mais recentes. Há muitos anos, sou chefe-principal de uma outra aérea de actuação da PSP, uma aérea que não é conhecida por qualquer um...

- Uma aérea onde é chefe-principal - ela não queria, mas soou um pouco a sarcasmo, tal como ele fazia com ela de vez em quando.

- Isso parece-lhe estranho? É um problema?

- Não. Nadinha. Faz até sentido. Não entendo é porque não é Chefe-principal na Preventiva também.

Mais uma vez o que ela dizia fazia sentido e mais uma vez ele ía ignorar.

- Prosseguindo. Lembra-se do caso do vôo 123?

- De terrorismo?

- Isso foi a desculpa que demos. Não foi terrorismo, pelo menos não da forma que conhecemos. Um dos integrantes da força aérea tinha estado em Madagáscar, numa viagem anterior e apanhou uma doença chamada cosmofadunga.

A expressão de Melinda ao ouvir aquela palavra foi impagável. Quiz perguntar se aquilo era uma piada, mas Bernardo nunca fazia piadas, então valia mais não o interromper... de novo.

- Eu sei que te perguntas-te "que porcaria é essa".

Outro que lê mentes.

- A questão é mesmo essa. Que porcaria é essa? É que nem a varicela, mas não de humanos e sim de Doramangas.

Dora-mangas... tá.

- Pára de me olhar como se houvessem câmaras escondidas. Passo a explicar. Doramangas é como os nativos de Madagascar designam os vampiros.

- Está-me a dizer que vampiros existem e que uma aero-moça apanhou cosmo-não-sei-quê e que como se tratava de uma humana, teve reações fatais nela e em toda a gente na tripulação, porque foram contaminados por ela?

É inteligente e de dedução rápida. Desta vez, nem chegou a ser irritante, pensou Bernardo Teles.

- Exatamente. Vampiros existem. E fadas, sereias, elfos, ninfas, metamorfos, lobisomens...

- Telepatas?

- Com certeza existem telepatas.

- Faz sentido - só depois de dizer, se apercebeu que disse em voz alta.

- Queria saber porque disse isso, Torres, mas não vamos sair do foco. Tudo que aprendeu a não acreditar existe, mas é um segredo bem guardado e quando se trata de casos assim, o caso é transferido para a áera de atuacão UNDOM imediatamente.

- UNDOM?

- Exatamente. Pertecente à PSP, mas pelas razões óbvias não consta nos registros oficiais. É a Unidade Nacional do Outro Mundo. O caso que temos em mãos já foi transferido.

- O quê? Mas eu...

- Calma, você vai poder trabalhar nele, agente Torres...

- Você está-me a mudar de aérea de atuação?

- Torres, você sabe que é irritante?

- Eu sei que a minha inteligência e dedução rápida o irrita, mas você adora essa rapidez e pontaria quando eu aperto o gatilho da pistola contra os bandidos, por isso me mantêm sempre por perto. No fundo você até gosta de mim, só ainda não percebeu isso.

Bernardo apertou os lábios e moveu a cabeça para cima e para baixo, surpreendido com a resposta curta, grossa e directa. Não havia dúvida, aquela mulher ruiva com a resposta sempre na ponta da língua tinha mérito. Não era à toa que estava sendo transferida para a UNDOM, por si mesmo.

- Estes casos são mais recorrentes do que aquilo que levam a crer. Alguns deles, os que se tornam mais públicos e não dão para esconder, a gente inventa para eles um cenário completamente diferente para mascarar o máximo possível, mas mesmo assim, muita vez não conseguimos impedir a prisão de inocentes. É realmente muito chato. A questão é que há dezoito anos o Director Nacional que ocupou o cargo, cegamente céptico, meio que acabou com a equipa, mas agora sobre a ordem do novo Director Nacional e com este caso, a gente têm que recrutar novos membros.

- Como eu.

- Sim e não. Veja, você é uma agente-principal especial. É óptima para encontrar pistas que mais ninguém vê e onde ninguém pensou em procurar. É igualmente ágil para encontrar quem não quer ser encontrado e sobretudo para disparar uma arma.

- Imaginei que fosse mencionar o meu talento com armas de fogo.

