. . . . . ╰──╮ 23. Kai╭──╯. . . . .
Tudo que vejo torna-se marrom
Á medida que o sol queima a terra
E meus olhos enchem-se com areia,
enquanto examino esta terra devastada.
Tentando descobrir, tentando descobrir onde eu estive.
Kashmir - Led Zeppelin
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Linhas ou linhas temporais: são futuros possíveis de acordo com cada decisão tomada. Os seres que possuem tais visões, são capazes de tomar as decisões certas para que o futuro escolhido seja o verdadeiro. Apesar de serem linhas que se rompem, também indicam um norte para aqueles que não encontram saídas para alguns dilemas.
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"Eu senti a morte próxima e ela me sussurrava como se fizesse uma carícia em meus ouvidos..." (Diário de Ayana)
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A mágica emoção que eu deveria ter sentido logo de início por estar em um lugar que até pouco tempo não passava de um ponto isolado no mapa finalmente começava a se fazer presente.
Caminhávamos até que de maneira animada em vista dos acontecimentos da noite anterior, ou talvez aos meus olhos tudo tivesse ganhado novas cores.
Todos pareciam ter despertado um novo interesse em mim. Todos queriam saber como era Vixen e me chegavam diversas perguntas estranhas mal me deixando respirar.
– É verdade que vocês têm água quente para o banho todos os dias? – alguém me perguntou, mas não tive tempo de responder.
– Ei, mas o mais importante, vocês sabem mesmo fazer luz sem fogo? Como isso funciona? – outra pessoa praticamente o atropelou até que Trix se irritou por completo.
– Calem a boca, imbecis – ela rosnou – isso lá são maneiras de se dirigirem ao rei?
Os olhos de cada um ali se abriram um pouco mais e eles rapidamente pediram desculpas, mas não se distanciaram. Não ter que responder algumas coisas foi sem dúvidas um grande alívio e finalmente pude deixar meus olhos voltarem para Ayana. Ela e Argus conversavam sobre alguma coisa e ele parecia tentar convencê-la de algo até irritá-la. Pouco depois ela se virou para trás e quando seus olhos se encontraram com os meus, até mesmo um pouco distante eu notei o como ela corava e eu não pude evitar não sorrir.
A emoção novamente se intensificou. Não é que o lado oeste da barreira fosse um lugar bonito ou bom, mas nesse ponto perdido do mapa havia alguém que sem dúvidas me deixaria com grandes recordações e saudades quando eu tivesse que voltar. Sim, seria doloroso voltar para casa deixando-a ali, mas me precipitar não era o ideal, ela jamais abandonaria seu povo. Ir embora não parecia ser uma opção para ela e mesmo sabendo que me doeria, eu agradeci por tê-la conhecido.
Um vento um pouco mais forte brincou com os meus cabelos e senti falta de poder prendê-los, mas apenas dei de ombros. Havia muitas coisas que me incomodavam ali, mas nenhuma delas iria conseguir tirar aquele calor que eu sentia no peito ao vê-la caminhando na minha frente.
– Você deveria chamá-la para ir para Vixen – Trix resmungou do meu lado.
– Ela não iria – respondi baixo.
– Mas é o que você quer, não é? – ela pareceu me estudar – se existisse a possibilidade, você a chamaria?
– Se houvesse a possibilidade, eu não pensaria duas vezes – respondi mal percebendo o quanto eu estava sendo sincero com a minha resposta e que aquilo, antes de conhecer aquela outra realidade, nunca havia sido típico meu.
– Ela não tem nada a ganhar aqui – Trix suspirou – ninguém tem.
Fiquei quieto e preferi não seguir aquele assunto, se ela ganhava algo ou não, era uma coisa que ela deveria decidir.
Conforme andamos, acabamos adentrando uma cidade fantasma. Casas com suas portas abertas, cobertas por musgo e plantas trepadeiras dava um ar estranho ao lugar. Aquelas estranhas paredes de repente me fizeram pensar em Vixen e em todos os que estavam me esperando do outro lado. A essa altura todos já sabiam o que tinha acontecido e eu não duvidava nada de que estariam me esperando no navio, próximo da barreira.
