. . . . . ╰──╮ 36. Ayana╭──╯. . . . .
Espero que você não se importe
Que eu expresse em palavras
Como a vida é maravilhosa
Enquanto você está nesse mundo
Elton John - Your Song
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"Tudo está desmoronando novamente, a felicidade parece durar pouco e a realidade aparece cedo demais. Sinto como meu corpo está caindo em um abismo sem fim" (Diário de Ayana)
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Segui pelos corredores com o corpo mais rígido do que eu imaginei que fosse capaz. Eu ia com Kai na frente, que hora ou outra sorria para mim, mas eu não conseguia compartilhar aquela felicidade desde que soube quem seriam as testemunhas da nossa união.
– Será que você consegue relaxar, só um pouco? – Kai sussurrou no meu ouvido – está parecendo um robô andando.
– O que é um robô? – perguntei, mas até mesmo falar parecia forçado naquele momento.
– Acho que a nossa deixa é aqui, Trix – Daneel parou ao virarmos poucos corredores antes da suíte de Kai.
Eu parei e pelo visto meu espanto foi nítido, porque tanto Kai quanto Daneel riram.
– Ayana, você realmente acreditou que te seguiríamos até o quarto? – Daneel perguntou ainda rindo.
Eu não tinha palavras. Estava aliviada e obviamente sentia o rosto tão quente que parecia que pegaria fogo a qualquer momento.
– Nossa – Viatrix arregalou os olhos ao olhar para mim – menina, acho que você deveria tentar respirar. Vamos Daneel, fiquei sabendo que você trouxe uns arcos e flechas da ilha que eu estou louca para ver.
Kai parecia extremamente tranquilo e não soltou a minha mão, mas seu sorriso demonstrava o quanto ele estava gostando daquilo.
– Ei, não façam nada do que eu não faria – Daneel acenou com a mão e saiu andando.
– Melhor não fazerem nem metade do que ele faria também – Trix deu de ombros – só por via das dúvidas. Madelaine me fala coisas que eu gostaria de nunca ter escutado.
Vi ainda sem acreditar os dois desaparecerem pelo corredor afora, ainda de boca aberta com tudo o que tinha acontecido.
Assim que os dois sumiram, Kai finalmente soltou a minha mão e ficou me estudando um tempo.
– Você sabia disso? – consegui perguntar ainda surpresa.
– Claro que sabia – ele riu.
– Por que não me falou? – perguntei ainda com os olhos mais abertos que o normal.
– E perder sua cara assustada e preocupada? Acho que não – ele sorriu – suas caras desde o início de tudo estavam tão lindas que eu não queria perder nenhuma delas.
– Você é um idiota – falei com vergonha.
– Pode ir para o seu quarto se quiser – ele sorriu ao me falar isso – sabe que não é obrigada a vir para o meu se não quiser.
Eu não conseguia responder. Todo o meu corpo gritava. Ele se virou e começou a andar sem mim e então eu o segui em silêncio. Não é que eu tenha decidido deliberadamente que faria aquilo, mas minhas pernas simplesmente não me obedeciam.
Ele entrou e deixou a porta aberta e eu entrei e a fechei, mas fiquei parada ali e foi nesse momento que toda a tranquilidade de Kai pareceu se converter em uma cobiça e luxuria impossíveis de explicar.
Ele me encurralou na porta com os braços e falou com a voz rouca ao meu ouvido:
– Você sabe qual a consequência de ter me seguido até aqui, não sabe? Talvez eu não seja tão cuidadoso como da primeira vez.
Meu corpo inteiro se arrepiou e ele não deixou isso passar desapercebido.
– Acho que você não tem ideia do quanto eu me segurei na noite passada, acho que você não tem ideia do quanto eu me esforcei para ser cuidadoso e carinhoso com você e sinceramente não sei se tenho forças para continuar sendo assim. Eu te desejo com loucura Ayana e nesse momento tudo o que eu quero é deixar que meus instintos me guiem. Então eu vou te dar mais uma chance, você ainda pode abrir a porta e sair.
Meu coração batia tão descontrolado e minha respiração estava tão acelerada que eu mal conseguia pensar. Toda a minha cabeça pareceu ter se embaralhado. Aquela sede imensa dele era nova para mim, mas aquilo não me dava medo. A única coisa que eu sentia era vontade de que ele cumprisse tudo o que acabara de falar.
