Eu me importo com você, eu converso com você
Em meus mais profundos sonhos, eu sou sortuda
Nós temos uma amizade, ninguém pode contestar isso
E aliás, eu te respeito com todo o meu ser
Mapei - Don't Wait

【န ━━━━━━━━━━ ~DနM~ ━━━━━━━━━━ န】

"E é assim que conhecemos as pessoas que têm valor nas nossas vidas, no momento em que estamos mais no fundo, a mão que te segurar será sem dúvidas a mão que valerá a pena não soltar mais" (Diário de Ayana)

【န ━━━━━━━━━━ ~DနM~ ━━━━━━━━━━ န】

Não vi a hora que Kai saiu do quarto, mas acordei quando ele voltou. Minha cabeça estava explodindo e meu estômago continuava revirado.

Ele se deitou com cuidado na cama e se manteve distante. Talvez eu ainda estivesse sob o efeito do álcool, mas não tive medo nenhum de me aproximar dele e o abraçar. Talvez ele não estivesse esperando por isso, mas eu queria senti-lo, mesmo que fosse só um pouco, mesmo sabendo que ele poderia simplesmente me afastar.

– Eu amo o seu cheiro – sussurrei – Eu sinto muito por tudo e obrigada.

Ele ficou em silêncio um tempo, mas no fim acabou envolvendo meu corpo em seus braços e beijou meu cabelo.

– Não se ponha mais em riscos desnecessários, por favor – ele sussurrou – não quero te perder.

Eu apenas acenei. Minha cabeça seguia confusa e ter o calor do seu corpo foi o suficiente para me fazer voltar a dormir rapidamente.

【န ━━━━━━━━━━ ~DနM~ ━━━━━━━━━━ န】

Na manhã seguinte acordei extremamente envergonhada e agradeci por não ver Kai do meu lado. Ele provavelmente havia saído cedo para se preparar para a apresentação dele. Me arrumei rapidamente e fui em direção a porta. Quando a abri dei de cara com Kai, Aylin e Yugo conversando.

Todos se viraram na minha direção quando eu parei repentinamente. Olhei rapidamente para Aylin e Yugo e senti o rosto ficando extremamente vermelho. Abaixei a cabeça torcendo para que o chão me engolisse.

– Eu... sinto muito – gaguejei ao lembrar do como eu os tinha visto na noite anterior.

Tentei voltar para o quarto, queria loucamente fugir dali, mas Kai me puxou de volta. Yugo riu alto com a minha reação, o que me fez ficar com ainda mais vergonha.

– Ah, não – Kai falou ao me levar para o mesmo lugar – agora você aguenta as consequências.

– Eu não queria ter visto nada, eu sinto muito – falei atropelando as palavras, sentindo ainda mais vergonha.

– E o que você viu? – Kai perguntou apertando os olhos e meu rosto continuou esquentando, se é que isso era possível.

– Você não vai querer saber – Yugo deu de ombros.

– Vocês poderiam usar um quarto de vez em quando, só para variar um pouco, não é? – Kai falou, mas não parecia bravo.

– Quartos não têm graça – Aylin falou parecendo se divertir também – mas relaxa, Ayana. Eu te perdoo se você conseguir alguma coisa para fumar. Meu corpo está gritando por nicotina com urgência.

– Nossa – Yugo pareceu suspirar – eu faria qualquer coisa por um cigarro agora.

– Tabaco? – perguntei – por que não falaram antes?

– Vocês têm? – Aylin pulou na minha frente me fazendo ficar com ainda mais vergonha, mas falou com tanta animação que me fez rir.

– Claro que temos – falei olhando para o outro lado – esperem um pouco que eu vou buscar para vocês.

– Nem pensar – Kai cruzou os braços – vamos todos juntos. Prefiro que você não fique andando por aí sozinha, pelo menos até a apresentação.

– Tudo bem... – falei sem muita certeza. Fiquei um pouco receosa daquilo, mas preferi confiar nele. Eu já havia duvidado demais do Kai e todas as vezes ele que foi em meu socorro. Talvez estivesse na hora de eu deixá-lo guiar a situação da maneira dele no fim das contas.

Achar o tabaco não foi difícil, era algo comum ali e sinceramente muitas vezes parecia que poderia faltar comida, mas não podia faltar fumo e bebida.

– Caramba – Yugo falou admirado pegando um punhado de fumo com a mão – é fumo puro?

– Como assim? – perguntei – por que não seria puro?

– Kai – ele falou com brilho nos olhos – posso levar desses pra Vixen?

– Faz o que você quiser – Kai bufou.

Peguei as folhas que envolveria o tabaco e entreguei para eles.

– Ok – Yugo ficou com tudo na mão – mas como acendemos isso?