Olhei novamente para Ayana tentando encaixá-la naquele meio. Bebidas, festas, jogos de cartas, bordeis e muito luxo... ela não parecia combinar com a minha realidade e com os últimos acontecimentos eu começava a pensar que aquela realidade já não dava para mim também. Tentei afastar qualquer pensamento mórbido e ignorei por completo qualquer comentário que a minha cabeça queria me pregar. Eu continuava sendo eu, seguiria sendo o líder dos Malphas, seguiria sendo o usurpador de um trono e seguiria querendo mais, pelo menos era isso que eu estava tentando me convencer e se eu quisesse seguir daquela maneira, infelizmente Ayana não poderia estar inclusa, ela jamais aceitaria esse tipo de vida. Os Malphas sempre haviam estado em primeiro lugar e isso não poderia mudar agora.
A cidade fantasma foi ficando mais sombria e uma sensação estranha tomou conta de mim. Eu me sentia vigiado e aquele incômodo parecia piorar conforme eu andava.
– Trix? – sussurrei – eu tenho certeza de que estamos sendo vigiados.
Ela abriu um pouco mais os olhos com a minha fala repentina, se apressou até onde Ayana estava e cochichou alguma coisa em seu ouvido. Ayana parou, virou para onde eu estava e Trix voltou a se aproximar.
Sem muito alarde Ayana fechou os olhos, abaixou a cabeça e abriu os dois braços. Aquilo parecia mais um ritual estranho, mas no fim eu já estava me adaptando a coisas que eu não entendia. Suas mãos abertas pareciam como um detector que tentava achar qualquer coisa a sua volta, quando ela abriu seus olhos de novo, seu rosto estava tenso.
– Estamos cercados – ela falou alto – estão passando pelas entradas da cidade. Não há meios de fugir.
Ela puxou sua espada.
– Arqueiros se preparem. Mulheres fiquem a frente. Protejam os homens... há diversas lâmias aqui. Não deem as costas para elas. Homens, se ficar muito insuportável, mordam as línguas, se cortem, façam qualquer coisa, mas não se virem contra os seus amigos.
Rapidamente e o mais silenciosamente possível, todos fizeram o que lhes foram ordenados. Os homens foram colocados dentro de uma das casas abandonadas e muitas mulheres se colocaram a frente. Eu começava a sentir o magnetismo esmagador que as tais lâmias tinham e era incrivelmente doloroso, muito mais forte do que qualquer uma das vezes que eu havia sentido, mas eu não iria aceitar ficar dentro de uma casa enquanto elas lutavam para salvar a minha pele. Eu já havia passado por cima desse sentimento diversas vezes e não seria agora que eu iria sucumbir a ele.
– Tem certeza, majestade? – Trix me perguntou ao ver que eu não entraria – sei que o magnetismo não funciona em você, mas as lâmias são muito poderosas mesmo sem isso.
– Não irei entrar, Trix – respondi tentando não ser grosso – só me fala de onde eu devo atirar.
– Se ele não vai entrar, então eu também não vou – Argus se colocou do meu lado – se ele tem a capacidade de controlar isso, então mesmo que eu tenha que enfiar uma espada no próprio estômago, eu não vou deixar que isso me domine também.
– Não seja idiota, Argus – Trix forçou o maxilar – não se compare a ele. Ele aguentou isso por muito tempo até conseguir controlar, você não.
Não era verdade, eu sentia o mesmo desde sempre. Era horrível, mas eu sempre estive determinado a não me deixar dominar por isso. Eu havia me controlado desde a primeira vez que senti, minha determinação era a única coisa que tinha feito a diferença ali e podia dizer que eu não era o único que havia conseguido.
– Está decidido a isso? – olhei para Argus – eu nunca tive nada de especial em relação a isso. Tudo o que eu tenho é a decisão de não me deixar dominar pelo que sinto. Consegue passar por cima da sua própria vontade?
Ele me olhou com determinação. Ele não iria desistir por mais que a sua irmã tentasse e algo no brilho dos seus olhos era como um presságio de morte terrível para mim. A mesma sensação que eu tinha toda vez que iria perder um amigo.