– Não irá sair? – sua voz sussurrada fez meu corpo esquentar instantaneamente e vendo que eu não responderia, ele me beijou, de maneira sedenta e apaixonada, mal me dando tempo de respirar.
Se eu tivesse que descrever aquela noite, eu falaria que suas mãos percorreram todo o meu corpo de maneira descarada, com desejo e fervor, mas também com carinho e amor. Falaria o quanto sua respiração ofegante parecia me tirar do meu próprio corpo e o quanto o seu desejo delirante me fazia querê-lo ainda mais. Até mesmo a felicidade era abafada pela paixão esmagadora dos nossos corpos juntos. Naquela noite, eu senti como se realmente fossemos um transcendendo juntos o universo inteiro.
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Na manhã seguinte, ele me acordou com beijos e parecia ainda louco de desejo por mim de uma maneira que me fez rir.
– Você parece insaciável – sorri quando ele se encaixou novamente em cima de mim.
– E você parece não se importar com isso – ele respondeu levando seus beijos até o meu pescoço.
– Eu gosto – respondi, mas senti o rosto queimar na mesma hora fazendo-o rir.
– Então acho que eu preciso aproveitar.
Para a infelicidade dele, antes que ele pudesse fazer qualquer coisa realmente, alguém nos chamou pela porta de maneira apressada.
– Já vai – Kai gritou, mas até eu pude sentir a frustração e o mau humor que se instalou repentinamente nele.
– Sinto muito atrapalhar os dois pombinhos – Daneel entrou de maneira apressada quase empurrando Kai – Mas a sacerdotisa voltou.
– Aylin? – me sentei em um pulo com o coração extremamente acelerado. Olhei com tanta expectativa para Daneel que ele até riu – Ela conseguiu?
– É, ela conseguiu sim – ele deu de ombros – parece que é uma sacerdotisa extremamente habilidosa.
Kai não parecia feliz, estava com os braços cruzados, parado no meio do quarto com cara de poucos amigos e só então eu me lembrei que eu não havia contado toda a verdade para ele.
– É... – olhei para ele e depois para Daneel – será que você poderia me deixar a sós com o Kai um pouco?
– Só não demorem. Estão começando a perguntar o motivo de um exército inteiro de sacerdotes "filhos dos deuses" estarem chegando por aqui.
– Quantos ela conseguiu?
– Madelaine contou 87 filhos dos deuses, além dela, dos seus pais e de um outro homem que não sabemos quem é.
– 91 pessoas no total? Ela é incrível mesmo – sorri de maneira tensa e Daneel saiu.
Kai não falou nada, apenas olhou a porta se fechar e virou seus olhos raivosos na minha direção.
Eu respirei fundo, eu já deveria ter falado tudo para ele e nem tinha desculpas para não ter feito isso. Minha boca fechou e abriu diversas vezes e me sentindo incapaz de falar qualquer coisa estando ainda na cama, eu me levantei começando a me arrumar. Ele continuava sem se mover.
– Quando iria me falar isso? – a pergunta dele veio mais fria do que o gelo. Sua voz denotava uma raiva intensa e uma decepção dolorosa.
– Eu não sei – respondi com sinceridade, mas não conseguia evitar o som triste na voz.
– Estou cansado de descobrir as coisas por um acaso – seus olhos pareciam me perfurar – você escondeu sobre a profecia de eu ser o rei e eu entendi seu medo, mas estou com dificuldades agora de te entender. Pensei que você tinha mandado Aylin embora e de repente eu descubro que a minha amiga está aqui com um exército de pessoas como você, e o pior, você me deixou acreditando que ela estava a salvo e bem.
Eu engoli em seco e me sentei de novo na borda da cama. Eu não podia falar toda a verdade para ele, ele iria recusar e aquilo de repente me apavorou. Eu nunca deveria ter cedido a nenhum sentimento que eu tivesse por ele, mas eu não tinha sido forte o suficiente para isso e agora eu estava encarando a dura realidade, não importava quantas vezes eu esquecesse o meu destino, ele estava se aproximando de maneira rápida.
– Kai – engoli em seco – eu sei que está bravo, mas por favor, me dê a chance de poder explicar.
– Acredite – ele respondeu ríspido – isso é o que eu mais quero no momento: uma explicação.
Senti como a ansiedade tomava conta do meu corpo pouco a pouco.