Bernardo anuiu. Não havia como negar. Era era campeã de tiro ao alvo desde a adolescência. Agora com trinta anos disparava qualquer pistola, mesmo que isso se restringisse à sua walther PP que lhe fôra atribuída quando ainda não era uma oficial.

- Não dá para negar que às vezes sinto que tem algo em você que parece igual a eles...

- Eles? - indagou Melinda.

- Sim, eles, as criaturas místicas, os fenômenos de foro sobrenatural. Você têm um instinto como eu nunca vi antes. Ninguém na PSP alguma vez viu algo assim. Você pensa que as pessoas aqui dentro se afastam de você porque é uma mulher na PSP?

Ela premiu os lábios e moveu os olhos. Era exatamente isso que ela pensava.

- Não. Não tem nada a ver com isso. Nós temos outras mulheres. Certo, é uma minoria, mas não tem nada a ver com isso. O seu instinto faz isso. Você é tão intuitiva que às vezes dá a impressão que só de olhar para alguém você sabe que ela acabou de roubar o iogurte do colega. É esse seu dom que amedontra. Não o facto de ser mulher. A PSP com certeza precisa desse dom na UNDOM. Ou também pode chamar de DOM. É como a gente prefere chamar. Tenho uma primeira tarefa para si, que vai ser encontrar integrantes. Não podem ser integrantes quaisquers - passou-lhe uma pasta fina - Lendo isso vai saber melhor como procurar e o que precisamos. Nós precisamos dos melhores. Pessoas dotadas de talentos e capazes de entender a ciência além fronteiras, porque não são só os seres místicos que por vezes nos caiem nas mãos. Em tempos, posso dizer que a gente contava com pessoas de alto gabarito, pessoas extremamente inteligentes, com uma mente tão aberta que acreditariam se eu lhes dissesse que tinha visto um ovni pousar no meu jardim. Hoje em dia a falta de fé cria uma barreira para encontrar este tipo de gente, por isso conto com o seu dom de encontrar coisas onde mais ninguém é capaz. Você pode usar o financiamento público da PSP à vontade, vá até à Austrália se for preciso, mas traga-os até nós. É importante. Enquanto isso está à vontade neste caso ao qual tomei a liberdade de dar o codinome de Caso Febre infernal, porque tudo começou com uma febre. Eu tinha que dar um nome, não é? A propósito, fale com o Duarte Padilha, nosso chefe-coordenador, o mínimo possível sobre a DOM. Ele sabe da existência desta Unidade Nacional, porque entrou para a PSP ao mesmo tempo que o Director Nacional antigo, aquele que aboliu a equipa, mas não precisa de saber mais nada sobre o assunto. É para ficar em segredo. E acho que não preciso lembrar, que isso incluí o agente Pedro Pimenta, o seu parceiro. Voltamos a meter o laboratório da DOM em funcionamento. Tem coisas lá que nem eu sei para o que servem, mas acredite, elas vão servir.

- Onde é?

- Na cave da Universidade do Porto.

Melinda arregalou os olhos.

- Isso não parece arriscado? Quero dizer, é para ser segredo.

- Exato, é por isso que é o local perfeito. Esconder-se sobre a massa de estudantes. O melhor esconderijo.

- E se tivermos de levar cadáveres para lá?

- Com certeza levaremos cadáveres para lá - constatou Bernardo - Tudo bem, a Universidade do Porto tem faculdade de medicina. É perfeito.

- Os alunos não vão perceber?

- Eles só vêem o que lhes convém.

Ela, quando era jovem, teria curiosidade em saber o que faziam na cave de sua Universidade, mas ainda bem que nem todos tinham essa sede de curiosidade por tudo e mais alguma coisa.

- Agora a questão que se coloca, é se eu posso contar com você, agente principal Melinda Torres?

- Pode - Melinda estendeu a mão ao seu chefe.

- Só mais uma coisa. Sobre o Caso da Febre infernal. A garota Sara parece-lhe alguma criatura extradimensional?

- Na verdade, não, chefe, mas a irmã gêmea dela com certeza é telepata.

Bernardo sorriu porque se lembrou daquele início de conversa. Ele só não tinha noção do quanto aquilo podia ser verdade.

