3 - Ligação sobrenatural
Atualmente
Quando lhe abriram a porta da casa que ela tinha apontado no papel, pensou que estava vendo uma assombração, o que quase a fez recuar de um passo. Sua mente teve esse impulso, porém na sua profissão aprendera há muito tempo a não mostrar emoções, que nem Bernardo fazia. A garota que lhe abriu a porta assemelhava-se a Sara que nem uma gota de água. À primeira vista, parecia de boa saúde e não que morrera horas antes. A garota não se amedontrou com seu distintivo. Melinda entrou sem permissão e perguntou por os pais da garota.
- Estão no trabalho, não é óbvio?
Melinda só não se chateou com a arrogância da garota, porque na sua época de adolescência, responderia a mesma coisa sem tirar nem pôr.
- Como te chamas? - perguntou Melinda.
- Sílvia.
Sílvia, não Sara.
- Tens uma irmã gêmea, não é?
- Como sabe isso? Você... ela está bem?
E lá estava, aquele momento frustante que ela odiava. Ela não seria cruel de dar essa notícia a uma garota de desasseis anos. Não poderia fazê-lo.
- Ela... de manhã senti uma coisa. Ela morreu não foi? Ela morreu...
As faces da garota ficaram rosadas e lágrimas escorreram pelo seu rosto angelical. O que é que Melinda fizera de errado para a garota ler em si, o que ela não queria dizer? Talvez fosse óbvio, a ligação entre gêmeas que era explorada por filmes e novelas. Era com certeza isso.
- Eu não disse nada - foi a única coisa que lhe veio à cabeça nesse momento.
- Porque é que a senhora continua levantada? Sente-se, notícias más não se dão de pé, nunca ouviu dizer?
Não, pensou, mas sentou-se, aliviada por ser convidada a fazê-lo sem ter que se impôr, coisa que ela odiava. A voz da garota estava embargada em tristeza profunda.
- Você acredita em magia, agente?
A miúda acabara de descobrir que a irmã gêmea morrera e era isso que ela tinha a falar? Não que ela não estivesse perguntando aquilo lavada em lágrimas, mas Melinda pensara aquilo directamente.
- Eu não sou crente - explicou.
- Ser ateia não a impede de acreditar em magia, só em divindades - disse Sílvia.
- Tudo bem, Sílvia. Onde queres chegar com isso?
- Eu quero que me conte como a minha irmã morreu. Então, talvez eu tenha a chave que você precisa para abrir a porta de sua mente céptica e completamente fechada.
Melinda arregalou seus olhos. Uma garota de dezesseis anos acabava de a deixar sem fala. Nunca ninguém a deixava sem fala.
A contra-gosto e com dor no coração, Melinda contou de maneira curta a situação do hospital.
Sílvia fechou os olhos, derramando mais algumas grossas lágrimas.
- Onde está o livro dela?
Melinda não mencionara o livro.
- Eu sei que não mencionou, apenas estou a perguntar. Você ficou com ele?
Infelizmente não fiquei.
- Tudo bem. Quer uma explicação para o seu caso, leia-o! Compre-o e leia-o.
A miúda está a ler os meus pensamentos ou é impressão minha? Estou a ser muito transparente?
Desta vez a Sílvia não respondeu aos seus pensamentos, mas Melinda esperara que o fizesse, só para confirmar o que lhe parecera que estava a acontecer ali.
- Eu lamento muito. Há pouco disseste que sentiste uma coisa de manhã?
- É. Já ouviu falar de ligação de gêmeos? Acho que quando bateu à porta, eu já sabia para o que vinha, eu só não queria acreditar ou pensar nisso. Ainda tinha esperança que tivesse sido só uma sensação de momento.
- Que sensação?
- A de estar queimando por dentro.
Aquela frase arrepiou os pêlos da agente.
🔥🔥🔥
Tudo naquele dia parecia irreal, Melinda nem conseguia imaginar no que mais aquele dia ainda lhe tinha a oferecer. Quando saiu de casa dos Craveiros, conseguiu avistar uma pequena livraria do outro lado da rua, não muito longe e instintivamente começou a caminhar naquela direção. Concentrada no seu objetivo, nem se apercebeu de que seu telemóvel tocava.
