10 - Branca de Neve
O ar simplesmente me faltou. Dei dois passos para trás instantaneamente. Uma descarga de adrenalina percorreu o meu corpo. O objeto mortal brincou entre os dedos dele como se ali fosse sua casa.
— O que está fazendo?! — Deus do céu, ele podia me matar bem ali. Um medo frio e real soprou na aminha cara. Quem andava por aí com uma faca no cinto? Ele continuava me cercando, como um gato rondando um rato. Foi a primeira vez que eu realmente tive medo da morte. Medo de verdade. — Quem é você, afinal de contas? — foi só um sussurro, mas saiu como uma acusação.
Eu continuava girando devagar, seguindo a dança do movimento dele. Lento e circular, não tinha coragem de lhe dar as costas.
— Bem... — ele olhou profundamente dentro de mim. — Eu sou o caçador.
Caçador. Nunca teria pensado nessa palavra, mas depois de ouvi-la, combinava com ele em tudo. Gael Ávila era, em toda a sua essência, um caçador.
O caçador atacou, e só gastou dois passos para chegar até mim. Um suor gelado desceu pela minha coluna.
— Você é a minha Branca de Neve?
Talvez eu estivesse pronta para a firmeza de uma adaga me tocando, ou para a dor de um corte, eu não sei exatamente o que estava esperando, com certeza algum tipo de agressividade, mas... a doçura com que aquelas palavras rolaram para fora da boca dele foi tão inesperada que me desmontou.
A ponta dos dedos mal tocando a minha testa quando afastou uma mecha de cabelo rebelde do meu rosto. Um toque que parecia ter medo de me quebrar se algo mais rude fosse feito. Sua pergunta soou como uma súplica.
Como ele conseguia ser duas coisas tão distintas ao mesmo tempo? Gentil e ameaçador. Como podia me deixar tão apavorada e enfeitiçada ao mesmo tempo?
— Você está tentando arrancar o meu coração? — espiei a faca.
Um sorriso preguiçoso fez os olhos dele se enrugarem.
— Eu deveria. — ele levantou a adaga e a exibiu, meu coração pulsando entre apreensão e curiosidade. Parecia antiga, rústica. Na verdade, parecia saída de um conto-de-fadas, ou de um mundo de fantasia. — É o meu dever. — a minha imagem refletiu na lâmina. — Seguir as ordens da rainha. E colocar o seu coração em uma caixa. — o metal frio deslizou como uma carícia pela pele exposta acima do decote da minha blusa, quase um beijo mortal. — Mas não é assim que a história acontece, é?
— Não. — respondi. — O caçador traiu a coroa e deixou a garota viver.
— Exatamente. — ele passou uma mão pela minha cintura, contornando a minha calça e desceu a faca para as minhas costas, o suor escorrendo em gotas generosas. — Acho que não me sobra alternativa, a não ser deixá-la ir... — um puxão no meu cós — com o seu novo jeans.
Ele me ofereceu uma etiqueta. A adaga voltou a se esconder sob a camisa.
— Que diga-se de passagem — observou —, é uma calça igualzinha às outras que você já tem.
Peguei o papel da mão dele e puxei o fio de nailon que tinha sobrado na parte de dentro do meu cós. Todo esse drama e ele só ia cortar uma etiqueta?!
Comecei a me afastar, precisava manter distância daquela pessoa estranha que me fazia sentir coisas estranhas.
— Sabe — ele acompanhou o meu paço lento com as mãos nos bolsos. —, eu sempre achei que o caçador tivesse deixado a menina viver porque era covarde.
Olhei para ele com curiosidade. Sério? Eu nunca tinha pensado assim.
— Mudou de ideia?
— Agora tenho três teorias.
— E quais são?