Já na porta, com o dossier preto e a pasta fina azul que ele lhe passara para as mãos, Melinda olhou para trás antes de sair. Se não perguntasse iria ficar cismando no assunto, por muito parvo que parecesse.

- Diga-me uma coisa - disse Melinda, parecendo muito séria, aguardando o sinal de cabeça que faria ela prosseguir - O pai Natal existe?

Bernardo fechou os olhos, ligeiramente irritado. De novo. Se bem que pensando melhor, sabia lá ele? Como ele poderia negar aquilo quando vira com os seus próprios olhos há trinta anos atrás o Slenderman, morto e dentro de um saco preto com as pernas e braços dobrados para conseguir caber lá dentro?

- Tanto quanto sei, não, nem ele, nem o Kramp, mas não juro nada. O nosso mundo guarda muita coisa que o comum dos mortais desconhece, mas tem que haver sempre quem combata o mal no qual ninguém acredita.

- São todos maus?

- Claro que não, Torres. Nunca ouviu dizer que o bom e o mal tem em todo lugar?

🔥🔥🔥

Sentou-se na sua cadeira de escritório com um sentimento de preenchimento. Tinha pena de não poder explicar aquele novo sentimento à psicologa da PSP, com quem ela aprendera tão bem a confiar desde que estava ali. E desta vez, Marília ficaria satisfeita por ver que Melinda não vinha para exorcizar demónios do passado e sim para falar daquela sensação de afago caloroso. Era como se soubesse desde criança que fadas existiam e não apenas assassinos e raptores.

Abriu a sua gaveta, agora destrancada e tirou de lá um colar com um dente de tigre como pendente. Pressionou-o em sua mão como tanta vez fazia. O pai deixara aquilo em suas mãos em seu leito de morte, ela sabia que estava em suas mãos encontrar o assassino de seu pai. Talvez o facto de ser transferida para a UNDOM a aproxima-se desse momento. Sua vida inteira, fôra movida por aquele objetivo, encontrar o assassino de seu pai e o raptor de seu irmão. Eles iriam pagar. Iriam pagar tanto! Tal como o padrasto pagou por o que lhe fez durante anos. Melinda não se arrependia, não se arrependia de se defender, ou mesmo de ter deixado aquela casa na rua da Agra com um jardim de encher o olho, para trás. E hoje em dia, em seu apartamento, não podia sequer imaginar viver ali, onde tanta coisa horrível aconteceu. Ainda bem que sua avó Ema era de opinião que a casa estava assombrada e a vendeu, após a detenção de sua mãe. Actualmente Melinda fazia dez minutos a mais de viagem se isso a impedisse de passar à frente da casa. Esse era um gatilho do qual Marília falava em seus encontros, que ela evitava a todo o custo. Não que não tivesse muitos gatilhos em sua profissão e Melinda ainda não sabia, mas era a sua falta de imparcialidade que a fazia tão boa no que fazia, que lhe dava aqueles instintos fora do comum.

Não sabia qual folhear primeiro, se a pasta azul, se o dossier preto que parecia estar a implorar para ser aberto.

A sua barriga roncou. Olhou as horas. Eram quase duas horas da tarde e ela esquecera-se de uma das necessidades primordiais do ser humano: comer.

Ainda por cima, a essa hora já nenhum restaurante das redondezas servia. Ela realmente estava com fome. Um chocolate da máquina automática não iria ajudar. Ela precisava de algo consistente e quente para lhe aconchegar o estômago.

No estacionamento da polícia costumava estar uma relote de fast-food. Ela esquecera-se por momentos porque nunca tinha experimentado, mas era a sua salvação. Iria afagar o estômago antes de procurar novos membros para a sua nova aérea de actuação da PSP e se afogar em relatos sobre seres místicos morando em Portugal e no resto do mundo.

Ela nunca reparara no nome da relote antes. Isso deixou-a surpresa consigo mesma, o que a fez lembrar da voz de Bernardo referindo-se aos universitários dizendo "Eles só vêem o que lhes convém".

Não era um mal que caracterizava os universitários, era um mal que caracterizava toda a gente do mundo, inclusive Melinda. Quantas coisas não lhe haviam passado ao lado por apenas se focar em pontos de interesse em específico?

