Capítulo Nove
Dylan Watson:
A primeira vez que tentei me misturar com meus vizinhos foi na festa de boas-vindas que eles organizaram alguns meses atrás. Mesmo assim, fiz o mínimo para me enturmar, mantendo uma certa distância confortável. Nunca fui o tipo de pessoa que se envolve muito em eventos sociais, e aquela ocasião não foi diferente.
Agora, vendo como todos ao redor pareciam tão receptivos com Vincenzo, me perguntei se eu tinha escolhido o isolamento por hábito ou por conveniência. Vincenzo, claro, estava no centro das atenções, como sempre. Ele tinha esse talento natural para conquistar as pessoas rapidamente. Em questão de um dia e meio, ele conseguiu não só comprar o apartamento no meu prédio, como também finalizar todo o contrato, algo que me surpreendeu. Parte disso, eu sabia, era graças à ajuda de Calvin e Vinícius, que tinham contato direto com a senhoria e a pessoa responsável pela venda. Tudo parecia funcionar para ele de um jeito que nunca funcionava para mim.
Nos dois dias seguintes à mudança de Vincenzo, no entanto, as coisas entre nós ficaram estranhamente tranquilas. Não nos esbarramos no elevador, nem mesmo nos corredores. Era como se, apesar de estarmos agora mais próximos do que nunca, eu estivesse evitando qualquer chance de interação. Talvez fosse intencional, talvez fosse uma coincidência, mas eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, teríamos que nos encarar de novo.
Mesmo assim, não fiquei muito envolvido com o que estava acontecendo na vida de Vincenzo ou qualquer coisa relacionada a ele nesses dias. E, honestamente, parte de mim estava grato por isso.
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Quando acordei, o quarto estava mergulhado na escuridão, mesmo com o sol do lado de fora. A luz parecia incapaz de atravessar as cortinas pesadas e a sensação de estar isolado do mundo lá fora me atingiu de maneira estranha. Fechei os olhos, tentando afastar a sonolência, e quando os abri novamente, olhei pela janela. O dia lá fora estava claro, mas aqui dentro, parecia que eu estava em outro mundo, preso na penumbra.
Liguei o interruptor, inundando o espaço estreito com luz artificial. Suspirei, lembrando que tinha uma conferência no restaurante da minha mãe pela manhã, o que me forçava a apressar o ritmo para me arrumar. Mas minha mente ainda estava embaralhada, tropeçando entre pensamentos e emoções confusas.
Enquanto reunia meus livros, algo na mesa chamou minha atenção. Era a foto da minha mãe no hospital, deitada na cama após um mal súbito que quase nos destruiu emocionalmente. Lembro da angústia que senti, da forma como Bianca chorava todas as noites e de Mark tentando confortá-la enquanto eu fazia o possível para manter o restaurante funcionando. Aquele tempo parecia um borrão de desespero e medo, acreditando que talvez não tivéssemos nossa mãe de volta.
O médico disse que não era tão grave, mas essa foto sempre me derrubava. Virei a moldura de costas, empurrando os pensamentos para longe. Já faziam anos desde aquele incidente, mas ainda fico de olho na minha mãe, certificando-me de que ela não exagere nas atividades, especialmente no restaurante que ela tanto lutou para construir. Ela sempre diz que está pronta para voltar a trabalhar em tempo integral, mas eu sei que preciso ficar atento. Afinal, o trabalho continua, e eu já estou atolado em mil outras coisas.
Terminei de arrumar o futon e comecei a organizar o quarto, o que não demorou muito. Essa pequena sala era apenas uma parte do meu apartamento de cinco cômodos, que incluía a cozinha, banheiro e uma sala de jantar.
Saí apressado, sabendo que levaria cerca de quarenta minutos até o restaurante. A manhã estava agitada, com pessoas conversando animadamente nas ruas próximas ao bairro universitário. Ao chegar em frente ao restaurante, o familiar cheiro de café, doces e salgados me envolveu, trazendo uma sensação de conforto. Era sempre bom ver o lugar lotado.
