Capítulo 1
"Throw on your dress and put on your doll faces" _Dollhouse, Melanie Martinez
Eu forcei meu melhor sorriso-não-louco quando a enfermeira abriu as portas da sala da diretora do hospital. Ela chamou meu nome e pediu que eu a acompanhasse. Arrumei minha mochila no ombro, ajustei minhas "maria-chiquinhas" e apertei Brenda com mais força. Fechei os olhos enquanto andava por aquele corredor uma última vez. Os sapatos pretos da enfermeira faziam barulho. Meus All-Stars cor de rosa eram silênciosos. Meias finas subiam até meu joelho e me deixavam confortável no ar condicionado do hospital. Estava muito feliz por estar usando meu vestido rodado rosa e azul, mas precisava urgentemente de tinta para os cabelos. O castanho desbotado natural deles começava a me irritar.
Parei ao virar e passar por uma porta à esquerda. Fazia quase um mês que eu não via minha mãe. Eu desejava que assim fosse por muito mais tempo. Não que eu não a amasse e me importasse com ela, mas ela era a razão de eu estar naquele hospital psiquiátrico. Ela sorriu para mim. Eu não sorri de volta. Minha psiquiatra estava ao lado dela, dando-lhe instruções de como me medicar. Brenda suspirou.
"Então lá vamos nós..."
Eu chacoalhei a cadela de pelúcia para calar sua boca. Mamãe revirou os olhos.
-Ainda com esse cão imundo? Achei que estivesse curada –ela disse. Nenhum 'oi', nenhum 'saudades', nenhum pedido de desculpa. O Tic Tac em meu cérebro ficou mais intenso.
-A pelúcia significa muito mais do que a senhora possa imaginar –minha doutora, Sara Dantes, explicou. –O tratamento de Nisseny não pára aqui. Continua em casa e nas nossas duas sessões semanais. Com o tempo, ela se verá livre de tudo o que lhe aflige.
Tive que me segurar para não revirar os olhos. Era difícil para a doutora entender que eu não me veria livre de certas coisas tão facilmente. Como o relógio em meu cérebro. Minhas tentativas de cala-lo eram todas falhas. Tic Tac o dia inteiro, todos os dias, de todos os anos de minha vida. Não me lembro de um só dia em que não ouvi o relógio, tiquetaqueando em minhas têmporas com a intenção de me deixar louca. Talvez perder a cabeça fosse o único jeito de ver-me livre dele. Era difícil saber em quem acreditar. Minha psiquiatra diz que é ela quem devo ouvir. Seguir suas recomendações e prescrições médicas e melhorar de minha condição. Minha tia dizia que eu devia ouvir às vozes. Fazer o que dizem e ser deixada em paz. Eu nunca ouvi tais vozes, mas acredito que ela estivesse se referindo às figuras. Brenda nunca me disse que era ela quem estava certa, até porque ela não podia ter certeza, mas era ela quem eu gostava de ouvir. A única coisa em que eu minha cadela de pelúcia não concordávamos era no sentido da palavra realidade. Brenda acreditava fortemente que cada um vivia sua realidade. Não escolhemos ela, nascemos assim. E a minha realidade era conversar com pelúcias e com as figuras. A psiquiatra me fez acreditar que realidade é uma só. Algumas pessoas se confundem, como eu, e podem ser reinseridas com um pouco de ajuda. Por isso não sabia em quem acreditar.
Eu estava muito melhor desde que entrara naquele manicômio, mas não estava curada. De início, qualquer objeto era bom o suficiente para eu me matar. As fitas de meus vestidos coloridos, os garfos do almoço, meus lençóis... Só desisti da ideia de tirar minha própria vida três semanas depois de ter entrado lá. Sinto ter demorado um ano inteiro para perceber que conversar com Brenda era algo que me prendia ali. Após ouvir muitas consultas com a doutora e conversar com a cadela de pelúcia em segredo, decidi parar. Falava pouco, depois dizia que conversava com Brenda como se conversasse com minha tia. E eu tinha muitas saudades dela. Mais um ano e meio se passou e muito em mim havia mudado. Eu já não era mais tão louca. Não ficava sorrindo para as paredes, não cantava com os pássaros, não batia mais a cabeça nas portas, por mais que, muitas vezes, eu precisasse. Cansei de explicar para a doutora que o relógio em minha cabeça não era loucura, era real, e apenas fingi que estava bem por três meses. Então, após uma consulta com um psiquiatra oficializado pelo estado, eu fui liberada.
-Boa sorte, Nisseny –a doutora me abraçou. Adorei seu gesto simpático e a abracei de volta com um sorriso. –Lembre-se do que aprendeu e fique bem.
