. . . . . ╰──╮ 42. Ayana╭──╯. . . . .
Imagine que não ha posses
Eu me pergunto se você pode
Sem a necessidade de ganância ou fome
Uma irmandade dos homens
Imagine todas as pessoas
Partilhando todo o mundo
John Lennon - Imagine
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"Será que existe justiça onde não tem igualdade? Kai me fez pensar muito naquele dia e de repente me vi sendo forçada a abrir um pouco mais a mente e eu agradeço a cada segundo por isso." (Diário de Ayana)
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A tarde chegou e com ela a apresentação oficial de Kai também. Kai entrou como um verdadeiro rei. Chegava a ser inacreditável como sua aparência, sua pose e até a sua expressão sempre haviam sido de um rei, mesmo antes dele saber que o era.
Antes mesmo de ele se sentar no trono do palácio, todos já estavam de joelhos, inclusive eu. Era incrível como uma profecia tinha forças ali. Ele era o rei porque uma profecia havia dito isso e ponto. Ninguém contestava, ninguém questionava, ele tinha o poder em mãos porque assim o destino quis.
A esquerda de Kai, estavam os conselheiros de Khur, os mesmos que regiam a ilha desde a morte do meu irmão, os mesmos que me tiraram todos os direitos ao me recusar seguir com suas tradições e os mesmos que seguiam favorecendo famílias tecnicamente nobres até mesmo na divisão da comida. Kai sabia quem eram. A sua direita estava Viatrix com Lorde Falcón, alguns dos conselheiros de Daneel e Madelaine, sua imediata em tudo na Falcón Island. Ali também estava Aylin e Yugo. A frente de Kai, estavam os cidadãos refugiados no castelo, alguns poucos sobreviventes da ilha que não sabiam o que esperar do atual rei. Entre tantos sobreviventes, estava eu, que apesar da minha linhagem, não podia e nem era digna de estar ao lado dele naquele momento por decreto dos conselheiros. Olhei para Kai imperturbável em seu lugar, com o olhar duro e o semblante sério e senti um frio na barriga imenso ao ver um trono vazio ao seu lado.
(Madelaine)
– Antes de mais nada, gostaria de mandar minhas saudações às mães, esposas e irmãs do nosso mundo. Vocês são a pedra base da nossa luta. O mundo causa mais dor em vocês do que em qualquer outra pessoa – ele começou a falar e sua pequena saudação causou diversos murmúrios de insatisfação, mas Kai nem se imutou – Eu mal sei por onde começar isso tudo, mas pretendo deixar algumas coisas claras a partir de hoje. Há muitos anos uma barreira foi posta separando o lado leste e o oeste do mundo. Todos conhecem a história e não irei me aprofundar nela. Alguns daqui dizem que Vixen os abandonou, mas em alguns relatos que acabei lendo na biblioteca daqui mesmo, fala de acordos para que a barreira fosse mantida e que quem decretou a barreira foram as ilhas. Como em qualquer história, existem diversas perguntas sem respostas certas. Levantar tais assuntos agora não trará nenhum bom resultado, pois em uma história sempre há muitos lados a serem estudados. Mesmo assim ainda podemos aprender com o que passou e é isso que pretendo fazer aqui. Antes de proferir o discurso que vocês querem tanto ouvir e que sinceramente me deu uma tremenda dor de cabeça, eu gostaria de anunciar que ao meu lado está faltando a minha esposa e eu me recuso a seguir sem ela ao lado. Soube através de alguns que para vocês eu não estou casado e eu irei discordar, Lady Ayana é a minha esposa e a quero do meu lado para que eu possa seguir de maneira tranquila. Irei pedir para Lorde Falcón que a traga até aqui em segurança.
Todos os olhares se voltaram para mim. Kai me apresentou oficialmente e eu simplesmente não estava preparada para aquilo. Uma emoção estranha tomou conta de mim me fazendo respirar um pouco mais forte e em poucos minutos Daneel estava do meu lado.
– Vamos, minha rainha – ele falou alto me oferecendo o braço para que eu pudesse acompanhá-lo. Meu assombro não podia ser maior.
Estava claro que Daneel havia sido escolhido porque ninguém era bobo o suficiente para mexer com ele, e estava claro que Kai e Daneel tiveram tempo suficiente para conversarem durante a tarde mesmo Kai tendo se ocupado na maior parte do seu tempo em uma reunião política com os conselheiros locais.
– Agora que ela finalmente está aqui – ele apertou minha mão trêmula ao me sentar – Gostaria que trouxessem os sete jovens que a atacaram ontem.
Mais murmúrios foram ouvidos quando um dos guardas levou as 5 jovens e os 2 rapazes presos por correntes até a minha frente.
– Reverenciem a rainha – Kai mandou com a voz ameaçadora.
