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Capítulo 6

"Mom, please wake up/ Dad's with a slut/ and your son is smoking cannabis."_Dollhouse, Melanie Martinez.

Coloquei Brenda em minha cama e soltei meu rabo de cavalo. Massageei meu coro cabeludo em desespero.

-A figura estava certa, ele tinha razão. Garfield é pior do que se pode imaginar. -Eu andei de um lado para o outro sem parar até tropeçar em mim mesma e dar de cara na borda do colchão. Recompus-me rapidamente –E o que eu faço agora?

"Andar até cair de cara não vai resolver nada." Brenda elevou um pouco o tom de sua voz, chegando a abafar o som do relógio que intensificava-se a cada 'Tic' e fazia meu cérebro pulsar a cada 'Tac'. "Aliás, você não pode fazer nada. Não vai entrar lá e abordar os dois. Ele nem é seu pai. Deve falar com sua mãe e ela saberá o que fazer."

Mais uma vez, Brenda tinha razão. Passei apressada, porém com cautela pelo quarto onde Garfield e a órfã estavam para evitar ouvir qualquer som que não me agradasse. Procurei por mamãe em seu quarto, no salão principal, na sala de estar, na cozinha e perguntei para todos que encontrei em meu caminho se saberiam onde ela estava, mas ninguém a havia visto naquela noite.

-Sinto não poder ajudar... –uma das cozinheiras lamentou-se. Seu uniforme estava sujo do jantar e suas mãos molhadas da louça. Ela me oferecera uma enorme coxa de frango que teria aceitado se não estivesse desesperada pela minha mãe.

Agradeci a gentileza e lembrei-me de meu meio-irmão dizendo que estaria no jardim de trás. Saí tropeçando pela porta dos fundos e o ar gelado da noite refrscou meu corpo que suava em descrença. Só então me dei conta de que esquecera Brenda em meu quarto, mas não havia tempo para voltar agora. O jardim tinha pequenas árvores com folhas amareladas e bancos de madeira onde passeavam formigas trabalhadoras. Sua área era extensa e a grama no fundo precisava ser cortada com urgência. O muro também precisava ser reparado em alguns pontos. Procurei por Stel próximo à casa e continuei a adentrar o jardim. Ouvi vozes vindas do fundo e segui-as. Foi a segunda coisa o dia que me surpreendera em um mal sentido. Meu meio-irmão apoiava-se no muro no meio da grama alta segurando um cigarro aceso entre os dedos. Duas órfãs acompanhavam-no. Não parecia real até ele levar o cigarro à sua boca com os olhos fechados e apreciar o efeito da nicotina com uma expressão de necessidade óbvia estampada em seu rosto. A fumaça que saiu de sua boca parecia mais leve e dançava mais de encontro ao ar do que a das duas meninas. Afastei-me um pouco. "Onde estará mamãe?" perguntei-me.

-Ei. Psiu –uma voz baixa fez-se ouvir no meio do horrível silêncio da noite. –Quer sair daqui?

Procurei a fonte da voz aguda e descobri uma raposa parada próxima de meus pés. Seu pelo era vermelho brilhante, seus olhos negros e seu focinho molhado. O animal balançou sua graciosa cauda e sentou-se, esperando por minha resposta. "Mas rapozas não falam." Pensei.

-Mas eu sim, Nisseny –ele me respondeu. –Afinal, sou fruto de sua belíssima imaginação.

Cogitei, por um breve momento, andar para dentro de minha casa e esquecer a raposa falante, mas o vermelho de seus pelos em contraste com o verde-amarelado da grama velha me hipnotizou por completo e eu assenti. O animal entendeu como um 'sim' para sua primeira pergunta e virou-se de costas para mim, passando pelo buraco no muro que eu vira mais cedo. Eu olhei para Stel e para a raposa e para a porta dos fundos do casarão. A última luz da cozinha se apagou, Stel e as meninas sopraram mais fumaça cinza de suas bocas e a raposa sentou-se, balançando seus bigodes para mim. Minha decisão estava feita, e nem precisara de Brenda para isso. Sorri.

-Nisseny?

Stel jogou seu cigarro acesso para trás num movimento desesperado e as meninas viraram suas cabeças para mim tão rápido quanto eu me agachei e corri de encontro a raposa. Passei pelo buraco do muro com facilidade e corri para a esquerda, seguindo o rabo felpudo do animal. Tudo o que havia dos dois lados do terreno de Garfield era natureza. Grama, árvores e mais grama. À frente da casa havia uma verdadeira floresta de pinheiros, que seguia até a entrada da vila mais próxima, e as laterais era o resquício dessa mesma floresta adaptada à civilização. Eu seguia minha raposa pelo mato alto e ignorava os passos de Stel que ouvia atrás de mim. Não saberia dizer quanto tempo gastei até avistar uma construção, só sei que parei arfando. A casa logo à minha frente era a bela construção luxuosa que eu vira mais cedo no caminho para a biblioteca; o vizinho rico do orfanato. A raposa estava parada um pouco a frente, esperando que eu tomasse meu ar.

