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56 - Terminou o show?

HENRIQUE

Estava extremamente apreensivo. Dividia minha atenção entre as mensagens do whatsapp e o horário que batia no relógio. Qual era a pretensão daquela filha da puta?

Beleza, tinha que manter a calma. Usaria aquele encontro para colocar os pingos nos i's e deixar bem claro que nosso envolvimento não passa da área profissional. Ela teve a chance de estar comigo, e não aproveitou. Não é possível que depois de tanto tempo, a consciência só tenha pesado agora.

E mais uma vez chegaria em casa depois do horário normal. Dói admitir, mas não julgava Amora por pensar o pior. Ela merecia muito mais, e sei que poderia dar mais de mim dentro de nosso relacionamento. Estamos casados há quatro anos, exatamente a mesma quantidade de tempo que fiquei com Ingrid. Partindo desse princípio, um pensamento péssimo martelava em minha mente... Será que minha ex-esposa me largou justamente por ter agido como ajo agora?

Está bem que Ingrid se envolveu com o ricaço pouco depois de nossa separação, o que deixou subtendido que esse tenha sido o motivo da separação..., mas e se, na verdade, minhas atitudes tenham a afastado assim como tenho feito com Amora?

Senti um forte aperto no peito. O término doeu, mas consegui superar. A diferença é que, sendo bem sincero, sei que não seria capaz de viver em um mundo sem Amora. Ela é simplesmente o ar que respiro.

Talvez eu tenha problemas em demonstrar constantemente meus sentimentos e acabo deixando a desejar. Isso é um problema a ser melhorado, admito. Mas seria extremamente interessante se minha companheira me alertasse sobre isso, e não simplesmente se martirizasse em silêncio. Não a culpo, mas também não me culpo por completo.

Tenho meus devaneios interrompidos com fortes batidas à porta. Provavelmente o brutamontes Rocha estava ali para me intimar novamente. Não tinha necessidade de sair do escritório para ir até o "Leroy Bom Appétit", mas não discutiria. Apenas queria que aquela conversa chegasse ao fim para poder ir para casa e encontrar meus amores, Sabrina e Amora.

Para minha surpresa, dessa vez, o Rocha não estava sozinho. Junto a ele, a própria Ingrid veio me buscar. A situação ficou ainda mais bizarra quando reparei nas vestes de minha ex-esposa.

Um vestido azul marinho, tomara que caia e com bordados pratas. A veste deixava suas mandalas tatuadas nos braços explicitas, atraindo olhares de quem passava próximo à porta da minha sala. Estava com seus cabelos louros em um coque alto e lábios pintados em um tom forte de vermelho sangue.

- Ingrid, pelo amor de Deus, precisa estar tão arrumada para uma reunião sobre uma viagem? - cruzo os braços, perplexo com o que estava acontecendo.

Ela me encara de cima a baixo, sorri maliciosamente e se aproxima. Rocha fica na porta.

- Ah, fofinho... é que nossa conversa vai ter que acontecer em um evento no meu restaurante. Você vai como meu convidado - dá um largo sorriso.

Olho aquela doida com o cenho franzido, completamente irritado com aquele planejamento sem aviso prévio.

- Você só pode estar maluca, Ingrid. Quem te disse que tenho tempo para ir em jantar chique para conversar de viagem? Se liga, cara! - esbravejo.

- O problema é que esse é meu último tempo "livre" - fez questão de usar as aspas - antes da viagem. Vai me acompanhar ou não? - cruza os braços e se aproxima. Seu perfume era tão forte que intoxicava todo o ambiente, e enjoava me estômago. Gosto de cheiro doce, mas tudo em excesso faz mal.

- Ingrid, você é insanamente louca - reviro os olhos.

- Ah, e além disso, a viagem precisou ser adiantada. Teremos que ir na sexta-feira - dá um largo sorriso. Aquela filha da puta estava querendo testar minha paciência.