-Obrigada –sorri. O deliniador acima de seus cílios era muito delicado e bem desenhado. Isso me deixava contente. –Até mais doutora.
-Vamos –minha mãe disse. E virou-se para ir embora.
Eu dei uma última olhada no local. As paredes brancas não eram tão enjoativas quanto eu pensava. Deixavam tudo muito bem iluminado. As escadas em espiral não mereciam um corpo de dezenove anos pendurado pelo pescoço, como eu tanto cogitara. As portas da frente já não eram tão desejadas. Eu podia alcança-las, abri-las e sair dali. Eu estava livre. Passei do hospital para o estacionamento com um pulo animado. Mamãe esperava por mim em frente a um Renault Clio cinza velho. Sentei-me num banco de carro pela priemira vez desde aquela ambulância terrivel cheia de pessoas tentando curar algo que não deveria ser curado e sorri.
-Como está se sentindo? –mamãe perguntou.
-Muito bem – No espelho retrovisor mamãe tinha um terço pendurado, balançando de um lado para o outro conforme o carro andava. Isso me deixava contente. –Podemos comer alguma coisa? Faz dois anos que nada de bom é servido naquele manicômio.
-Hospital –mamãe me corrigiu. –Acostume-se a falar hospital. As pessoas não precisam saber que estava em um hospital... Psiquiátrico. Podemos parar em algum restaurante Italiano.
A palavra saiu da boca dela com um tom de repulsa e outro de medo. Se tudo isso estivesse acontecendo seis anos atrás, ela não diria isso. Ela me levaria para casa, prepararia meus pratos favoritos e deixaria que eu nadasse na piscina dos fundos de nossa casa o dia inteiro. A água cristalina de piscinas me deixava muito calma. Mas hoje em dia a vida de mamãe é controlada por meu padrasto. Ele é o dono do único orfanato para meninas adolescentes da região, herança de seu tão bondoso pai. Infelizmente, ele não era nada como o velho falescido. Tudo devia sempre ser perfeito para a mídia. Assim, ele recebia doações e mais dinheiro em sua conta.
"Quase me esqueci de que estávamos voltando para aquela Casa de Bonecas que seu padrasto chama de orfanato" Brenda disse, sua voz pronunciando "Casa de Bonecas" reverberava em meu cérebro. Grunhi. "Prometa-me que não vai ficar presa àquele inferno só por causa de Stel."
Ao som do nome de meu meio-irmão, meu coração aqueceu-se. Ele era a única coisa boa que viera do casamento de mamãe com o meu padrasto. Ele me visitava toda a semana no hospital e ouvia tudo o que eu tinha a dizer, sempre. Era um dos únicos motivos que eu escolhera para não acabar com minha vida na quarta semana, quando vi uma lapiseira pontuda no bolso da enfermeira. Spaghetti à carbonara era outra razão. Mamãe parou em uma pequena Cantina italiana e eu comi um pouco de tudo no menu. Senti-me verdadeiramente satisfeita pela primeira vez em dois anos. O lugar era pequeno, mas muito aconchegante. O tom verde da bandeira da itália era vibrante e o uniforme dos garçons era bem passado no ferro quente. Isso tudo me acalmava.
Depois, voltamos para o carro e mamãe acelerou. Começou a me contar algumas coisas sobre minha nova casa, mas eu estava absorta em meus próprios pensamentos. Eu não entendia sua pressa em chegar naquele casarão. Da última vez que estive lá, meu padrasto ainda estava arrumando tudo para receber as órfans. Era uma casa velha em estilo gótico moderno, e era tão espaçosa quanto um castelo, ou pelo menos eu achava que era assim. Quando pequena, eu tinha uma casa para minhas bonecas e posso jurar que é identica ao casarão. O telhado triangular, as videiras falsas subindo pela parede, o cheiro fraco de mofo... Na minha casa de bonecas, tudo era sempre perfeito. Os vestidos, os sorrisos, a educação de cada boneca. Se soubesse que, na vida real, isso tudo seria extremamente chato, não teria brincado daquela maneira. Teria escolhido chá de faz e conta. As xícaras pequeninas nas vitrines das lojas me deixavam feliz.
-Não se preocupe Brenda –falei, em voz baixa. Mamãe estava muito concentrada na música do rádio para me ouvir –Eu não vou ficar lá por muito tempo. Não sou perfeita.
Oi gente!
E ai, gostaram desse capítulo?
Enquanto esperam o próximo, por que não dão uma olhadinha no conto "Dollhouse" da cupcakelight? Trata-se de uma garotinha, uma bela boneca e uma loja... misteriosa. Sei que vão gostar, então vão lá conferir!
Até a próxima!
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