Perguntou ao vendedor por o livro que tivera em mãos e o homem pareceu reconhecer de imediato. Foi directamente ao sítio onde tinha os exemplares e trouxe um até à caixa onde Melinda lhe pagou por ele.
Podia ter esperado por o livro de Sara, mas não tinha paciência para isso.
Quando voltou ao seu escritório, tirou o blazer e pegou na chave de sua gaveta. Com o livro em mãos, respirou fundo. Era um livro comum, de categoria infanto-juvenil que nem os livros de Alice Vieira ou Sophia de Mello Breyner.
O nome da autora era Luana Almirante e o nome do livro era O inimigo invisível, como lêra antes. Na última folha do livro tinha a indicação de outros livros da escritora, sendo eles todos de terror infantil. Isso a fez sentir-se mais próxima da garota, porque ela mesma naquela idade adorava ler esse tipo de histórias. Aliás, a coleção Goosebumps era quase uma obsessão numa certa etapa de sua vida. Na verdade a única coisa que conseguia amenizar ligeiramente seus traumas e dores e talvez o que a levara a ter uma atitude tão radical para resolver os seus problemas. Não queria pensar no que a levara a amar tanto os livros de R. L. Stine, mas ainda amava.
Poderia parecer errado ler em horário de serviço, mas até que era um livro fino, poderia ler só umas páginas, para continuar mais tarde. Foi o que pensou antes de o ler inteiramente, que nem uma esponja absorvente. Só depois se apercebeu das saudades que tinha de ler um livro de vocabulário tão leve e simples.
Na história, o protagonista viajara por acidente para um universo paralelo e quando conseguira voltar ao seu mundo trouxera por acidente uma doença venérea que queimava as veias de quem era contaminado. A única forma de a doença não continuar a contaminar mais ninguém, era a do portador número um morrer, por outras palavras, o protagonista. Por culpa dele setenta pessoas morreram. O rapaz sentiu-se tão culpado que no fim dava a entender que se suicidava, mas a possibilidade ficava em aberto. A escritora deixara ao critério da interpretação e imaginação do leitor que estava a ler. Não havia como negar que era um óptimo livro, o preocupante era que o que acontecera no livro, acontecera na vida real. Talvez valesse a pena ler mais coisas daquela escritora, não em horário de trabalho como é óbvio, mas fazia questão de saber se por acaso aquelas histórias não estavam saíndo do papel, para acontecerem na vida real.
Quando dera a notícia aos pais da garota, eles ficaram desvastados e inconsulavéis, mas a gêmea de Sara parecera aceitar bem apesar do sofrimento! Ela nunca iria entender o ser humano, por muito que tentasse. As coisas que a miúda lhe dissera viajavam em sua cabeça em forma de loop. Você acredita em magia, agente?
Por incrível que pudesse parecer, sim, Melinda acreditava, sempre acreditou em magia toda a sua vida. E a miúda, a Sílvia, sentira isso. Ela sabia que ela sentira, assim como teve a certeza horas a seguir, que a garota lêra realmente os seus pensamentos.
A magia era algo que não podia explicar, mas podia sentir. Seus fios de cabelo brilhavam apenas por pensar nisso, seus olhos pareciam adquirir uma melhor visão e seu corpo parecia impulsionar-se para algo invisível. Era magia. A magia que sustentava sua existência e Melinda apenas não sabia, porque tinha de descobrir. Ela precisava descobrir. Ela precisava de sentir mais que nunca. Ela precisava ser a força da natureza que sobrevoaria e cuspiria fogo se fosse preciso, tudo para proteger os inocentes que alguém escolhera matar por razões egocêntricas, como praticamente todo o vilão. Mas como descobrir um vilão que aparece em forma de doença fatal? Como detê-lo? Como reconhecê-lo?
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Oi, dominadores fofuscos, bem sei que este capítulo é pequeno, mas não se deve mexer muito no que está bom, para não estragar. Até ao próximo capítulo.
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