- A senhora quer alguma coisa? - perguntou um homem de dentro da relote, que a via parada a uns dez passos dele olhando o letreiro com o nome.

- Mmm, sim. Comida.

- É o que temos, senhora... agente. Quer ideias? Você parece estar com fome. Posso-lhe fazer um cachorro quente, bem à moda dos portugueses. Sabe como é, o pão, a salsicha, alguma alface, cenoura ralada, batata palha, maionese e ketchup à sua vontade. É só dizer.

Quem diria, até o senhor da relote tinha um dom. O dom de olhar para uma pessoa e perceber que ela estava com tanta fome, que estava capaz de comer aquele cachorro quente que ela nunca tivera coragem de comer na vida, apesar de ver as outras pessoas, inclusive seus colegas comerem o tempo todo.

- É isso mesmo. Quero um desses.

Depois de ter pagado e ter o cachorro quente em suas mãos, teve a confirmação que aquele homem sabia ler as pessoas ou talvez ela fosse demasiado transparente.

- Depois de comer uma vez esse aí, passará a ser minha cliente assídua.

- Como sabe que nunca comi um desses?

- Instinto, agente.

Ela sorriu e deu uma dentada. Foi como se desse uma dentada no paraíso. Era tão saboroso. Porque nunca experimentara aquilo antes?

- Aiii, o meu instinto nunca me engana. É bom, não é? - perguntou o vendedor.

- Não, não é bom coisa nenhuma, é um manjar dos deuses. Você tinha razão...

- Castro - ele disse seu nome.

- Senhor Castro. Com certeza eu hei-de comer mais disso aqui. Felizmente não sou intolerante ao glúten.

O homem sorriu com o comentário e viu-a partir para dentro do Comando metropolitano.

🔥🔥🔥

Acendeu o computador, abriu a aba da internet e colocou o nome de Luana Almirante, a escritora. Sabia que devia mergulhar no trabalho que Bernardo lhe dera para as mãos, mas depois daquele maravilhoso cachorro quente, o seu instinto tinha-se aguçado e chamado o seu foco para aquela escritora. Como se fosse um íman atirando sua atenção só para si.

A boneca com vida, A caravana de gelados, O circo mágico, A bruxa algarvia, Lobo à solta, Vôo vampirizado, Todo mundo louco, O inimigo invisível. Ali estavam os seus livros mais recentes. Não se conteve de ler a sinopse de cada um, mas a do Vôo vampirizado realmente a surpreendeu. Bernardo tinha-lhe falado de um caso idêntico minutos atrás. Seria coincidência? Pegou no dossier preto e procurou por o caso em questão. Lá estava ele, Caso do vôo 123. Isso tinha acontecido há 6 mêses. Era como se tivesse a ler a sinopse do livro de Luana Almirante.

Ao vasculhar mais relatórios, deparou-se com cenários que não lhe eram estranhos e pelo menos uns quatro eram demasiado parecidos com os livros da escritora de terror. Não teve como evitar se lembrar de sua própria mãe. Imaginava-a na cela escrevendo sem parar num computador portátil e distribuíndo autógrafos às prisioneiras e seus familiares. Nem as guardas prisionais deviam ser indiferentes. Quando andava na escola, era muito abordada por ser filha de uma escritora famosa, pioneira da categoria de terror em Portugal, mas ela realmente nunca tivera muito orgulho de ser filha da grande Estela Aires. Não por causa dos livros. Eles realmente eram óptimos. Porém, Estela como mãe não fôra tão boa como era escritora, não consigo. E o rancor, a incapacidade de a perdoar sem haver pedido de desculpas ou sequer remorsos a consumira ao longo dos anos, colocara uma barreira intransponível entre mãe e filha.

Melinda tinha quatorze anos quando sua mãe fôra presa. Ela não se declarara culpada, nem nada parecido. Ela apenas parecia culpada e era, mas não do crime que fôra acusada e apenas três pessoas sabiam disso. Melinda, sua mãe e sua avó, que ganhou sua tutela em tribunal, assim como a de sua irmã Lavínia. Depois da venda da casa, comprara um apartamento nos arredores do Porto e criara as suas netas da melhor maneira que sabia. Para Melinda, a sua avó era sua heroína.