— Bom, primeira: talvez ele fosse mesmo covarde; segunda: talvez ele tenha entendido que aquilo... era errado. — me observou de canto de olho, inspecionando se eu concordava com o que tinha acabado de ouvir. — E terceiro... — o suspiro saiu antes das palavras, como se fosse difícil pronunciá-las em voz alta, como se fosse... admissão de culpa. — E terceiro: talvez o caçador tenha se apaixonado por ela.
O perfil dele refletia a luz da manhã, o cabelo ganhava mais tons de louro e deixava mais evidente a tristeza que se estampou no verde daquele olhar.
— Mas ela escolheu o príncipe no final da história. — completou. —O caçador nunca poderia ficar com ela.
— Eu escolho o número dois. Essa coisa de amor é muito complicada!
A tristeza foi embora do rosto dele e o estranho lindo sorriu de verdade.
— Número dois, então. — ele estacou. — E o cão não passou por aqui.
— Big! Pode encontrá-lo?!
— Qualquer coisa que tenha cheiro. Incluindo uma bola de pelo, gorda e muito barulhenta. — ele se abaixou e tocou a terra.
— Você não vai comer isso?! Vai?!— fiz a maior careta de nojo.
— Eu disse cheiro! E não gosto! — ele esfregou a terra à frente do nariz.
— Que bom! Por que, só para você saber, isso deve estar cheio do cocô de todos os insetos que existem.
— Medrosa. — ele debochou.
— Do que você me chamou?!
— Medrosa! — ele repetiu por cima do ombro, rindo na maior felicidade e depois apontou para o meu tornozelo inchado. — Você é uma medrosa, Srta. Ferraz. Ficou com medo de um potinho. Você é covarde.
— Eu não sou!
— Prove. — me desafiou a passar a meleca na perna. — Veremos amanhã na escola quem tem razão. — e estava convencido que iria ganhar. — Por aqui. — me conduziu, respeitando a minha passada lenta e me servindo de apoio.
Conselho de quem já viveu na prática: não caminhe na mata se estiver com uma entorse! Não vai prestar!
— Estou seguindo um cara nada normal que carrega uma faca esquisita floresta adentro. — falei e ele me deu um sorriso descarado que dizia: medrosa! — Talvez John nem tenha a chance de me matar.
— Eu não vou matar você, bom, pelo menos não hoje.
— Que consolo ouvir isso! — a voz saindo estridente com a indignação.
— Para de reclamar. E quanto ao seu amiguinho, ele não precisa saber que você perdeu o cachorro. Não vou contar o seu segredo.
— Ai. — gemi só de imaginar. — Ele nunca vai falar comigo!
— Sério?! — Gael parou e me olhou como se eu tivesse lhe dado uma ideia brilhante.
— John nunca vai me perdoar.
— Que ótimo! — ele ficou todo feliz! — Retiro o que eu disse, não consigo farejar cães! — deu meia volta e já ia saindo.
— Não, senhor! — puxei-o pelo braço, ficando firme no lugar. — Não seja mentiroso e trapaceiro!
— O que eu vou ganhar?
— Não seja mentiroso, trapaceiro e interesseiro! — corrigi.
Ele bufou.
— As coisas que você me faz fazer! — grunhiu e revirou os olhos. — Vamos achar aquele cãozinho de garota. — essa parte saiu de forma bem maldosa.
— Ele é do John.
— E o que foi que eu disse?! — provocou de forma zombeteira. — Um cãozinho de garota!
Eu disse que ele tinha falado por maldade! Mas o estranho e lindo caçador realmente salvou a minha vida e nenhuma amizade foi desfeita.
Aquela noite o tornozelo estava pior. Abri o pote do caçador. Eca, que nojo! Besuntei o tornozelo com o nariz tampado e enrolei com gaze para não sujar os lençóis. Adormeci com um desejo louco de que aquilo fosse uma poção mágica para que eu pudesse voltar a dançar.
Olá, olá! Espero que curtam a história e obrigada de coração a todos que estão acompanhando!
Bjos!
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