Eles olharam para os conselheiros que pareciam terem perdido a cor ao verem tal cena, mas ao notarem que não teriam ajuda, apenas se ajoelharam.
– Agora peçam perdão – Kai seguia com a voz dura e fria. Meu coração batia tão descontrolado que eu mal sabia dizer o que estava sentindo.
– Pedimos perdão a vossa majestade, a rainha – eles falaram a contragosto.
– Agora, quero que todos os outros façam o mesmo – Kai olhou para tantos olhares incrédulos – Assim como vocês me reverenciaram quando me sentei aqui, irão fazer o mesmo com a minha rainha.
Eu estava claramente apavorada. Preferia mil vezes lutar contra lâmias ou sereias a encarar todos aqueles olhares reprovadores na minha direção.
Ninguém se moveu e aquilo me deixou mais ansiosa ainda. E quando achei que não ia mais aguentar a tensão, pela primeira vez na vida eu vi Daneel se curvar. Ele estava parado na minha frente e vi seu joelho direito indo de encontro ao chão como se toda a minha vida dependesse daquilo. Seus conselheiros o seguiram e logo depois Viatrix, Aylin e Yugo se colocaram na minha frente e os imitaram. Kai vendo que os conselheiros de Khur ainda não se moviam, se levantou do trono, se colocou ao lado de Yugo e assim como todos levou seu joelho até o chão.
– Belo teatro Yugo – Kai sussurrou para o seu amigo, e por estarem próximos acabei ouvindo.
– Eu precisava aproveitar a fantasia – ele puxou a própria roupa rindo e novamente tive inveja daquela amizade.
Quando Kai se reverenciou, foi como se uma alavanca fosse puxada, pois todos, de maneira automática fizeram o mesmo.
Eu sabia que Kai não estava ali para me servir, sabia que Yugo e Aylin não faziam mais do que um pequeno espetáculo e sabia que Daneel só havia feito para impor mais medo em quem desobedecesse, mesmo assim me senti estranha. Mesmo Viatrix que sem dúvidas era a única que se reverenciava de maneira sincera, me pareceu deslocada ali aos meus pés. Eu queria fugir, queria me esconder e ao mesmo tempo nunca tinha me sentido tão livre em toda a minha vida e quem havia me dado aquele presente havia sido o homem que eu julgara desde que o vi pela primeira vez: o ladrão, o mafioso, o bandido, o assassino, o tirano, o rei e acima de tudo o meu marido.
Aquela última palavra me fez sorrir. Em pouco menos de três meses tudo parecia ter mudado de maneira repentina, ele se casou sem necessidade e sem me conhecer, minha honra estava pouco a pouco sendo restituída, ele virou rei e eu finalmente poderia fazer a diferença. Queria que Hagne e Argus estivessem ali para ver os acontecimentos inesperados. Olhei para o teto, tentando buscar qualquer sinal deles e quando uma pequena brisa fresca passou pelo meu rosto vindo de uma das janelas próximas, eu sorri de novo e deixei uma única lágrima cair.
Quando Kai voltou para o seu lugar e todos se levantaram, vi como Daneel sorria abertamente, um sorriso raro em seu rosto, mas extremamente bonito. Yugo cochichava alguma coisa no ouvido de Aylin e ela ria com vontade. Viatrix mantinha um rosto sereno e hora ou outra conversava alguma coisa com Madelaine. Do lado dos conselheiros de Khur o clima parecia sombrio e pesado e o silêncio reinava. A nossa frente havia mulheres confusas e muitas emocionadas, pois nunca tinham visto uma nobre que realmente pudesse ser além do seu título.
Kai fez um sinal para que tirassem os sete da noite anterior da sua frente e os deixou de lado, mas sem os soltarem.