- Estou começando a pensar na possibilidade de largar esse projeto - respondo, com semblante fechado. Ela precisava perceber que não estava nada satisfeito com suas atitudes.

- Não acredito que você seja capaz de largar a oportunidade de mais de um milhão de dólares - passa a unha em meu blazer. Me afasto imediatamente. Pelo visto, meus amigos estavam certos, portanto, precisava prestar bastante atenção em como agir dali para frente.

- Até posso te acompanhar, mas é o seguinte... o evento é público? Não estou a fim de interpretações erradas acerca de nosso envolvimento, que não passa do campo profissional.

- Ah, fofinho - dá uma risadinha -, é fechado ao público.

- E tenho uma exigência para aceitar o adiantamento dessa viagem! - ando em direção à porta.

- Todas que quiser, fofinho - sorri, e me segue.

- Nós vamos em voos diferentes. E quartos diferentes. Pensei que isso fosse óbvio, até porque sou muito bem casado, mas, né? - olho para ela, que me fita de forma séria - Sempre melhor deixar tudo muito bem explicado.

- Olha, não sei o que você pensa de mim - anda rapidamente em direção à saída e esbarra com força em meu ombro -, mas vou deixar uma coisa bem clara pra você, Henrique.

Observo-a em silêncio, aguardando a próxima alfinetada.

- Não quero NADA com você. Primeiro que o tempo não te fez bem - dá uma gargalhada -, segundo que... pelo amor de Deus - aponta para o próprio corpo - olhe para mim...

Nesse momento, várias pessoas que trabalhavam naquele andar presenciavam o show. Algumas até faziam questão de filmar, o que me deixou muito puto.

- Eu sou gostosa para um caralho - dá um sorriso maldoso, se aproxima e coloca uma mão em cada ombro meu -, esqueceu que eu que te larguei?

Senti minha bochecha queimar. Aquela humilhação foi gratuita, o que deixou bem claro que Ingrid não havia mudado porra nenhuma em todo esse tempo.

- Terminou o show? - pergunto, envergonhado.

- Acho que sim - sorri.

- Ótimo.

- Agora que sabe de minhas intenções, vai me acompanhar nessa porra de jantar para que possamos aparar as arestas da viagem?

- Está bem, Ingrid. Mas se me tratar dessa forma de novo, juro que largo tudo isso de mão.

- As vezes você precisa de um sacode para entender que não é a porra do centro do mundo.

Reviro os olhos e sigo a dupla dinâmica composta por minha ex-esposa e o brutamontes de estimação até o elevador. A noite seria longa.

NARRADOR

Ingrid se sentiu extremamente desafiada por Henrique. Quer dizer, ela tinha sim interesse a pelo ex-marido, desde o início, mas estava disposta a respeitar seu relacionamento. Ou melhor, quase isso. Ela queria, mas não se martirizaria tanto caso desse errado. O problema, é que agora era questão de honra.

A mulher estava acostumada a ter o que queria, e não seria Henrique a mudar isso. Sabe que vacilou com o ex-marido ao abandona-lo para ter uma vida melhor, mas é o que qualquer mulher inteligente faria. De qualquer forma, o senhor Kenzo Leroy - Deus o tenha - teve o que mereceu.

Ela sempre quis ter mais. Ser mais. Nunca se contentou com aquela vidinha mais ou menos que tinha em Cabo Frio, então, ao ser apresentada a Kenzo em um evento que foi junto aos seus pais, o fisgou sem ao menos pensar duas vezes. A questão é que, mesmo que rico, viver ao lado de um homem abusivo tinha seus problemas. E quando falo de "seus problemas", quero dizer que são todos e mais um pouco.

Ingrid demorou para agir, mas quando finalmente o fez, a vida se tornou mais leve. Agora ela estava ali, tentando recuperar o tempo perdido. Seu primeiro objetivo era reconquistar o homem que nunca deveria ter deixado de lhe pertencer.