– Tudo bem... – respirei fundo – Quando Aylin era pequena, ela tinha dons fantásticos. Além de ver o invisível aos olhos, ela era uma sacerdotisa talentosa mesmo sem os ensinamentos dos pais. Ela tinha o dom de fazer pequenas profecias e todos passaram a conhecer essas profecias após todas serem certeiras. Eram profecias simples normalmente, como por exemplo o tempo que levaria para alguém conseguir um emprego, o sexo do filho, ou até mesmo se alguém ganharia ou não alguma aposta. Os pais dela sempre estiveram orgulhosos disso, mas temiam pela vida dela, porque eles se recusavam a pagar os tributos para o demônio que abusou da sua mãe. Eles fugiam de ilha para ilha, se ocultavam com diversos nomes e foi assim até chegarem em Khur. Aqui, meu pai ofereceu proteção a eles, mas em troca eles teriam que trabalhar para ele. Com medo pelo futuro da filha e cansados de fugirem eles aceitaram. Os pais de Aylin se casaram perante as leis da ilha e adotaram outro nome. Passaram assim a fazer parte dos sacerdotes de Khur e deixaram para trás toda a vida antiga. Acontece que eles não sabiam da minha existência na época, ou da existência do Argus. Eles acharam que estariam livres das lâmias e de tudo o que elas representavam enquanto estivessem no castelo. Meu pai os manipulou e a minha... – engoli em seco, não queria soltar aquela palavra, sentia que trairia a mãe que me criou, mas a soltei mesmo assim – a minha mãe de verdade, quero dizer, a lâmia que me gerou descobriu sobre o dom de Aylin e falou para o meu pai. A lâmia achava que meu pai a entregaria, mas meu pai sempre foi ganancioso e fez diferente. Passou a usar a Aylin como arma de guerra. Ela era uma arma de guerra poderosa para ele e foi nessa época que eu, meu irmão Basil, Trix e Argus a conhecemos. Ela sempre fugia para o lago termal e sempre a encontrávamos lá chorando. Eu já havia começado a entender qual era a minha real situação nessa época, mas éramos só crianças, tudo o que conseguíamos fazer era montar planos mirabolantes que nunca dariam certo. Os outros nobres também tiveram conhecimento sobre Aylin e a sorte que ela supostamente dava. As crenças sobre os "filhos dos deuses" trazerem sorte ficaram mais fortes e ela com os seus pais passaram a fugir tanto das lâmias como dos seres humanos. Meu pai, bravo com a fuga dela ofereceu seus órgãos como recompensa, jurando que os poderes dela passariam a ser deles. Foi uma jogada cruel e um castigo terrível, eu nem tenho como justificar tal ato. Temendo pelo futuro dela, eu e meu irmão roubamos nosso pai e fizemos um templo para os pais dela se esconderem com ela. Talvez você já tenha visto que ela fica ausente quando vai fazer alguma coisa, é como se ela não estivesse mais sob o controle do seu corpo e isso aconteceu quando os pais dela estavam tentando acalmar um bando de nobres furiosos que tentavam a todo custo chegar neles. Os seguidores dos pais dela estavam defendendo o templo com tudo o que tinham e a ideia era dar tempo de tirar Aylin dali, mas ela se ausentou, tentamos a todo custo tirá-la de lá, mas o corpo dela simplesmente se recusava a sair e para o nosso desespero, seus passos a levavam exatamente para o salão. Chegando lá ela soltou algumas profecias: a do meu irmão, a minha, a sua e a maneira como acabar com o domínio das lâmias. Meu irmão morreria para salvá-la, um rei escolhido pelo corvo apareceria, eu morreria como a "filha de Athena", que quer dizer que eu lideraria o exército sabendo da minha morte e a decisão do rei e da sacerdotisa dariam o fim ao reinado do demônio criador das lâmias. Todos ouviram as profecias e obviamente todos sabiam que Aylin nunca havia errado em nenhuma. Apesar da tentativa de fuga da Aylin, ela foi levada pelos nobres. Meu pai não queria que essa profecia se cumprisse, porque sem as lâmias, ele também não teria mais o acordo. Ele também cumpriu a promessa feita e deixou Aylin à mercê dos nobres daqui. Nós estávamos nos sentindo culpados por não termos conseguido salvá-la e buscamos ela em todos os lugares possíveis. Eu e meu irmão buscávamos nas masmorras enquanto a minha mãe distraía das piores maneiras possíveis o meu pai. Trix e Argus roubaram tudo o que podiam e quando meu irmão a achou, pensamos que ela não sobreviveria.
Eu não olhava para Kai enquanto narrava aquilo tudo, mas ele já havia abaixado há muito tempo no meio do quarto, como se manter o corpo reto fosse difícil naquele momento.
