Capítulo Onze
Vincenzo Alves:
No apartamento, coloquei os salgados na geladeira e fui direto buscar os produtos de limpeza. Peguei alguns panos e, sem perder tempo, entreguei para as crianças, que me olharam completamente surpresos, como se eu tivesse acabado de propor um plano maquiavélico.
— Pai, pra que isso? — Bonnie perguntou, piscando os olhos grandes, provavelmente tentando me convencer a mudar de ideia.
— Como castigo pelo que vocês fizeram hoje no restaurante do Dylan, vão me ajudar a limpar toda essa bagunça — falei com firmeza. — Ou nada de comer os salgados. E só pra deixar claro, eu sei exatamente quantos salgados tem ali, então nem pensem em tentar trapacear.
— Isso não é justo! — Stephen resmungou, cruzando os braços como se estivesse prestes a liderar uma revolução contra minha autoridade.
— Devia ter pensado nisso antes de aprontar no restaurante — retruquei, estalando a língua em reprovação. — Então, isso aqui é a punição merecida.
— Ainda acho injusto... — ele murmurou, olhando para o chão, claramente irritado.
— Podemos discutir isso o dia inteiro, ou você pode começar a limpar e evitar um castigo ainda pior — falei calmamente, encarando-o até ele dar um passo para trás, resmungando de novo, e começar a esfregar o chão em silêncio. — E quanto a você, agente Bonnie, posso contar com sua ajuda?
Ela bateu continência de maneira adorável, com um sorriso no rosto.
— Pode sim, papai! — respondeu ela, já começando a limpar com a eficiência de quem tinha uma missão a cumprir.
Enquanto eles trabalhavam, voltei minha atenção aos produtos de limpeza e comecei a me concentrar em tirar as manchas do fogão, que estavam piores do que eu lembrava. O trabalho manual era, de certa forma, terapêutico. Era melhor focar em algo concreto, como esfregar uma mancha teimosa, do que ficar perdido em pensamentos sobre o trabalho ou sobre a minha relação estranhamente complicada com Dylan.
Eu estava tão concentrado, rangendo os dentes enquanto esfregava, que soltei um suspiro de vitória quando finalmente consegui remover a mancha. Joguei o pano no chão com orgulho e fui conferir o trabalho das crianças. Para minha surpresa, o apartamento estava brilhando. Quase parecia que eu tinha contratado uma equipe de limpeza profissional. Não acreditava que meus dois pequenos terroristas tinham conseguido limpar tudo tão bem.
Stephen, ofegante de cansaço, largou o pano no chão e se jogou no sofá como se tivesse acabado de correr uma maratona. Bonnie, no entanto, fez uma careta, olhando para ele.
— Você está todo sujo! Vai deixar o sofá imundo! — exclamou ela, claramente indignada. — Vai tomar um banho e trocar de roupa.
Stephen olhou para as próprias roupas, que estavam cobertas de sujeira, poeira e... restos de comida que, de alguma forma, ele tinha espalhado por todo o apartamento.
— Tô perfeitamente bem assim. Nem tô tão sujo — respondeu, dando de ombros como se não fosse nada demais.
— Sério? Isso é uma grande mentira! — Bonnie retrucou, bufando. — Você tá mais sujo do que a mistura de comida que explodiu nas paredes quando o papai cozinhou.
Stephen revirou os olhos, claramente sem paciência. Bonnie, por outro lado, pegou o pano e olhou para o balde d'água ao lado dela, com um brilho travesso nos olhos que só podia significar uma coisa: ela estava prestes a fazer alguma coisa.
— Ei, ei, ei! — intervi, pegando o pano das mãos dela antes que ela pudesse jogar água no irmão. — Não precisa disso. Stephen vai tomar banho e depois é a sua vez, Bonnie. Sem discussões.
— Mas por que eu tenho que tomar banho? Ainda tá cedo e eu nem tô tão sujo assim! — Stephen retrucou, sem perceber que sua desculpa não colava nem de longe.
Suspirei, já me preparando para a batalha.
— Nem começa — falei, me aproximando dele e o pegando no colo de surpresa. Coloquei-o no ombro como um saco de batatas. — Se não vai por vontade própria, vai à força.
— Me solta! — ele começou a se debater, mas não tinha chance contra meu tamanho. Bonnie soltou uma risada divertida.