Agora ela estava ali, desfilando até o carro, ao lado de Rocha, seu fiel escudeiro e sendo seguida por um Henrique nada feliz. Ingrid arquitetava uma forma de começar a foder o relacionamento do ex naquela noite mesmo. Era quarta-feira, e eles viajariam na sexta. Por mais que o homem fosse levar acompanhantes, teria dois dias a sós com ele. As coisas estavam seguindo um caminho muito bom, mas ela queria acelerar o processo. Ser ansiosa era um problema, mas naquele momento, pouco ligava. Apenas queria alcançar o objetivo.

Os olhares que seu ex-marido lhe dirigia eram confusos. Não entendia se era desejo ou recusa, apenas sabia que gostava de ser observada, principalmente se tratando dele.

Quando chegaram no carro, Ingrid reparou o receio de Henrique para entrar, o que lhe deixou um pouco impaciente.

- Acha que vou te morder, fofinho? - sorri, escancarando seus dentes quase que brilhantes.

- Você é péssima, Ingrid. Péssima. Saiba que não fico mais que meia hora nesse jantar! - entra, de braços cruzados.

- É o suficiente! - o carro começa a andar nesse instante.

Henrique observa as feições orgulhosas de Ingrid, e arqueia a sobrancelha. Ele queria entender o que ela quis dizer com aquilo, mas antes que pudesse questionar, a mulher logo deu uma explicação. Deixou um pouco a desejar, mas segurou a curiosidade do homem por um tempo.

- Ah, besta - ela encara a dúvida no rosto de Henrique - estou falando que é o suficiente para conversarmos! - dá uma risadinha - Tolinho.

A viagem segue em um silêncio constrangedor. A situação era muito desagradável, mas sabia que precisaria passar por aquilo para conseguir o prêmio final.

Assim que Rocha estaciona o carro e eles abrem as portas, vários flashs são direcionados aos dois. Acontece que Ingrid esqueceu, ou melhor, omitiu, o fato de, mesmo sendo um evento fechado, como era uma inauguração da área vip de seu restaurante, a imprensa aguardava ansiosamente sua chegada.

- Você só pode estar de sacanagem, Ingrid! -disse Henrique, andando rapidamente em direção à entrada, sem encarar ninguém ao seu redor.

- Ah - dá uma risadinha cínica -, a imprensa não entra... mas não tenho controle sobre eles aqui fora - dá um sorriso malicioso.

O jantar foi curto, mas demorou tempo o suficiente para Ingrid ter certeza de que realmente estava disposta a reconquistar o ex-marido. Gostava de desafios, e pelo visto, aquele seria um de seus maiores. Eles já foram apaixonados, não seria tão difícil reviver o sentimento. Foda-se Amora.

Ficou concordado que a viagem seria feita sexta-feira de manhã, e, por mais que fosse a contragosto de Ingrid, os convidados de Henrique iriam no sábado, não no domingo. Dormiriam em quartos separados, porém vizinhos. A ida, para alegria dele, seria feita em voos diferentes. Existiam mais empecilhos do que pensava, mas nada que ela não fosse capaz de superar.

Quando Henrique levantou-se para ir embora, fez questão de acompanha-lo até a entrada, deu um longo beijo em sua bochecha em frente às câmeras e sorriu, maldosa.

- Porra, Ingrid - passa a mão na bochecha, limpando a marca de beijo - está de sacanagem? Quer arrumar problemas no meu casamento? - esbraveja.

- Ah, ela não vai ligar. Você falou que encontraria sua ex-esposa hoje, não é mesmo?

Ele a encara, silenciosamente.

- Henrique... Você não falou! - não consegue esconder o sorriso. Se ele não havia contato, é porque pretendia fazer algo que ela não poderia saber.

- Não enche, Ingrid - dá de costas e vai em direção a um estacionamento de táxis.

Ela sorri ainda mais e volta ao evento. Se ele estava escondendo aquilo tudo, é porque suas intenções também eram além do esperado.

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