-Nisseny, o que está fazendo? –Era Stel quem ainda corria atrás de mim.

Ainda sem saber de que exatamente estava correndo, continuei a seguir a raposa, que pulou agilmente em um amontoado de caixas de móveis novos e entrou na casa por uma janela aberta sem proteção. Fiz o mesmo, com uma pequena dificuldade no momento em que pulei nas caixas de papelão. O interior da casa era tão belo quanto o exterior. Os móveis eram modernos, as cores vibrantes e os eletrônicos de melhor qualidade.

-Vem por aqui –a raposa falou.

Eu não tinha certeza de que ela sabia por onde andava. A casa estava fria e eu me arrependi de estar com um vestido curto e sem meias. Era silênciosa e quando adentrava um cômodo por equívoco, saía rapidamente. "O que está procurando?" pensei, mas não obtive resposta. Até que ouvi outras vozes.

-...foi horrível –consegui identificar imediatamente como a voz de minha mãe.

-Não tem com o que se preocupar. Sabe que, sempre que precisar, é só aparecer por aqui –essa era uma voz masculina que nunca havia ouvido antes.

Eu estava em um pequeno corredor próxima de um aparador que segurava dois vasos azuis, e as vozes vinham de uma sala com as luzes acessas. Coloquei minha cabeça com cautela na abertura da porta e vi duas cabeças sentadas num sofá de costas para mim. A TV na frente deles estava ligada, mas o som fora colocado no mínimo. Mamãe tinha uma taça de vinho na mão, e a garrafa à sua frente estava pela metade. A outra taça não fora nem tocada. Antes que eu pudesse me ajeitar para ouvir mais, alguém agarrou meu braço e me puxou para trás. Meu sangue ferveu e meu coração disparou, mas o Tic Tac em minha mente não alterou-se. Eu conhecia aquele toque. Era Stel.

-O que está fazendo? –ele sussurrou. Sua voz não fez cócegas em meus ouvidos, e ele não cheirava a Stel Derek. Cheirava a nicotina pura.

Pus o dedo indicador em seus lábios para calá-lo e voltei-me para os dois sentados no sofá da sala.

-..É só que... Não sei se consigo aguenta-lo por muito mais tempo. Mas se não estiver com ele, para onde iria? –o tom de voz de mamãe era choroso.

-Ora, Serena, já não lhe disse? Estou aqui para ajudá-la. Sempre estarei.

-Eu o conheço –Stel sussurrou tão baixo que quase não podia ouvir. –É ele quem fecha negócios com meu pai, sempre. Não sei muito bem que tipo de negócios. O que sua mãe faz aqui?

A raposa passou por entre minhas pernas e escondeu-se debaixo o aparador. Eu não senti seus pelos em contato com minha pele. Agradeci Stel mentalmente pela informação, mas mudei drásticamente de assunto.

-O que você estava fazendo?

-Tem certeza de que eu deveria estar respondendo à essa pergunta? –ele afastou-se um pouco para ficar de pé.

-Você estava fumando –eu fiz questão de pronuncar a última palavra com nojo. Talvez tivesse falado um pouco alto demais para nossa situação. Meu frio pareceu agravar-se e um arrepio percorreu todo o meu corpo.

-E você acabou de invadir uma propriedade –ele tirou seu casaco jeans e estendeu-o em minha direção.

Não pude deixar de sorrir. Stel era sempre bom demais comigo. Mas quando aproximei o casaco de meu rosto, tudo o que senti foi vontade de espirrar. O cheiro do cigarro estava impregnado em seu blusão. Stel não era assim, nunca fora. Ele tinha bons motivos para sua tatuagens e apenas um piercing em todo o corpo. Ele só tivera duas namoradas e era sempre gentil. Ele me visitava sempre no hospício e sempre me ouvia. Atirei o casaco no chão com força vinda de uma súbita fúria incontrolável. Ignorando completamente os dois sentados no sofá e esquecendo-me dos vasos azuis ao meu lado, eu gritei e bati minhas mãos na porcelana.

-Droga, isso tem cheiro de fumaça!

A raposa saiu correndo e desapareceu na escuridão da casa. Sem deixar que os dois viessem até nós ou mesmo que eu ouvisse todos os cacos do possívelmente caro vaso caírem no chão, Stel puxou-me pelo braço e nós voltamos correndo de onde tinhamos vindo.

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