Passei por uma das mesas e, para minha surpresa, lá estavam Emily e Carl, rindo e conversando como se fosse um dia qualquer.
— Bom dia! — Emily acenou, com um sorriso no rosto. — Finalmente apareceu!
— Bom dia! — Carl repetiu, parecendo igualmente animado.
— Oi! — respondi, tentando disfarçar meu cansaço. — O que vocês estão fazendo aqui? Isso é um baita desvio da empresa para vocês dois.
Emily fez uma careta teatral. — Qualquer desculpa para te ver, Dylan. Além disso, você prometeu que tomaria café da manhã com a gente uma vez por semana. Ou você esqueceu?
Eu revirei os olhos, sabendo que ela estava certa. — Eu prometi, mas minha cabeça está uma bagunça com tudo o que tenho que fazer.
— Vai quebrar a promessa que me fez há anos? — Emily perguntou, fazendo um beicinho magoado. — E agora que Madison está ocupada gravando o filme, sobra só nós dois para manter o encontro das manhãs.
— Você vai tomar café com a gente, né? — Carl perguntou. — Prometeu que não ia faltar, lembra?
Suspirei, vencido.
— Tudo bem, tudo bem. Só peçam para mim também. Um café gelado e... um brownie de nozes, por favor.
Meu estômago roncou alto o suficiente para que eles notassem, me deixando envergonhado. Emily sorriu e apontou para a mochila em minhas mãos.
— Vai lá, guarda suas coisas. A gente cuida do pedido.
Fiz como ela disse, fui até o escritório e, minutos depois, retornei, me sentando ao lado de Emily.
— Então, já que estamos todos reunidos, me conta como foi com aquele cara do clube — Emily disse, com um olhar esperto. — Vai, não esconda nada.
Revirei os olhos.
— Já te respondi por mensagem, não aconteceu nada demais. Eu tinha acabado de sair de um relacionamento, não ia me jogar no primeiro cara que vi.
Ela fez uma careta e cruzou os braços. — Dylan, te conheço bem demais para saber que está escondendo alguma coisa. Pode me contar, estamos entre amigos. Além do mais, você precisava tirar o atraso, ainda mais depois de um namoro com um cara tóxico que te traiu por tanto tempo.
Eu sorri, meio sem graça, mas continuei firme. — Seus conselhos são sempre bons, mas, por enquanto, vamos seguir em frente, tá bom?
Ela resmungou algo sobre a minha teimosia, mas logo se distraiu quando ouviu uma comoção na porta. Olhei para a entrada e lá estava Vincenzo, entrando com seus dois filhos. Stephen, uma cópia perfeita de Vincenzo quando era mais jovem, e Bonnie, com seu jeito delicado, quase etérea, como uma pequena fada.
Os gêmeos seguravam o pai com expressões sérias, o que parecia ser típico deles. Eles o olhavam com certa desconfiança, como se ainda estivessem tentando entender o lugar dele em suas vidas. A mãe de Vincenzo já estava sentada em uma mesa, acenando para mim com um sorriso, e os gêmeos fizeram o mesmo, embora de forma mais tímida.
Por um momento, me peguei imaginando como seria me juntar a eles naquela mesa. Essa ideia de estar inserido na vida de Vincenzo e seus filhos era algo que, há um tempo, eu jamais cogitaria. Mas, de alguma forma, nos últimos dias, isso começou a parecer mais natural. Estava ajudando Vincenzo a se organizar com as crianças, até mostrando a ele como lidar com tarefas simples, como lavar roupas e quebrar o gelo com os gêmeos. Era estranho, mas bom.
Ainda assim, não fazia ideia de onde ele tirou a ideia de ensinar técnicas "secretas" de espião para as crianças. Claro, eles eram filhos de Vincenzo, então talvez isso fosse hereditário. Mas crianças de oito anos treinando como espiões? Essa seria uma nova aventura, e eu, de alguma forma, estava prestes a fazer parte disso.