Fazia apenas três anos que Melinda saíra da casa da avó em Fânzeres para viver com o namorado da época, um policial da PJ que actuava na UNCTE, Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes. Há cinco mêses atrás que jogara as tralhas dele, que felizmente não eram muitas, em malas e as colocara à porta. Ele sempre a subestimara. Julgava-se superior por pertencer à Polícia Judiciária que injustamente tinha mais relevância do que a PSP, mas tinha sido muita burrice traí-la debaixo de seu nariz. Traição era algo que Melinda não suportava e que jamais iria admitir. Nem sabia o que era pior, se o facto de ele se ter mantido fiel apenas os sete primeiros mêses de vida em comum ou o facto de a ter traído com uma traficante de droga, que devia ter prendido e jogado numa cela. Prendido no verdadeiro sentido das palavras, não prendido à cama que era sua e no seu quarto, como ela vira na pen que ele guardava religiosamente consigo.

Lavínia tinha dezanove anos e vivia com a avó, não fosse por o fato de ter ido estudar na univerdade de Coimbra. Agora, durante a semana Lavínia morava com sua amiga de infância, Rita Castelo Branco, a neta da Condessa Miranda Castelo Branco e sua futura cunhada Bianca.

De vez em quando Melinda perguntava-se como seria se seu irmão ainda estivesse ali. Xavier tinha apenas três anos a mais que ela. Em criança, os dois eram irmãos amorosos e inseparáveis. A dor de o arracarem de si, tornara-se uma dor física, capaz de a dilacerar, assim como o facto de não conseguir mais lembrar do rosto dele, por muito que tentasse. O erro do tempo é que apagava a lembrança, mas não apagava a mágoa, a saudade, ou a vontade de o encontrar. Não apagava sequer o ódio que ela sentia pelo dono do colar de dente de tigre, aquele em sua posse à vinte e seis anos e que nunca contara a ninguém, nem mesmo à sua avó Ema. Ou o ódio por o outro homem que estava com ele. Algo que ela descobrira quando acessara o arquivo do caso, mal entrara na polícia. Toda a gente que ía para a polícia, ía com uma motivação, uma das suas era aquela, a de descobrir o homem que matara o seu pai e raptara seu irmão, que afinal eram dois. Eles haviam premiditado suas acções, sabiam o que queriam dali e o agente Rogério Torres tinha sido um acidente de percurso. Eles tinham um objectivo. Porquê o seu irmão e não ela? Por que é que nunca aparecera um pedido de resgaste? Havia uma razão precisa para eles quererem Xavier e ela estava há vinte e seis anos a tentar descobrir o que era. Era difícil procurar algo sem ter pistas ou testemunhas, mas a esperança era a última a morrer.

Alguém bateu à sua porta.

- Mel? Sou eu.

Pedro entrou sem ser convidado. Ele nunca sentia que precisava desse tipo de civismo.

- Estás chateada comigo?

- Não - respondeu naturalmente.

Os olhos de Pedro prescrustavam a sua escrivaninha e Melinda sabia disso, mas não reagiu, porque tinha perfeita noção que se o fizesse afiaria a curiosidade do parceiro de trabalho. Para sua sorte, o olhar dele repousou no livro que ela comprou.

- Ah, espera não me tinha apercebido do nome da escritora quando estava no hospital. Ora ora!

- Conheces a escritora? - perguntou Melinda surpresa.

- Claro. Está na moda. Os meus sobrinhos são mega-fãs. A semana passada ela veio ao Porto a um evento de autógrafos e quem serviu de tutor e taxista privado? - apontou os dois polegares na direcção de seu peito - Exato. Por fim não me arrependi, fiz uma fotografia com ela e ainda tive um autógrafo num livro que acabei por comprar para mim, questão de recordação.

Melinda sorriu, conhecia o jeito de Pedro. Para ele dizer isso, é porque achara a escritora uma mulher bonita.

- Se eu te pedisse, emprestavas-me esse livro para eu puder ler?

- Claro. Está no carro. Posso-te dar no fim do expediente. Agora, o que acontece, é que tens de me pôr a par de mais coisas. Não há nada que me queiras dizer? Reparei que foste sozinha a casa de alguns familiares dar a notícia da morte de seus entes.