– Tem pedra de quartzo aqui, um tecido carbonizado aqui – entreguei para Aylin – e palha aqui.

– Fogo por fricção? – Aylin abriu mais os olhos – eu sei que eu sabia fazer isso, mas sério... isso faz muito tempo.

– Não sabe? – perguntei admirada.

– É que existem meios muito mais fáceis do outro lado – Kai deu de ombros.

– Tudo bem, eu sei – falei ainda admirada – O que me impressiona não é ter outros meios lá, é o como eles sobreviveram aqui até agora sem saberem isso. Ou seja, como vocês juntaram tantos sacerdotes e ainda sobreviveram desse lado? – olhei ainda de maneira curiosa para Aylin que apenas deu de ombros e meu assombro não podia ser maior – vocês deixaram os sacerdotes fazerem tudo?

– Ué – Aylin não parecia nem um pouco preocupada – não sabíamos fazer.

– Pelo menos o Kai teve a decência de aprender – resmunguei e Kai riu.

– Você fala como se você tivesse me deixado alguma opção – ele apertou os olhos para mim e depois pegou as coisas e se virou para seus amigos – Tudo bem, eu faço isso, mas não se acostumem.

Fomos para uma pequena lareira que tinha no castelo que estava apagada e Kai acendeu o fogo ali mesmo. O ideal era não deixar o fogo se apagar, mas em um lugar daquele tamanho e com as dificuldades recentes, manter o fogo era o menor dos nossos problemas no fim das contas.

Aylin e Yugo fumaram muito mais do que eu imaginei ser possível. Também pegaram alguma coisa para beberem e só de olhar aquilo já me revirou o estômago. Algumas pessoas trouxeram comida para nós e eu me forcei a comer alguma coisa mesmo ainda estando enjoada, mas em geral foi um momento gostoso, apesar da minha vergonha não ter sumido completamente. Obviamente, meu humor oscilante não iria me deixar em paz.

– Ayana – Kai me chamou – vai ficar comigo na apresentação?

– Não posso – tentei soar normal.

– Por quê? – ele perguntou.

– Você sabe o motivo – suspirei – agradeço tudo o que fez por mim, mas você mesmo viu, no fim a minha imagem segue a mesma.

– E por que você se importa com isso? – Aylin perguntou soltando um bocado de fumaça da boca.

– Eu não me importo – falei forçando o maxilar.

– Você é péssima em mentir – Kai repetiu o que já havia dito antes para mim – mas eu entendo. É fácil para alguém que não vive aqui falar isso, não é?

– Só esqueçam isso – suspirei e me levantei, eu não estava preparada para conversar sobre aquilo de novo – irei falar com Trix. Estou esperando notícias do porto para saber das crianças e para saber dos reparos do navio – me virei para Kai e sorri – Boa sorte, Kai. Vou estar por perto caso necessite de alguma coisa.

Logo após sair pela porta, eu fiz uma pausa ali mesmo. Não que eu pretendesse escutar conversas alheias, mas precisava de um momento para me tranquilizar e acabei sorrindo involuntariamente com o que escutei.

– É, acho que vamos ter muitos olhos chorosos quando voltarmos para o navio e constatarem que o Kai finalmente foi amarrado – Aylin falou parecendo se divertir – Acho que nunca esperei ver tanta paixão nos olhos do Kai, estou impressionada.

– Cara, não queria falar nada não, mas concordo com ela – Yugo falou parecendo admirado – quem diria que o caçador de boas moças cairia na armadilha de uma delas no fim das contas, mas com todo respeito, eu consigo te entender... Ai... eu não disse que gosto dela, branquinha, só disse que eu entendo o Kai, não precisa me bater não.

Todos eles riram.

– Relaxa, Kai – Yugo falou com a voz mais controlada, não conseguia imaginar a cara que Kai estava fazendo para que Yugo usasse uma voz quase consoladora com o amigo – ei, já burlamos o destino uma vez. Vamos conseguir de novo e vamos trazer a primatinha com a gente... ei... por que me bateu dessa vez?

– Não chama ela de primatinha – Aylin falou com a voz brava.

– Ta louca? – Yugo falou com a voz séria, mas não parecia bravo – acha que os seres humanos são o que? A diferença é que os primatas daqui não são evoluídos... Ai... você bate forte.

– E você merece – Aylin falou me fazendo rir – mas o mais importante é que o Yugo está certo, Kai. Vamos levar ela com a gente. Ela vai sobreviver a tudo isso...

Por um momento eu tive inveja, inveja porque o único na qual eu havia me sentido realmente a vontade em toda a minha vida tinha sido Argus e mesmo sabendo o quanto Trix era minha amiga, eu jamais conseguiria ser assim com ela.