– Dentro de pouco eu decido o que fazer com vocês – ele anunciou para os sete que estremeceram de maneira visível – Agora que estou com Ayana finalmente ao meu lado, posso prosseguir com meu discurso – ele sorriu de maneira satisfeita e senti um arrepio percorrer o corpo. Eu sabia que ele era implacável e sabia que ele mandava com mãos de ferro e sinceramente eu não sabia o que esperar dele naquele momento, mas decidi que seguiria com ele, e se eu acreditasse que algo era injusto, ele havia me dado a liberdade de ser eu mesma. Eu teria como interceder pelo meu povo estando ao lado dele. Ele se virou para mim e sorriu mais abertamente antes de voltar para os seus súditos – Sinto muito, mas não pretendo ser o rei que acatará aos seus costumes e nem o rei que muitos de vocês esperaram, ser um bom rei não é o meu ofício e ser um bom homem nunca esteve entre as minhas prioridades. Saí das ruas, roubei, matei, trafiquei e torturei. Roubei um trono, deixei amigos e aliados matarem o rei e a rainha e tomei um país porque eu queria e podia fazê-lo. Não pretendo governar ou conquistar de outra maneira que não seja a minha – os olhos de todos se abriram pelo assombro. Daneel seguia sorrindo parecendo satisfeito com as palavras de Kai e muitos se remexeram de maneira nervosa em seus lugares. Aqui com certeza seria uma ilha muito mais parecida a Falcón Island do que muitos gostariam. Conservadores sem dúvidas iriam protestar e reclamar, mas Kai parecia não se importar com isso – Gostaria de ajudar, se possível, mulheres, crianças, negros, brancos, pobres, doentes e muitos outros. Uma das leis da nossa quadrilha sempre foi "não ferir ou matar pessoas inocentes" e eu vou levar isso adiante. Esse é o rei que eu vou ser. O problema é que eu não sou uma boa pessoa, ou pelo menos não me considero assim. Diferente do que alguns gostariam, eu não me importo com o direito de quem eu não julgo digno e obviamente quem é digno ou não dependerá sempre do meu ponto de vista. Não tenho a intenção de mentir ou enganar nenhum de vocês, esse sou eu. Eu quero ajudar e quero que vocês se ajudem, essa deveria ser a natureza do ser humano. Deveríamos prezar pela felicidade do próximo e não pelo seu infortúnio. Então vou perguntar, por que vocês se odeiam e se desprezam? Por que quem tem dinheiro e títulos nobres aqui são mais importantes ou valiosos que os trabalhadores rurais? Por que um homem precisa ser mais do que uma mulher? Neste mundo há espaço para todos. Nosso planeta, que é bom e rico, pode prover tudo o que necessitamos. A cobiça envenenou a cabeça dos nossos antepassados quando fizeram os primeiros contratos, a ganância cegou os nobres que deveriam viver por seu povo e muitos costumes levantaram as muralhas do ódio. Seguimos pouco a pouco para a miséria certa. Não quero aqui pessoas enclausuradas por costumes de valores sem sentidos. Pensamos muito e sentimos pouco e isso não está certo, precisamos de menos nobres e mais seres humanos. Precisamos de menos regras e mais empatia. Sem isso, a vida será feita de violências e tudo estará perdido – seus olhos pararam em um grupo de crianças malvestidas e curiosas – Venham aqui – ele chamou com a mão as crianças que pareceram de repente assustadas.
– São só órfãos majestade – um dos conselheiros falou ao notar que as crianças deram o primeiro passo.
Yugo de repente riu com tanta vontade que até mesmo Kai não pode se segurar.
– Peço desculpas por rir – ele falou tentando se controlar – Caramba Kai, é o rei e nem falou para eles que você era exatamente assim? Órfão, sujo e mais magro do que o cabo de uma vassoura?
– Pois é, acho que acabei esquecendo de mencionar esse detalhe – Kai sorriu de maneira sinistra para o conselheiro que falou e depois voltou seus olhos para as crianças de novo – Venham, não tenham medo.
O pé descalço de cada criança levantava pouca coisa do chão, mas eles seguiram até se aproximarem. Kai os estudou e depois sorriu para o amigo.
– Olha só que coincidência Yugo. Temos exatamente 7 meninos aqui – ele colocou a mão na cabeça de cada menino sujo a sua frente – Carlos, Roy, Lohan, Sam, Luc, Yugo e Kai.
– Ah, gostei disso – Yugo riu.
– Quem são esses majestade? – um menino que parecia um pouco mais corajoso perguntou.
– São os nomes dos meus amigos e o meu obviamente – Kai respondeu tranquilamente – também vivemos nas ruas, também éramos órfãos e também não tínhamos o que comer. Nossas roupas também eram como as de vocês.
– Então quando eu crescer, eu posso ser como vocês? – o olho de um outro menino brilhou de maneira intensa.
– Se você não tentar tirar o meu lugar, você pode ser o que você quiser, contanto que saiba que ferir inocentes é inadmissível para mim – Kai deu de ombros – Enfim, quero que se virem agora para os que estão na nossa frente – as crianças obedeceram – Agora quero que todos vocês olhem para eles e me digam o que estão vendo.
O silêncio reinou um tempo, mas uma mulher tremendo deu dois passos à frente. Ela depois pareceu repensar e o medo ficou estampado de tal maneira em seu rosto que me deu pena.
– Não volte para o lugar – Kai a chamou de volta – fale o que você queria falar.
– Eu – de repente ela deixou um rastro de lágrima passar pelo seu rosto sujo, mas ela pareceu se decidir e seguiu – vejo crianças desesperadas, vítimas de um sistema que tortura seres humanos e pisoteia inocentes.
Talvez se dando conta de que havia falado isso para um homem, ela levou a mão até a boca com os olhos arregalados e cheios de lágrimas.
– Eu sinto muito, majestade – ela se ajoelhou deixando parte das suas costas a mostra com a ponta de sua cicatriz bem visível.
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