- Não há nada a dizer, porque o caso foi transferido para outra jurisdição. E é, sabes como é, muita gente para avisar.

Ele sabia, tinha pedido ajuda ao Guterres, porque nunca conseguia fazer aquela tarefa sozinho. Para si era melhor perseguir um bandido enquanto atirava, do que dizer a um pai ou um filho que alguém que amava acabara de morrer e a pessoa precisava se dirigir à morgue para identificar o corpo.

- A Judite?

Apesar de ser um nome de mulher, não era a nenhuma mulher que aquela palavra se referia. Era assim que os policiais no geral falavam da Polícia Judiciária em Portugal. Para alguns era um nome carinhoso, para outros judiação, mas poucos eram aqueles que não usavam a expressão.

- Não creio - Melinda disse do modo mais natural que foi capaz.

- Ah? Outra aéra da PSP?

- O Chefe saberá te esclarecer melhor. Para já vais-me explicar onde andas-te até agora.

- Fui com o Guterres dar uma ajudinha no caso da falsa médica, bom, depois de avisar alguns familiares das vítimas do hospital, claro.

- A Dr. Sabrina Loreano. Estou sabendo. Como correu?

- O Guterres algemou-a perante uma plateia de pacientes aparvalhados. Dá para acreditar que ela colocava cimento nos implantes? Achamos imensas provas.

Melinda fechou os olhos, acção involuntária do corpo que refletia a sua vontade de não querer imaginar como seria ter cimento nas mamãs ou no cu, em vez de silicone.

- É horrível. Depois disto, espero que que a Bruna tire da cabeça aquela ideia de meter botox nos lábios.

- Bruna? Nova namorada? Nós estamos no mês de setembro. Achas normal já estares na ... - Melinda contou pelos dedos - sétima namorada desde o ano novo.

- O que eu não acho normal, é elas não valorizarem tudo isso... - sublinhou o corpo com a mão.

Melinda abanou a cabeça sorrindo, ele era um óptimo profissional, mas em questões sentimentais, tinha a maturidade de um garoto de quinze anos rodeado de meninas de claque.

- Enfim, senhora agente principal, posso acompanhar o Guterres nos interrogatórios? Ainda temos que esclarecer como ela andou com um nome falso e carteira falsa e exerceu durante oito anos, sem nunca ser apanhada. Estou muito interessado neste caso.

Também estava interessado em apreciar a beleza extraordinária da mulher, independentemente de ser uma criminosa.

- Não te esqueças de me entregar o relatório a seguir a isso. Sabes como é o chefe. É de mim que ele cobra.

Mal Pedro saiu, ela fechou o dossier preto, finalmente soltando o oxigénio de uma rajada.

Não sabia explicar o que sentia, caso lhe perguntassem, mas para si tudo estava conectado. Ela precisava mesmo de encontrar colaboradores com potencial para a fazerem ver o que ela não estava vendo. Não tinha dificuldades em discernir o óbvio, o que estava na sua frente, mas sua mente céptica estava obscurecendo a solucão do caso. Tinha perfeita noção disso.

Abriu a pasta azul e começara a pesquisar em seu computador ao mesmo tempo que lia. As profundezas da internet, assim como os registros da polícia judiciária, aos quais ela não deveria ter acesso, levaram-na até um nome que fez as suas mãos ferverem. Por momentos teve a impressão que vira fendas erradiantes a sair de suas unhas pintadas de vermelho, a sua cor preferida.

Raúl Travassos dos Santos

Aquele nome atiçava seu instinto. Era um prodígio da ciência. Tinha um QI excepcional e acreditava em tudo que Bernardo lhe dissera que existia, só havia um porém... estava fechado no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa há 17 anos. O porquê? Fôra acusado de fazer experiências em cobaias humanas e ter morto uma delas numa dessas experiências.

E será que o que ele matou era mesmo humano?, deu por si a pensar. Tanto quanto agora sabia, o mundo era bem menos linear do que antes pensara. E... ela queria o Dr. Raúl na sua equipa, e iria tê-lo, independentemente do que precisasse fazer para o tirar do Hospital Júlio de Matos.

🔥🔥🔥

Caminhando para a parte interessante, minhas brasinhas!
Espero que estejam gostando.

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