– Ela ter sobrevivido foi um milagre até para nós – segui – pagamos o silêncio daqueles que a salvou e pagamos o silêncio daqueles que a levou embora no mesmo navio que a trouxe de volta. Os pais dela, para protegê-la selaram a memória dela, fazendo-a esquecer de tudo, de uma maneira que ninguém mais conseguiria descobrir quem ela era de verdade mesmo usando algum dom. Eles apenas a deixaram com a memória traumática do que fizeram com ela, na esperança de que isso fosse o suficiente para que ela não voltasse para as ilhas. A entregaram aos cuidados da deusa Inari, que eles acreditam e confiam cegamente e de maneira irracional na minha opinião. A deixaram ali com todo o dinheiro que Argus e Trix roubaram para que ela pudesse sobreviver. Soube que eles levantaram um templo ali e a abandonaram no templo. Eles voltaram para fortalecer a barreira, assim ninguém mais sairia e ela não voltaria pelo trauma, e estaria segura. Maldição, quem diria que ela seria louca o suficiente para voltar pra cá mesmo com aquelas memórias terríveis... Quando ela voltou, sua memória voltou também, e ela se lembrou do como acabar com tudo isso. Eu quebrei o selo porque sabia que não quebrar o selo seria pior para ela de diversas maneiras e manter um selo que já estava falhando poderia matá-la. Quando ela falou que ia embora eu duvidei na hora, porque sem dúvidas ela sabia que o rei era você e com os dois aqui poderíamos dar um fim nisso. Me surpreendi, mas ela foi embora te levando com ela – sorri de maneira triste – mas você tinha que voltar para me salvar, não é?
Coloquei o rosto entre as mãos incapaz de conter o que eu sentia.
– Cada uma das profecias dela seguem se cumprindo – tentei falar com a voz firme – meu irmão está morto, você é o rei e ela está aqui com um exército para acabar com a guerra. Eu deveria estar feliz... Eu deveria estar feliz porque sei que ela está certa e a guerra irá acabar, mas eu estou apavorada. Uma parte da profecia diz que apenas 4 pessoas ficarão de pé no fim dessa luta, eu não estarei entre elas e não é isso que me apavora, o que me apavora é pensar que talvez Trix não esteja entre elas, é saber que talvez Aylin não esteja entre elas e agora para o meu desespero, tenho medo de que você não esteja entre essas 4 pessoas. Eu sabia que a profecia se cumpriria, mas não estava preparada ainda, por isso queria que vocês fossem embora. Quando vocês apareceram, eu não sabia o que fazer, ninguém parecia preparado para isso apesar de termos esperando isso durante a vida inteira.
– Aylin tentou me parar – Kai falou baixo – ela tentou me parar quando eu decidi pular do navio.
– Ela tinha entendido que eu precisava de tempo.
– E por que acha que ela voltou? – ele perguntou.
– Ela não voltou por mim – respondi a parte óbvia – ela voltou por você. Voltou porque você ficou para dentro. Eu não sou idiota, Kai – falei por fim – Argus me falava tudo o que sabia a respeito de vocês e sei que vocês nunca deixam um companheiro para trás. Ela voltou porque você está aqui. Talvez os outros estejam em um navio perto da barreira, esperando que ela te leve de volta e juro que farei o possível para que isso aconteça. Eu vou fazer de tudo para que vocês voltem.
– Como ela entrou? Não se supõe que só quem tem o selo entra?
– Ela tem, sempre teve. Assim como o nosso, o selo que ela carrega para entrar e sair pela barreira é interno. E o rapaz que está ligado a ela passou a ter já que eles têm as almas ligadas. Receio que seja ele o homem que Daneel não identificou.
– Que escolha é essa que eu tenho que fazer? – ele perguntou ainda olhando para o chão.
– Eu não sei – menti.
– E como você supostamente irá morrer?
– Eu também não sei – a mentira novamente saiu fácil da minha boca.
– Então você está dizendo que quando você disse que iria embora comigo você estava mentindo? Está dizendo que fará de tudo para que eu volte com a Aylin para Vixen, mas que você não vai estar entre nós, é isso?
Fiquei quieta. Quando disse que iria embora com ele, eu disse o que eu tinha vontade e a minha vontade era segui-lo. Na hora eu tive a mais remota esperança de que eu pudesse fugir do meu destino e para ser sincera, eu daria muita coisa em troca disso.
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