— Tio Dylan! — Ouvi uma voz suave me chamar. Olhei para baixo e vi Bonnie, com um sorriso enorme no rosto.
— Bom dia, Bonnie — respondi, abaixando-me para ficar na altura dela. — Imagino que seu pai queimou o café da manhã de novo, não é?
Ela riu baixinho, como se fosse compartilhar um grande segredo. — Ele fez, mas o Stephan estava brincando com a bola e acabou derrubando tudo em cima do papai.
Ri com a imagem na minha cabeça e depois Bonnie olhou curiosa para Emily e Carl. — Vocês são amigos do tio Dylan?
— Somos os melhores amigos dele! — Emily respondeu, sorrindo. — Eu sou a Emily, e esse aqui é o meu namorado, Carl. De onde você conhece o nosso querido amigo?
— Ele é amigo do meu pai — Bonnie disse, apontando para Vincenzo, que, do outro lado do restaurante, estava claramente ouvindo a mãe reclamar de algo. — O tio Dylan está sempre lá para ajudar desde que chegamos no apartamento do papai.
Nesse momento, Stephen apareceu ao lado da irmã, com um sorriso travesso.
— A vovó Gisele descobriu por que nosso pai trouxe a gente para comer fora — ele disse, sorrindo ainda mais.
Eu o encarei, cruzando os braços.
— Ela descobriu ou você contou? — perguntei, sabendo que algo estava por trás daquele sorriso.
Stephen piscou inocentemente.
— Eu jamais faria isso!
Bonnie, no entanto, o entregou com a maior calma. — Ele gravou um vídeo no celular do papai e mandou para a vovó.
— Traidora! — Stephen exclamou, olhando a irmã com indignação.
Bonnie deu de ombros. — Entre você e comida, eu prefiro comida.
Carl soltou uma gargalhada e Emily riu, surpresa com a sinceridade da menina.
— Bem direta essa garota, hein? — Carl comentou, ainda rindo.
— Chata — Stephen respondeu, mostrando a língua.
— Idiota — Bonnie retrucou, sem perder tempo.
Antes que as coisas escalassem, me levantei rapidamente, ficando entre os dois.
— Ei, ei, vocês dois! Se não se comportarem, vou revogar minha promessa de fazer seu prato favorito, Bonnie — disse, tentando manter uma expressão séria. — E Stephen, nada mais de sobremesas do restaurante que você tanto gosta.
Os dois pararam imediatamente, me olhando com espanto, mas logo assentiram, percebendo que eu estava falando sério.
— Crianças, voltem para a mesa, por favor — Vincenzo disse de longe, olhando rapidamente na minha direção antes de voltar a estudar o cardápio.
Bonnie e Stephen se despediram rapidamente de nós e voltaram para a mesa deles. Quando me sentei novamente, senti o peso do cansaço cair sobre mim.
— Desde quando você se dá tão bem com crianças? — Emily perguntou, ainda surpresa.
— Eu não diria que me dou tão bem assim — respondi. — Só observo a situação e uso o que sei sobre eles ao meu favor.
— E há quanto tempo você conhece o pai dessas crianças? — Carl perguntou, curioso.
Suspirei.
— Já faz três anos que conheço o Vincenzo. Mas ele só descobriu recentemente que é pai desses dois.
Emily lançou um olhar disfarçado na direção da mesa onde Vincenzo e seus filhos estavam.
— Espera aí — ela disse, abaixando a voz, mas com um sorriso travesso no rosto. — Você está escondendo um pai desses há três anos e não contou pra gente? Dylan, se joga nesse paizão solteiro e sexy!
Eu fiz uma careta, revirando os olhos, enquanto eles riam, claramente se divertindo às minhas custas. Mesmo assim, aproveitei mais um tempo na companhia deles, conversando e rindo, até que ambos se despediram para ir ao trabalho.