— Ele tá brigando com o papai, mas vai perder — comentou ela, rindo ainda mais.
— Sabe, Stephen, eu entendo que você está magoado por eu não ter feito parte da sua vida como deveria. Não posso pedir que nossa relação melhore da noite pro dia, mas pelo menos espero que você me respeite e siga as minhas regras. Eu já aturei muito do seu comportamento. — Abri a porta do banheiro e o coloquei no chão, encarando-o com seriedade. — Agora, vai tomar um banho, tirar essa sujeira e colocar suas roupas pra lavar. Isso é uma ordem.
Stephen ficou em silêncio, mas depois de alguns segundos, assentiu com a cabeça, aceitando o que eu disse. Saí do banheiro, fui buscar as roupas limpas para ele e liguei o chuveiro, mantendo tudo sob controle. Ele ainda não falava muito, mas eu podia ver que estava processando tudo.
Bonnie me seguiu até o corredor e esperamos do lado de fora enquanto Stephen tomava banho. Ela me olhou com aqueles olhos grandes e cheios de curiosidade.
— Papai, o Stephen vai gostar de você, eu prometo. Só que ele é teimoso... como você — disse ela, com a inocência de quem vê tudo com mais clareza do que os adultos.
Suspirei, sorrindo de leve.
— É, acho que a teimosia está no sangue. Vamos dar tempo ao tempo.
Stephen saiu do banheiro cerca de vinte minutos depois, e Bonnie entrou logo em seguida, desaparecendo atrás da porta. Aproveitei o momento para ir até a cozinha e começar a preparar o jantar. Stephen veio atrás de mim, e, por um breve segundo, senti como se estivesse olhando para uma versão mais jovem de mim mesmo. Ele usava um short jeans e uma camiseta camuflada, o que me fez rir por dentro. Era exatamente o tipo de roupa que eu usava quando tinha a idade dele. Aposto que peguei essa roupa no piloto automático sem nem perceber. Era engraçado como certos hábitos se mantinham mesmo depois de tanto tempo.
Enquanto mexia na panela, ouvi Stephen se aproximar e, hesitante, ele finalmente falou:
— Me desculpa por tudo que fiz nesses dias.
Suas palavras vieram como uma surpresa. Olhei para ele por cima do ombro, esperando que continuasse.
— Stephen, sei que estou tentando o meu melhor para ser um bom exemplo pra você e pra sua irmã — comecei, colocando a colher de lado. — Mas se você me tratar como um inimigo o tempo todo, fica difícil. A gente pode tentar fazer isso dar certo. Que tal tentarmos viver bem um com o outro, ver como as coisas se desenvolvem?
Ele mordeu o lábio, claramente desconfortável, mas continuou:
— Sinto muito por ter sido grosso com você... e também por ter te entregado pra vovó no restaurante. — Ele parecia envergonhado, a voz um murmúrio. — Mas eu... nunca tive uma boa imagem de você. A minha mãe sempre disse que você é um grande idiota.
Ri com a franqueza da resposta.
— Nisso, sua mãe tá completamente certa. — Soltei uma risada genuína, e até Stephen deu um sorriso tímido. — Eu nunca fui o melhor exemplo, especialmente no passado. Mas agora... eu juro que vou fazer o meu melhor pra estar presente na sua vida e na da sua irmã. Não quero que você tenha que se preocupar com as coisas que só adultos devem carregar. Vocês são crianças, e é isso que importa.
Ele me olhou com uma mistura de desconfiança e curiosidade, e eu entendi. Laura, sua mãe, era uma policial disfarçada, e eu, bem... espionagem estava no meu sangue. Acho que ele herdou a desconfiança de ambos. Pelo menos, ao menos por enquanto, ele ainda tinha tempo para ser apenas uma criança.
Aproveitei o momento para bagunçar o cabelo dele, o que o fez emburrar na hora, mas não pude evitar o sorriso no canto dos lábios.
Bonnie voltou do banho logo em seguida, agora usando um macacão laranja e, para minha surpresa, com um laço que minha irmã havia dado a ela meses atrás. Ela parecia uma pequena explosão de cor e alegria, e não pude deixar de me sentir mais leve ao vê-la.
— Prontos para o jantar? — perguntei, entregando os salgados para eles.