– Argus – me aproximei dele para que só ele ouvisse – tive a mesma sensação diversas vezes na minha vida e infelizmente eu nunca me enganei. Se você entrar nessa luta, talvez você não saia vivo dela.
– Majestade – ele sorriu – eu sei disso, obrigado por usar a palavra "talvez" para amenizar a minha situação. Será que o senhor me permite tratá-lo como amigo uma última vez e poder assim contar o que eu sei?
Eu assenti. Ele estava próximo, falava baixo, mas falava firme.
– Você foi a melhor coisa que aconteceu desse lado desde a morte do meu pai. Sinto muito se o prazer de te conhecer não ultrapasse o prazer que eu senti ao matá-lo – ele riu – todos os filhos dos deuses possuem dons. Aylin pode ver coisas invisíveis aos olhos. Ayana, assim como você notou, pode sentir qualquer ser distante quando ela se concentra, por isso ela pôde sentir os vampiros com antecedência ontem e eu... eu vejo linhas temporais.
Meu espanto foi tão grande que senti como meus olhos simplesmente não podiam abrir mais.
– Ah, não – ele riu sem humor ao continuar – não é como o da líder das Kitsunes. Digamos que o destino resolveu brincar comigo de uma maneira um pouco mais cruel. Eu vejo sempre dois possíveis futuros, dois futuros na qual eu gostaria de ter. Logo, essas linhas me dão duas escolhas terrivelmente duras, fazendo eu perder coisas que eu nunca quis perder. Um preço alto para um futuro que eu quero. O destino foi bem cruel e por isso eu nunca uso o meu dom, mas olhar a calma nos olhos de Ayana me fez decidir ver o nosso futuro dessa vez. A última vez que eu vi essa tranquilidade nos olhos dela, perdemos todos os nossos amigos... todos eles mortos, até que todos os primeiros rebeldes se resumissem a nós quatro. Ela sabe que não temos chances e pelo que eu vi realmente não temos. Olha bem, Kai, quando você sair daqui, quase ninguém vai estar vivo, mas no seu futuro eu vejo duas crianças platinadas, com dois olhos tão negros quanto os seus, sendo mimadas por homens e mulheres, além de uma criança de braço e perna mecânica roubando doces da cozinha para dar para eles. Os vejo correndo por um palácio em um mundo que não existe uma barreira para nos dividir... Cuida bem dela, por favor, cuida bem da Ayana.
– As linhas podem ser rompidas. Elas não são absolutas – respondi tentando controlar o misto de sentimentos que aquelas palavras causavam em mim.
– É verdade, principalmente para seres que conseguem ver diversas outras linhas temporais... a precisão de erro para mim é bem menor, só vejo duas, lembra? Eu nunca errei uma linha, apesar de tê-las visto poucas vezes – ele suspirou ainda tentando manter a postura – mas olha, não esquece de olhar para frente mesmo quando parecer que não há saída. Eu não estou errado com essa linha então por favor, não esquece ela, mesmo quando parecer que não há mais solução. Foi muito bom, te conhecer. Você não é um homem ruim do jeito que quer fazer parecer e eu estou muito feliz de ter tido a oportunidade de ser seu amigo, mesmo que por pouco tempo.
– Qual seria a outra linha? – perguntei engolindo em seco, olhando para diversas pessoas preparadas para a morte certa.
– Eu entraria na casa, não lutaria, viveria e choraria a morte de quem eu conheço. Pediria para me casar com a Hagne – ele riu de maneira triste – eu deveria ter pedido isso há muito tempo.
– E por que não escolheu essa? – eu detestava esse dom de outros verem o futuro, aquilo me deixava extremamente ansioso.
– Porque nessa outra não teria dois platinados correndo em um castelo e não teria um mundo sem uma barreira, apesar de que teríamos bonitos monumentos em homenagem a Ayana e a sua corajosa morte. Se te consola, tudo o que eu vejo para você é uma longa vida...
Eu acenei, mas aquilo não me consolava.
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