Enquanto eu os observava saindo, me peguei pensando nas palavras de Emily. Vincenzo e eu tínhamos uma relação complicada, cheia de provocações e tensão. Mas agora, com os filhos envolvidos e nossa proximidade inevitável, as coisas pareciam estar mudando. Talvez fosse hora de começar a encarar o que eu realmente sentia.
Depois que Emily e Carl finalmente pararam de rir, Carl me deu um tapinha no ombro.
— Mas, falando sério, cara, você parece estar mais envolvido com essa família do que quer admitir. Você e o Vincenzo... tem algo rolando aí?
Eu balancei a cabeça, tentando dissipar as insinuações.
— Não, não tem nada disso. Ele só precisava de ajuda com os filhos, e, bom... acabei me aproximando das crianças também. É só isso.
Emily me olhou com aquele olhar que só uma amiga antiga consegue dar, aquele que diz "eu sei que você está escondendo algo".
— Ah, claro. Porque você é sempre tão amigável com as pessoas, né? Especialmente caras como o Vincenzo, que você costumava resmungar toda vez que mencionava. — Ela arqueou as sobrancelhas. — Só me pergunto como vocês passaram de 'ele me irrita' para 'eu ajudo a cuidar dos filhos dele'.
Suspirei, sabendo que ela tinha um ponto.
— Tá, eu admito que a dinâmica entre a gente mudou um pouco... — comecei, tentando explicar. — Mas isso é porque ele estava perdido com as crianças, e alguém precisava fazer alguma coisa. Acreditem, se vocês tivessem visto o caos que ele estava enfrentando, vocês também teriam ajudado.
Carl sorriu, inclinando-se na cadeira.
— Então, você virou o herói dessa história? O cara que veio para salvar o dia e ajudar um pai desesperado?
— Não é bem assim — murmurei, tomando um gole do café para evitar os olhares persistentes. — Só estou fazendo o que qualquer um faria se estivesse na minha posição.
— Dylan, a gente conhece você — Emily disse, pegando minha mão e olhando diretamente nos meus olhos. — Você pode tentar disfarçar o quanto quiser, mas você não faz isso por qualquer um. Tem algo no Vincenzo que te toca de um jeito diferente, não adianta negar.
Eu fiquei em silêncio por um momento, refletindo sobre o que ela disse. Eles tinham razão, claro. O Vincenzo me irritava, mas também havia algo nele que me fazia querer ajudar. Talvez fosse a forma como ele parecia vulnerável quando se tratava dos filhos, ou talvez fosse algo que eu ainda não estava pronto para admitir. De qualquer forma, a dinâmica entre nós estava longe de ser simples.
Emily sorriu, claramente se divertindo ao me ver processar tudo isso.
— Mas sério, se você tiver qualquer coisa acontecendo com ele, vai fundo. Ele é lindo, inteligente e... vamos combinar, pai solteiro dedicado é um charme irresistível.
Eu ri, finalmente relaxando um pouco.
— Olha, eu não sei o que está acontecendo, mas prometo que se algo mudar, vocês vão ser os primeiros a saber.
— Melhor assim! — Carl brincou. — A gente só quer o seu bem, Dylan. E, por favor, nunca mais esconda esses detalhes interessantes da sua vida social da gente.
Emily assentiu vigorosamente.
— Exatamente! Queremos todos os detalhes, especialmente se envolver um certo paizão italiano.
Balancei a cabeça, mas não pude evitar sorrir.
— Vocês dois são impossíveis.
Passamos mais alguns minutos conversando e rindo antes de Emily e Carl finalmente se despedirem para ir ao trabalho. Fiquei sentado, observando o restaurante agora cheio de movimento e vozes, e me peguei olhando para a mesa de Vincenzo novamente. Ele parecia mais relaxado agora, rindo com os filhos, e aquela imagem dele tão à vontade me fez sentir algo novo.
Talvez Emily estivesse certa. Talvez estivesse na hora de parar de fugir do que eu sentia.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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