Eles se jogaram na comida com a típica energia que só crianças têm, rindo e conversando sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Às vezes, eles mudavam para aquela língua inventada que só eles entendiam, deixando-me de fora das conversas, mas eu não me importava. Era bom vê-los felizes, apenas sendo crianças, sem preocupações.
Enquanto os observava, percebi que, por mais caótico que tudo parecesse às vezes, essa bagunça de ser pai e lidar com dois pequenos monstros era o que eu queria. Eu tinha muito a aprender, e muitas vezes me sentia perdido, mas naquele momento, sentado com eles, com risos ecoando pela sala, parecia que estava no caminho certo.
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Enquanto as crianças assistiam televisão, eu aproveitei o tempo para mexer no computador, acessando o sistema da agência e revisando as informações que tínhamos conseguido sobre Lilly nos últimos dias. A maior parte do que tínhamos era inútil: registros dela entrando e saindo de lojas, se encontrando com contatos que pareciam irrelevantes. Era frustrante, para dizer o mínimo.
Passei para a próxima foto quando Bonnie, sempre curiosa, se sentou ao meu lado. Ela olhou para a tela e, com a convicção de quem sabia o que estava falando, apontou para a imagem.
— Papai, essa mulher estava lá quando saímos para alugar um filme — disse ela, seus olhos brilhando com o orgulho de quem tinha feito uma descoberta importante.
Franzi a testa, surpreso.
— Como sabe, querida? — perguntei, genuinamente curioso sobre como ela poderia lembrar.
— Tenho uma boa memória — respondeu ela, com o que só poderia ser descrito como um tom orgulhoso. — Pelo que me lembro, ela estava conversando com um homem de casaco vermelho. Parecia uma conversa bem tensa, ele gesticulava muito enquanto ela só ficava quieta, analisando ele.
Virei-me para a tela, focando na imagem onde Lilly estava cercada por um grupo de seus subordinados. Aquela descrição de Bonnie me fez ver a situação sob uma nova luz. Talvez não fosse tão inútil assim. Anotei as características do homem descrito por Bonnie e comecei a procurar onde alugamos o filme da última vez, tentando cruzar as informações.
— Você tem uma memória de detetive, sabia disso? — falei, enquanto anotava tudo. Ela sorriu, orgulhosa, e voltou a assistir TV.
Enviei um relatório para Isadora, pedindo que ela rastreasse o homem de casaco vermelho com base nas descrições que Bonnie forneceu. Logo depois, minha atenção foi atraída por um novo e-mail que acabara de chegar na minha caixa de entrada. O assunto era intrigante: "Parte um do plano". Meu estômago deu um nó. Cliquei no e-mail enquanto tentava manter a calma.
— Querida, pode pegar um copo de água para mim? — pedi a Bonnie, que assentiu rapidamente e pulou para ir até a cozinha.
Respirei fundo e comecei a ler.
_"Vincenzo, escrever isso não é fácil. Ela está planejando algo grande. O que eu consegui descobrir é que ela pretende destruir Atalanta. Ela está atrás de tudo que sua família tirou dela nos últimos anos. Estou tentando coletar mais informações, mas por enquanto, o que sei são os itens que ela precisa e os ingredientes."_
— L
Meu coração acelerou. Seria esse e-mail da Laura? A menção a "tudo que sua família tirou dela" só podia ser um indicativo de que Lilly estava por trás de algo muito maior do que parecia. Olhei para a tela com atenção, analisando a lista de peças e ingredientes mencionados. Nada fazia sentido para mim, pelo menos ainda não. Mas era claro que essas peças eram fundamentais para o que Lilly estava tramando.
Antes que eu pudesse mergulhar mais fundo, tirei um print do e-mail e enviei para Isadora com a mensagem urgente para que ela verificasse as informações. Logo em seguida, apaguei o e-mail. Não podia correr o risco de comprometer a identidade secreta de Laura, especialmente agora, quando as coisas estavam começando a se encaixar.
Bonnie voltou da cozinha com o copo de água, sorrindo como se nada estivesse acontecendo.
— Aqui está, papai! — disse ela, entregando o copo.
— Obrigado, querida — murmurei, tomando um gole enquanto minha mente trabalhava a mil por hora. Alguma coisa grande estava acontecendo, e eu precisava descobrir o que era... antes que fosse tarde demais.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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